Nessa história se compreende a origem dos agricultores situados no Nortão de Mato Grosso. Foram inicialmente os paranaenses, gaúchos e catarinenses que ficaram atraídos por aqueles solos planos ou levemente ondulados, ainda cobertos com mata virgem. Vieram abrir fronteiras e encontraram um exuberante ecossistema cheio de segredos. Por ali se dá a transição entre o bioma do Cerrado e a Floresta Amazônica. Quanto mais ao sul, próximo de Cuiabá, mais se destaca a vegetação baixa e retorcida do Cerrado na paisagem original; quanto mais se caminha para o norte, rumo ao Pará, mais se impõe a selva elevada e úmida. Por cerca de 500 km se percebe tal gradação verde.
A grande maioria dos brasileiros – estrangeiros nem se fala – desconhece que existem no Brasil duas “Amazônias”: a Amazônia Legal, um território geopolítico, e a Amazônia bioma, palco da típica rain forest. A primeira mede 5,2 milhões de km2 e inclui a segunda (4,2 milhões de km2), pois seus limites geográficos foram estabelecidos pelas divisas dos nove Estados que a compõem, incluindo parte de Mato Grosso, do Maranhão e do Tocantins. Isso significa que a Amazônia Legal abarca grandes áreas de vegetação do Cerrado do Centro-Oeste. Já a Amazônia bioma se forma, óbvio, apenas pela densa floresta original. Pouca gente sabe dessa diferença, que confunde muitos analistas desavisados.
Voltando ao Nortão, as características do solo e do clima permitiram amparar com força total o modelo tecnológico, e tropicalizado, de grande escala no campo. Ali a agronomia se excedeu, garantindo excepcionais níveis de produtividade nas lavouras e nas pastagens – 100% dos agricultores tiram duas safras por ano. As fazendas, totalmente mecanizadas, baseiam-se na gestão familiar. Filhos de sitiantes sulinos progrediram na vida.
Tudo reluz na cidade de Sinop. Inexiste velhice, quer de coisas ou de pessoas. A sede da prefeitura, a igreja central, as lojas do comércio, as moradias, as largas e planejadas avenidas, os automóveis, por onde se enxerga se vê modernidade. Nas ruas o povo parece ser mais alto, aloirado, de olhos claros, palavreado cantado, traços próprios de descendentes dos imigrantes europeus.
Assim também se mostra a reluzente Sorriso. Com 80 mil habitantes, a intitulada “capital do agronegócio” erigiu-se apenas nas últimas duas décadas, transformando a planura dos campos de Cerrado, que cobriam a maioria de seu território natural, em lavouras verdejantes. O brilho dessas cidades impressiona quem está acostumado com o padrão mais antigo da sociedade urbana no País.
É impossível entender a economia de Mato Grosso sem considerar a crescente produção de grãos obtida nessa região. Em consequência desse sucesso agrário, o Estado já responde atualmente por 25% da safra nacional de grãos, ultrapassando o Paraná (19%) e o Rio Grande do Sul (16%) no ranking da safra nacional. O êxito agropecuário, entretanto, não resultou no desmatamento total do território nem gerou depredação ecológica. Nada disso.
Ao contrário das zonas tradicionais de ocupação, que avançaram sobre as matas ciliares e mantiveram poucos remanescentes florestais, ali, nessa região de Mato Grosso, se preservaram 100% das áreas ribeirinhas, mantendo-se sempre as reservas florestais obrigatórias, dentro das propriedades rurais, na razão de 35% onde era Cerrado e 80% na floresta alta. Só vendo para crer.
Viajando pela rodovia, ou observando pelas janelas do avião, veem-se as lavouras contrastando harmoniosamente com as reservas florestais, formando um mosaico de cores e espaços que mais parece um lindo quebra-cabeça da natureza. Há dados objetivos. Segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola (Imae), nessa região oficialmente denominada “Centro-Norte”, a agropecuária explora apenas 27% da área total. O restante continua preservado.
Eduardo Godoy, jovem economista que trocou as praias de Santos pela agronomia em Mato Grosso me relata, viajando de Sorriso para Sinop, que os norte-americanos se encantam com essa convivência lavoura-floresta. Mas não entendem por que os agricultores brasileiros arcam sozinhos com a reserva ambiental. Lá, nos EUA, áreas subtraídas da produção recebem fortes subsídios do governo.
Ninguém sabe explicar.