A estudante de Direito e modelo, Adriana de M. Lopes, conseguiu, de forma inédita, através da atuação do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Pará, a primeira condenação por danos morais contra um plano de saúde no Estado, que negou autorização para consulta especializada em Ginecologia. Adriana é transexual e contratou o plano de saúde Unimed especificamente para fazer tratamento hormonal, interrompido diante da negativa no atendimento.
Com a interrupção do tratamento, Adriana Lopes se sentiu prejudicada como consumidora e procurou a Agência Nacional de Saúde (ANS) para denunciar o caso. Em seguida, buscou apoio na Defensoria Pública, que entrou com a ação e durante cinco anos acompanhou o caso, ora pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, ora pelo Núcleo de Defesa do Consumidor, e obteve decisão em segundo grau, no último dia 4 de fevereiro.
A sentença em primeiro grau foi proferida pela juíza Marisa Belini de Oliveira, da 3ª Vara do Juizado Especial Cível de Belém, que estipulou o valor de R$ 16 mil, corrigidos monetariamente pelo INPC, e acrescidos de juros moratórios simples de 1% ao mês, a título de indenização por danos morais. A decisão em segundo grau foi mantida pela juíza de Direito Haila Haase de Miranda.
Adriana Lopes encara a sentença como uma lição para o plano de saúde. Segundo ela, em qualquer que seja a relação de consumo, não pode faltar respeito e tratamento humanizado. “Esta vitória na Justiça me deu certeza de que estou certa, de que o trato deve ser humanizado. Se você está pagando, o plano de saúde tem que estender tapete vermelho”, relatou.
A estudante também elogia a atuação da Defensoria Pública do Estado. “A petição inicial foi maravilhosa, a defesa foi fantástica. Me senti muito segura com o trabalho da Defensoria Pública”, ressaltou. Os defensores públicos que atuaram no caso foram Márcio Cruz, Raimundo Soares e Arnoldo Péres. O Defensor Geral, Luís Carlos de Aguiar Portela, ressaltou que os defensores públicos têm se posicionado como agentes de transformação social. Garantir o direito dos assistidos, independente de raça, cor, credo e sexo, é o exercício diário da instituição, segundo ele.
A sentença
A juíza entendeu que o dano moral se configurou através do ato ilícito, que foi a negativa do plano em autorizar o atendimento previsto em contrato ao beneficiário, uma vez que o plano de saúde confirmou que a referida especialidade seria para atendimento exclusivo de pessoas do sexo feminino. No entanto, a justificativa foi entendida como “um atentado ao princípio da dignidade humana”, pois quem paga um plano de saúde “tem direito a fazer uso do serviço contratado, não cabendo à operadora se imiscuir no atendimento do médico e paciente”.
O defensor Arnoldo Péres, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor, informou que, embora a Ginecologia seja uma especialidade da Medicina que cuida da saúde da mulher, tal especialidade cuida também de aspectos relativos à reprodução humana e tratamentos hormonais que podem abranger tanto o gênero feminino quanto o masculino. “Logo, não era lícito ao plano de saúde restringir o acesso da paciente à médica com a qual já havia iniciado tratamento, sob o fundamento de que a especialidade atendia apenas pessoas do sexo feminino, pois a primeira consulta e a prescrição de medicamentos pela ginecologista já indicou exatamente o contrário”, informou.
Segundo o defensor, caberia somente ao médico a decisão de atender ou não a paciente transexual, no sentido de indicar uma melhor forma de tratamento e atendimento ou até indicar outro especialista. “A paciente cumpriu a sua parte do contrato com os pagamentos em dia, mas como titular do plano não conseguiu usufruir da cobertura contratada”, esclareceu Péres.
A decisão destacou a aflição e a angústia crescentes, causadas pela demora e consequente negativa na prestação do serviço, o que configurou o dano moral indenizável em valor módico, pois existe jurisprudência em se reconhecer a existência do dano moral nas hipóteses de recusa pela operadora de plano de saúde em autorizar tratamento a que estivesse legal ou contratualmente obrigada.
A indenização por danos morais foi fixada, de acordo com a decisão, para compensar a vítima pelo transtorno, mas sobretudo para punir e educar o plano de saúde, a fim de que não cometa mais quaisquer tipo de discriminação ou restrição a outros pacientes, independente da opção sexual ou identidade social. Ao se sentir lesada, Adriana resolveu buscar seus direitos e não se calar. “Eu fui atrás de fazer Justiça. Situações como essas me encorajam a lutar mais e mostrar os erros das pessoas”, finalizou.
Da Redação
Agência Pará de Notícias
Micheline Ferreira
Defensoria Pública do Estado do Pará