Síntese : Vinte anos após a conquista da estabilidade monetária, o Brasil exibe atualmente uma das mais altas taxas de inflação entre as economias mais organizadas do mundo. Os maus resultados colhidos nos últimos anos são fruto da leniência com que o governo petista trata o assunto. A política monetária deixou de mirar a meta, que não é alcançada desde 2009. Para fazer frente à escalada de preços, que tem nos alimentos e nos serviços seus principais vilões, o governo da presidente Dilma Rousseff lançou mão de aumento dos juros e da manipulação de preços administrados, estratégia que já se mostrou fracassada e perigosa num passado não muito remoto.
Vinte anos depois da conquista da estabilidade monetária, o Brasil ainda se encontra às voltas com a ameaça da inflação. Anos seguidos de atitudes oficiais lenientes em relação à alta dos índices de preços levaram o país a exibir atualmente uma das mais altas taxas entre as economias organizadas do mundo. O regime de metas inflacionárias também não tem sido cumprido à risca, com o teto virando alvo e o objetivo efetivo fixado para a política monetária sendo negligenciado pelo governo.
A inflação oficial brasileira fechou 2013 em 5,91%. O resultado representou mais uma frustração em relação aos compromissos assumidos pelo governo petista ao longo do ano. Se já havia deixado claro que não conseguiria atingir os 4,5% fixados pelo Conselho Monetário Nacional como meta, a equipe econômica pelo menos havia sinalizado que conseguiria entregar um índice menor que o de 2012. Não foi o que aconteceu: o IPCA subiu em relação aos 5,84% registrados no ano anterior.
À primeira vista, pode parecer uma diferença irrelevante. Mas não é. O resultado indica uma inflação bastante resistente e difícil de ser contida pelos instrumentos que o governo federal acionou ao longo do último ano. O mais potente deles: a alta dos juros. A partir de março de 2013, o Banco Central iniciou uma puxada na taxa básica que elevou a Selic de 7,25% ao ano para 10% em dezembro – com nova alta de 0,5 ponto percentual em janeiro. Mas a expressiva elevação, de 2,75 pontos percentuais, não foi capaz de conter os preços.
Preços manipulados O governo lançou mão de munição ainda mais pesada para impedir que a inflação brasileira rompesse o teto da meta, fixado em 6,5%. Manipulou tarifas de energia, levando o Tesouro a assumir uma conta de R$ 7,8 bilhões, segurou os preços dos combustíveis e impediu o aumento de passagens de transporte público nas principais capitais brasileiras. Com isso, os chamados preços administrados subiram apenas 1,54% no ano passado. Foi a menor variação desde 1992, ou seja, desde antes da estabilização da nossa moeda.
O problema é que este é um instrumento que só pode ser usado, quando muito, de maneira muito parcimoniosa, sob pena de criar distorções insanáveis na formação de preços de uma economia. Trata-se de artifício perigoso e de eficácia duvidosa – no máximo, passageira. Tanto que o Ibre-FGV prevê que os preços administrados já voltarão a subir neste ano, com alta de 4,5%, o que tende a levar a inflação oficial de 2014 para patamar acima do ano passado.
Na outra ponta, os preços livres aumentaram 7,3% em 2013. Trata-se da maior alta em dez anos. Preços de alimentos e bebidas foram os principais vilões da inflação do ano passado: alta de 8,5%. No geral, dos 365 itens que compõem o IPCA 69% subiram de preço ao longo de 2013. Mais grave, os itens que compõem o núcleo de inflação (que extirpa as altas e as baixas mais extremas) subiram 7,2%, bem acima, portanto, do limite superior da meta.
Em 2014, a tendência, em função da safra agrícola recorde, é os alimentos atenuarem a pressão sobre o IPCA e ajudarem a compensar o efeito contrário esperado com a desvalorização do real – a alta prevista para o dólar neste ano tende a encarecer matérias-primas e produtos importados e afetar negativamente a inflação do país. A seca prolongada em todo o país coloca, porém, mais uma pitada de dúvida neste cenário.
País Taxa acumulada nos últimos 12 meses* Argentina 10,9 Indonésia 8,2 Turquia 7,8 Índia 6,2 Rússia 6,1
BRASIL 5,6 África do Sul 5,4 México 4,5 Arábia Saudita 2,9 Austrália 2,7 China 2,5 Reino Unido 2 Japão 1,6 Estados Unidos 1,5 Alemanha 1,3 Canadá 1,2 Coreia do Sul 1,1 França 0,7 Itália 0,7 União Europeia 0,7 *Até janeiro de 2014. Fonte: http://www.tradingeconomics.com/
Os serviços continuam sendo um dos principais fatores de aceleração da inflação brasileira. Em 2013, voltaram a subir com força, fechando o ano com alta de 8,7%. Em análise recente, publicada dentro do Relatório Trimestral de Inflação, o Banco Central alerta para a influência altista que eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, têm sobre estes preços. A conclusão é de que as potenciais pressões inflacionárias advindas daí somente se dissiparão a partir de 2017.
Postura leniente O governo petista parece ter brincado durante tempo demais com algo que é muito sério. Nos últimos anos, a política monetária foi orientada muito mais para atingir o teto do que para acertar o centro da meta, ou seja, o governo tolera há tempos uma inflação ao redor de 6% – mais precisamente, desde 2005 tem sido assim. O próprio Banco Central reconhece que a inflação brasileira está mostrando resistência acima da esperada, também impulsionada pelos gastos públicos em disparada.
A presidente Dilma Rousseff não conseguirá cumprir uma vez sequer a meta anual de inflação – desde 2009 ela não é alcançada. Na sua gestão, o IPCA acumula alta de 19,4% e alimentação sobe quase 28%. Decompondo-se o índice, obtém-se aumentos ainda mais alarmantes, principalmente de alimentos: farinha de mandioca (131% desde janeiro de 2011 até dezembro de 2013); passagens aéreas (107%); tomate (79%), batata inglesa (72%) e feijão preto (56%), para ficar em apenas poucos exemplos.
Os maiores prejudicados pela inflação elevada são os brasileiros mais pobres. Eles comprometem maior parte de sua renda com alimentos, além de terem menos instrumentos para proteger seu poder de compra da corrosão do aumento de preços. A estabilização da moeda é a conquista mais importante da sociedade brasileira na história recente e não pode ser posta em risco. Adotar postura de tolerância zero em relação à inflação é o mínimo que se deve esperar de um governo que se preocupe com o bem-estar de seu povo.