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Lei Kandir pune o Pará.

Neste artigo o Vice-governador Helenilson Pontes nos brinda com clareza sobre a tão falada Lei Kandir e sua relação com a injustiça tributária que tal lei impõe ao Pará e sua Balança Comercial positiva:

Helenilson PontesÉ comum autoridades, até políticos com mandato e razoável tempo de estrada, afirmarem que a Lei Kandir (lei complementar 87/96) é a grande vilã da sociedade paraense, pois impede o Estado de receber o ICMS relativo às exportações realizadas a partir do nosso território e não assegura ao Estado a compensação justa. Alguns inclusive culpam o partido que governava o Brasil em 1996, tempo da promulgação daquela Lei, pelo prejuízo gerado ao Pará.

A questão não é tão simples assim.

É fato que a Lei Kandir (lei complementar 87/96) previu a não incidência do ICMS sobre operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados e também serviços. No entanto, a mesma lei se ocupou de prever um mecanismo de compensação aos Estados e Municípios pelas perdas derivadas da desoneração tributária das exportações.

A compensação legal cumpriu razoavelmente o seu objetivo nos primeiros anos. No caso do Estado do Pará, em 1997 alcançou 60% das perdas; em 1998, 100%; em 1999, 68%; e em 2000, 54%. A partir do ano de 2001, no entanto, os prejuízos à sociedade paraense começaram a se avolumar. Neste ano, foram compensadas 40% das perdas, no ano seguinte (2002), 35% das perdas, e assim sucessivamente até o momento atual onde a compensação chega a pouco mais de 10% das perdas do Estado com a desoneração tributária das exportações.

O ano de 2003 (quando o Brasil já era governado por outro partido político) foi decisivo para o Pará. Neste ano, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 43 (DOU de 31/12/2003) que constitucionalizou a não incidência tributária até então prevista pela Lei Kandir. Vale dizer, para que o Estado possa voltar a tributar as suas exportações já não basta alterar uma simples lei complementar (a Lei Kandir), necessária agora uma Emenda Constitucional cujos requisitos de aprovação são muito mais difíceis.

A Emenda Constitucional 43/03 trouxe ainda uma regra que merece toda a atenção dos parlamentares, da imprensa e da sociedade paraense. Ao tempo que constitucionalizou a impossibilidade de os Estados tributarem as exportações, previu também a obrigação de a União compensar os Estados (que devem repassar 25% aos Municípios) e o Distrito Federal por esta desoneração. Esta compensação deve ser no montante definido em lei complementar (de novo a lei complementar), e de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados.

Importante ressaltar que a própria Emenda Constitucional 43/03 fixou os critérios de distribuição do montante da compensação (que for definido pela lei complementar), quais sejam, o volume das exportações de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações (ou seja, o saldo da balança comercial), os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do ICMS pelas empresas exportadoras.

Vale dizer, a partir da Emenda Constitucional 43/03, estão na Constituição da República o dever da União compensar os Estados exportadores e os critérios de distribuição desta compensação. Ocorre que a Constituição deixou para a lei complementar a definição do montante daquela compensação e, sobretudo, e aqui importante observar, da mensuração, ou seja, do peso que cada um dos critérios previstos constitucionalmente deve ter na repartição do valor da compensação.

A Constituição prevê quatro critérios a serem considerados na repartição do montante da compensação (prevista na lei complementar), sem, entretanto, sopesá-los. Para o Estado de São Paulo, por exemplo, interessa que o critério “volume de exportações” tenha maior peso na divisão do bolo da compensação. Para Estados como o Pará, o ideal é que o maior peso recaia sobre o critério “saldo da balança comercial”.

A compensação constitucional somente atingirá seu autêntico objetivo, que é estimular economias exportadoras, se o critério do saldo da balança comercial for amplamente favorecido quando da distribuição do montante da compensação. Pelo menos duas razões técnicas justificam esta afirmação.

Primeira razão: o Estado que gera maior saldo de balança comercial ajuda o Brasil a acumular reservas cambiais, fortalecendo a macroeconomia do país. Estado que tem alto valor de exportações, mas pouco saldo de balança comercial é porque também importa muito. Logo, pouca reserva cambial gera ao país.

Segunda razão: o Estado que exporta muito, mas produz pouco saldo de balança comercial, é porque também é fortemente importador, e por essa razão tem grande arrecadação de ICMS em face das importações realizadas e que são tributadas por este imposto (o ICMS incide na importação). O mesmo não acontece com os Estados que geram grande saldo de balança comercial (como o Pará), que além de perder o ICMS da exportação, recebe pouco ICMS na importação (porque importa pouco). Um duplo prejuízo a ser compensado justamente pela compensação agora prevista constitucionalmente.

Traduzindo esse raciocínio em números. Em janeiro deste ano, o Estado de São Paulo, maior Estado exportador, exportou US$ 3,866 bi, enquanto o Estado do Pará exportou US$ 1,31 bi. Ocorre que São Paulo importou US$ 7,728 bi (e arrecadou todo o ICMS incidente sobre estas importações), gerando um deficit ao país de US$ 3,862 bi, enquanto o Estado do Pará criou um superávit de US$ 1,25 bi. Estes números mostram que a compensação pelas perdas da desoneração tributária das exportações devem privilegiar não quem exporta mais, mas quem gera maior saldo de balança comercial ao país.

Portanto, desde o ano de 2003 a desoneração das exportações já não radica mais na Lei Kandir. Se há um vilão, este é a Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional 42/03. O desafio do Estado é conseguir aprovar uma lei complementar que, regulando esta Emenda, assegure um montante de compensação e, sobretudo, garanta o saldo da balança comercial como o principal critério de divisão do bolo a ser compensado.

O Governador do Estado do Pará propôs no ano passado uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão junto ao Supremo Tribunal Federal para que esta Corte Judiciária determine ao Congresso Nacional a regulamentação da Emenda Constitucional 42/03, cuja omissão vem causando graves e crescentes prejuízos ao Estado do Pará.

No Congresso Nacional, o importante é que nossos parlamentares e toda a sociedade paraense fiquem atentos para o montante da compensação a ser prevista e, sobretudo, para sopesamento dos critérios que definirão a repartição da compensação devida ao Estado. O foco deve estar na valorização do saldo de balança comercial que anualmente geramos ao país e pelo qual devemos ser compensados. Toda a atenção é pouca ao que ocorre no Congresso Nacional nesta questão que é crucial para o Estado do Pará.

Helenilson Pontes é o atual vice-governador do estado do Pará, foi presidente do Conselho de Administração do BANPARÁ e coordenador do Grupo de Trabalho Belo Monte. É livre-docente em Legislação Tributária pela Universidade de São Paulo e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP. É professor de Direito Tributário no Centro Universitário de Ensino Superior do Pará (CESUPA) e na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

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