No início do mês, a ilha do Marajó ocupou um grande espaço em toda mídia nacional. Eis que veio a público o estudo que a ONU fez, a respeito do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios brasileiros, no qual os municípios marajoaras aparecem no ranking nas piores posições.
É certo que não há como contestar esse estudo, até por que ele retrata, em verdadeira grandeza, a realidade em que vivem as populações dos municípios da ilha do Marajó, especialmente aqueles da região das ilhas, que, sem duvida, sofreram o maior abalo na sua economia nos últimos dez anos, quando o governo federal, através do IBAMA, proibiu terminantemente a exploração da madeira e do palmito, o que causou o fechamento de quase todas as indústrias madeireiras e palmiteiras da região, provocando, assim, uma onda de desemprego em cadeia, em face da dispensa em massa dos operários das indústrias, e, ao mesmo tempo, deixando sem atividades os trabalhadores da mata, que extraiam a madeira em tora e o palmito.
Como se vê, não houve apenas uma simples onda de desemprego. Na verdade, houve a paralisação total das atividades madeireira e palmiteira que, para quem não sabe, era a base da economia de toda a região das ilhas, por mais de um século. Mas, se isso não bastasse, o governo federal proibiu, ainda, o corte raso na floresta, o que, na prática, impede a implantação de roças, para produção de alimentos. E isto tudo sem falarmos na absurda proibição da caça e pesca. Em síntese: o caboclo marajoara ficou condenado a passar fome com seus familiares! Daí a proliferação das chamadas doenças da miséria, como a tuberculose e a hanseníase, antes quase inexistentes na região.
Em cima dessa realidade, como os municípios da região das ilhas poderiam ter um melhor IDH, se lá se instalou a miséria? Por isso festejo esse estudo da ONU, por chamar a atenção para uma realidade que angustia e que precisa ser modificada, até porque Melgaço, município de pior IDH, apesar de ter em seu território a Floresta Nacional de Caxiuanã, não dispõe de nenhuma indústria de transformação. Portel, nos anos 60 tinha uma fábrica de compensado e laminado que hoje está fechada. Em Breves, foram fechadas mais de 70 serrarias. Enfim, não há trabalho na região das ilhas. Nem nas cidades e no interior. E por que chegamos a esse ponto?…
Acontece que no final do século XX e início deste, o Brasil e em particular na Amazônia, começou a viver um período de pressão em defesa da conservação da floresta amazônica. E dentro desse contexto, os grandes defensores dessa tese esqueceram-se de que em meio a floresta, debaixo das árvores, viviam pessoas que, como as demais, comiam, vestiam, calçavam, sonhavam com uma vida melhor para seus filhos e que ao longo de suas vidas, ganhavam o sustento de suas famílias com a extração de madeira na mata, pratica essa herdada de seus ancestrais. E, em nome da defesa da floresta e dos animais silvestres, se viram impedidos de trabalhar, de fazer o único ofício que aprenderam com seus pais e avós, sem que ninguém, de governo algum, lhe desse a possibilidade de ganhar o sustento de suas famílias de outra forma. E de uma hora para outra, aquele homem trabalhador, honesto e respeitado em sua comunidade e que ia para a mata todos os dias, agora virou “bandido”, só porque trabalhava, para sustentar sua família com o suor do seu rosto, através do único ofício que a vida lhe ensinara e que aprendera com seus pais e avós.
Essa gente, esses homens trabalhadores, não poderiam aceitar serem taxados de bandidos. Que crime cometeram? Não mataram. Não roubaram. Só trabalhavam. Fazendo aquilo que a vida lhes ensinou. Mas, porque antes de proibirem esse homem honesto de tirar madeira da mata, não lhe foi ensinado outro ofício? Porque o governo federal, com os inúmeros órgãos técnicos de que dispõe, não determinou a mudança da base produtiva da região, para depois, sim, proibir a extração da madeira em tora e do palmito? Desde quando uma árvore ou um animal silvestre tem mais valor do que a vida do próprio homem? Será que ao proibirem a atividade econômica da exploração madeireira, não anteviram a necessidade de ser oferecida a esses produtores uma nova opção de sobrevivência?
Nicias Ribeiro é Secretário de Estado de Energia do Pará e Presidente do Fórum Nacional de Energia