Brasília (DF) – Às vésperas da votação da proposta do marco civil da internet, o PSDB defende a neutralidade da rede e a liberdade, que não estão assegurados no substitutivo. Para o partido, o marco civil da internet, na forma como apresentado no substitutivo, atende apenas aos interesses do governo de controlar, por meio de decretos, aspectos inerentes à liberdade de expressão.
“Nada vai mudar se o marco civil não for aprovado. O governo apenas construiu um discurso nacionalista em torno da matéria para sensibilizar os internautas e, dessa forma, conseguir que o Congresso Nacional dê a ele carta branca para gerenciar a internet e, portanto, ter o controle sobre a informação”, ressalta o partido em posição encaminhada para discussão.
Segundo o PSDB, o substitutivo não sustenta o argumento de que o marco civil pretende proteger e dar segurança aos internautas. A liberdade de expressão, a vedação à censura, a garantia de proteção à honra, à intimidade e à vida privada, dentre tantos outros direitos fundamentais estão assegurados na Constituição Federal. Além disso, os crimes que podem ser cometidos na rede estão previstos no Código Penal.
A seguir, os principais temas em discussão sobre o marco civil e a posição do PSDB.
Neutralidade
O entendimento é que o texto do relator do deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) não define com clareza o conceito de neutralidade e suas implicações para os usuários. Além da falta de transparência, há outro grave problema: permite que o governo, por decreto, estabeleça regras para o gerenciamento da rede. Transfere poderes da Anatel, agência reguladora de caráter eminentemente técnico, por definição, para o Executivo.
Considerando o forte perfil intervencionista do governo do PT, a defesa intransigente que faz do controle da mídia e dos meios, e seu alinhamento ideológico a países que fazem uso da censura na internet, o substitutivo dá a ele uma carta branca o que, no entendimento do PSDB, configura uma “neutralidade vigiada” e permite o cerceamento da liberdade de expressão.
Essa posição baseia-se também na contradição flagrada na redação do substitutivo. Com base no caputdo art. 9.º, o substitutivo adota o princípio da neutralidade de rede como direito de todos; contudo, o § 1.º desse mesmo artigo permite que a Presidente da República, por Decreto, estabeleça as regras que serão observadas pelos provedores de conexão à Internet na discriminação do tráfego de dados, o que excepciona e acaba por esvaziar o comando inserido no caput do art. 9.º.
Datacenters
De acordo com o substitutivo, também por decreto o governo poderá obrigar os provedores de conexão e de aplicações de internet a instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados no Brasil.
A proposta é questionável do ponto de vista técnico, já que apenas as cópias dos dados ficarão situadas em território brasileiro. Os dados continuarão a circular normalmente pelos diversos centros de armazenamento instalados em outros países.
Também desconsidera serviços de armazenamento como os ofertados pelos provedores de computação em nuvem (cloud computing), em que os dados podem passar constantemente de uma a outra máquina ou datacenter, situados nos mais diferentes países.
A medida não inviabiliza a prática de espionagem por outros países ou organismos internacionais, principal argumento do governo para justificar a implantação dos datacenters no Brasil.
Poderá inutilmente onerar os provedores de acesso e de aplicações de internet com o aumento nos custos de suas operações. O aumento no “custo Brasil” poderá, de alguma forma, ser repassado para os usuários, ou seja, os internautas.
Conteúdo ilegal
O artigo 20 do substitutivo dispõe que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura” o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes do conteúdo gerado por terceiros “se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
O entendimento é que o substitutivo, em vez de endurecer as regras contra os crimes praticados na internet, parece incentivar a sua prática, já que burocratiza o processo e, dessa forma, torna mais difícil e demorada a retirada de conteúdo ilícito, além de onerar o internauta.
A regra geral para a retirada desses conteúdos somente após decisão judicial. Atualmente, a pessoa que se sente atingida ou prejudicada notifica o provedor para a retirada do conteúdo.
Ou seja, com o substitutivo, o internauta terá de recorrer a um advogado e esperar a decisão da justiça que, considerando o alto volume de processos em todas as instâncias, poderá demorar. E é importante ressaltar que, dada a velocidade de propagação de informações no ambiente virtual, quanto mais longa a espera pela decisão judicial, maior o dano causado ao internauta que se sentiu atingido.
Em sua atual redação, o art. 22 do substitutivo excepcionou a regra do art. 20, nas hipóteses de “divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais que contenham cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, sem autorização de seus participantes”, estabelecendo, para tais casos, a possibilidade de responsabilização subsidiária do provedor de aplicações de internet. Ou seja, para esses casos, a pessoa que se sentiu atingida apenas notifica o provedor que, poderá ser responsabilizado se não o fizer.
Sanções
O artigo 13 do substitutivo prevê sanções aos provedores de conexão e de aplicações de internet caso não armazenem os dados no Brasil; deixem de respeitar a legislação brasileira e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal nas operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações (art. 11) e deixem de instalarem ou fazerem uso de “datacenters” instalados no Brasil, ficarão sujeitos às seguintes sanções, “sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas”, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
“(…) I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II – multa de até dez por cento do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade e a intensidade da sanção;
III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos nos arts. 11 e 12; ou
IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos nos artigos 11 e 12.
Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento no País”.
A extrema gravidade das sanções propostas, idealizadas para se sobreporem às demais sanções cíveis, criminais e administrativas que se façam cabíveis, está a indicar a necessidade de uma análise mais cuidadosa sobre a sua necessidade e pertinência.