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“As responsabilidades históricas”, por Fernando Henrique Cardoso

5 de junho de 2017
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Há quem pense que a política é como as nuvens, move-se depressa e refaz incessantemente suas configurações. Talvez. Contudo, nas democracias, a despeito do jogo político ser variável existem regras na Constituição que só se mudam seguindo os preceitos nela definidos. Quanto mais haja agitação e incertezas, menos se devem buscar atalhos e mais seguir a Constituição.

Escrevo este artigo antes de o Tribunal Superior Eleitoral decidir sobre a nulidade da eleição da chapa Dilma/Temer. Qualquer que seja o resultado provavelmente haverá recursos. Com eles, o tempo de decisão se alongará e também a inquietação da sociedade. Os políticos responsáveis sabem que qualquer arranjo político deve considerar suas consequências para os 14 milhões de desempregados e, portanto, para o crescimento da economia. Tampouco devem esquecer-se de que a população está indignada com a corrupção sistêmica que atingiu os partidos, o governo e parte das empresas. Portanto, chegou a hora de buscar o mínimo denominador comum que fortaleça a democracia e represente um desafogo para o povo, aflito com a falta de emprego e de renda. E indignado com a roubalheira.

É preciso dar continuidade às reformas em curso no Congresso e às investigações do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário. As reformas são essenciais para que a economia prospere. As investigações, para a moralidade pública.

As reformas não podem visar apenas o equilíbrio fiscal. Há que olhar para as pessoas, avançar com firmeza e com moderação para combater privilégios e atender ao que é justo. Na reforma previdenciária, devido à continuada queda da taxa da fecundidade (já abaixo de dois filhos por mulher) e o aumento da expectativa de vida depois de se aposentar, impõe-se estabelecer idade mínima para a aposentadoria. Isso é o mínimo para começar a resolver o problema das contas da Previdência. Essa regra deve ser tão mais geral quanto possível, excetuando-se apenas os grupos mais fragilizados da sociedade, a exemplo dos trabalhadores rurais, ou as categorias profissionais que realizam tarefas que, por razões de saúde, justifiquem idades menores para a aposentadoria.

Também a aprovação da reforma trabalhista é fundamental. Acordos podem ser feitos e não serão “recuos” do governo, mas ajustes necessários. Melhor que se façam por meio de veto presidencial e/ou de edição de medidas provisórias novas para corrigir o que for considerado desnecessário ou injusto do que com emendas no Senado que levem o projeto de lei para o sem fim das dilações parlamentares. O povo e a economia têm pressa.

A mesma clareza de posição se exige em relação às investigações e processos criminais em curso. Nada de arranjos e medidas casuísticas para beneficiar parlamentares e poderosos. Tampouco, por outro lado, devem-se aceitar atos arbitrários que permitam um poder anular as prerrogativas de outro. Prisões preventivas, quando necessárias, devem ter seus motivos melhor explicados à sociedade e maior reflexão cabe sobre até que ponto se justifica a concessão de prêmios eventualmente excessivos a quem delate crimes de corrupção. É de Justiça que se precisa, não de vingança nem de benesses.

Quem porventura pretenda resolver a presente crise por meio de um conchavo encontrará na força das instituições, no ativismo da mídia e na indignação do povo barreira às soluções inventadas, por engenhosas que sejam. Na era da internet, o cochicho de bastidor perdeu força. Então, que fazer?, pergunta clássica, de difícil resposta.

Primeiro, não desconhecer a gravidade da crise política e as suas causas de fundo. Depois, por penoso que seja diante da irritação vigente, não colocar o carro adiante dos bois. De que vale falar de “sucessores”, antecipando-se a decisões que cabem ao Judiciário e que ainda não foram tomadas? Propor eleições diretas é tentador, porque traz dividendos políticos, mas inconsequente. Eleições diretas para cumprir um mandato tampão, para quem? Só para presidente ou também para o Congresso? Se o TSE julgar improcedente a ação que pede a nulidade das eleições de 2014, uma emenda constitucional para antecipar eleições diretas representaria, neste caso sim, um “golpe constitucional”. Se a decisão do TSE tornar vaga a presidência, manda a Constituição que a eleição do novo presidente seja indireta, feita pelo atual Congresso. Se e quando se colocar a questão de um sucessor, a decisão deverá ter apoio nos partidos, mas também na sociedade, posto que esta não aceita silente o que vem “de cima”.

Não são questões banais. Por isso, é preciso dar uma oportunidade de reflexão e, quem sabe, de revigoramento, a quem está no governo. O PSDB não apelou “ao muro”, mas à prudência de um tempo maior para que todos, colocando interesses partidários e pessoais em segundo plano, possamos responder com desprendimento: o que é melhor para o Brasil? O tempo urge, porém, pois o país exige respostas. Se houver manobras dilatórias no TSE, o PSDB correrá o risco de coonestar o que o povo não quer e a economia não suporta, ajudando o governo a empurrar a situação com a barriga?

Não desejo, nem prevejo que seja este o curso dos acontecimentos. Disse no início do atual governo que ele atravessaria uma pinguela, como o governo Itamar atravessou com minha ativa participação. O governo Temer tem feito um esforço, até maior do que se imaginaria  possível, para rearranjar uma situação institucional e financeira desoladora, esta sim uma “herança maldita”. Apoiei a travessia e espero que a pinguela tenha conserto.

E se não? E se as bases institucionais e morais da pinguela ruírem? Então caberá dizer: até aqui cheguei. Daqui não passo. Torçamos para que não sejamos obrigados a tal. Se o formos, e o tempo corre, assumamos nossas responsabilidades históricas com clareza diante do povo e das instituições.

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