Tranqüilo e aliviado depois da vitória de seus aliados na convenção nacional do PMDB no fim de semana, o presidente Fernando Henrique Cardoso não esconde a despreocupação em relação à decisão do partido de apresentar candidatura própria à sucessão. Jura que não influiu no resultado final e que não tem candidato de colete nem preferência por nome nenhum, seja em seu partido, no PMDB ou no PFL. Para ele, o candidato ideal será aquele que, venha de onde vier, encarnar um programa de governo sólido e transparente, capaz de convencer a população, cuja maturidade política não comporta mais, a seu ver, no governo ou na oposição, alguém que não saiba muito bem o que fazer. ¥O melhor candidato será o que aponte um rumo, com confiança e esperança, que não tenha nada a esconder e se disponha a explicar tudo muito bem¥, define.
O presidente prevê que a campanha presidencial não será o passeio oposicionista que seus adversários imaginam, pois diz acreditar no poder de discernimento do eleitorado brasileiro e perceber claramente as demonstrações dadas pela sociedade de que não recuará dos avanços democráticos. Entre esses avanços ele inclui os processos a que têm sido submetidos poderosos caciques políticos, como o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e o atual, Jader Barbalho (PMDB-PA).
Estado – A convenção do PMDB abriu a sucessão presidencial?
Fernando Henrique Cardoso – É prematuro falar disso. Alguns meses atrás, era certo que o PMDB iria com Itamar. Não foi. E não foi por decisão própria. Podem agora fazer das tripas coração para dizer que interferi no processo.
Mas é mentira. Só fui informado do resultado da convenção depois por Ana (Tavares, assessora de imprensa). Disseram: ¥o presidente está ativo. Está telefonando¥. Não telefonei para ninguém.
Os ministros do PMDB, é claro, me davam uma noção do que estava acontecendo.
A única intervenção minha nisso tudo foi lá atrás, quando jantei com os governadores e lhes disse que precisava saber qual era a posição deles.
Afinal, era um assunto importante para o governo. Sempre tive relações normais com os governadores, mesmo os da oposição. Com Olívio Dutra, Zeca do PT, etc., tenho relações normais. E posso até dizer que são boas. O único com quem não tenho relações é com Itamar. Por conta dele.
Estado – O PMDB apresentará candidatura própria em 2002, como ficou decidido na convenção?
Fernando Henrique – Há três meses isso era tido como líquido e certo. Agora, nem tanto. Falei com o presidente do PSDB, José Aníbal (SP), que vai almoçar amanhã (hoje) com o presidente do PFL (Jorge Bornhausen) e Michel Temer (que acaba de ser eleito presidente nacional do PMDB). Disse a ele que não tem sentido discutir agora de que partido sairá o candidato da aliança, naquela base de ¥caso com qualquer uma, desde que seja com Maria¥. É claro que cada partido da aliança tem seus pretendentes, mas o que tem de ser discutido agora com esse PMDB reforçado, pois o PMDB saiu reforçado da convenção, é tentar ver se temos um programa. Embora no Brasil não se goste de discutir programa, a verdade é que só sou presidente porque tive uma proposta para o Brasil e ela foi aprovada.
Estado – E com o apoio dos políticos, não é fato?
Fernando Henrique – Para ser presidente no Brasil é preciso muito mais do que ter apoio político. É preciso ter capacidade de formular um projeto aceitável pela sociedade. O que se está cobrando da oposição há que ser cobrado também de um candidato dos partidos que apóiam o governo: um programa para dar continuidade na mudança. As pessoas não acreditam nisso, mas sempre digo que nosso principal problema é a batalha dos conceitos:
temos de comparecer com um quadro coerente de propostas. O PMDB já está discutindo o que vai fazer com seus problemas. O PPB também: os jornais estão publicando que Espiridião Amin (governador de Santa Catarina) está pondo a questão de o que fazer com Maluf. Resolvido isso, os três ou quatro têm de se entender sobre o que propor.
Estado – A retórica da oposição não tornará o debate político menos racional?
Fernando Henrique – Continuo muito crente na capacidade do eleitorado de discernir, de saber bem o que vale a pena e o que não vale. E o melhor jeito de apostar nessa capacidade de discernimento é ser racional e propor algo concreto. Isso não é novidade nenhuma: a aliança que me apoiou e me apóia até hoje se baseou num programa de propostas para o País. E o programa se mostrou tão bem-sucedido que gerou o período mais longo de apoio parlamentar a um governo brasileiro na História. O apoio parlamentar ao meu governo só cresce.
Estado – Por que, então, essa base política não tem superado as denúncias de corrupção feitas pela oposição?
Fernando Henrique – O maior problema do governo no debate político é a falta de reação ao primeiro grito. Tem muito aliado aí que não responde à altura e ainda dá a entender que a oposição está certa. Esse é o caso da corrupção: meu governo dá liberdade, como nenhum outro deu, para a Polícia Federal e a Receita Federal combaterem a corrupção e os casos que têm aparecido são todos esqueletos do passado. Nenhum caso deixou de ser apurado.
Estado Por que então há essa sensação geral de impunidade no País?
Fernando Henrique – Além do problema da segurança pública, que é dos governadores, e não do governo federal, talvez a grande frustração do governo tenha sido a incapacidade de patrocinar uma reforma profunda do Judiciário. Falo do Código de Processo brasileiro, que permite a defesa sem fim. Veja o caso do juiz Nicolau. Tecnicamente, é provável que sua prisão seja errada. Mas sabe por que ele continua preso? Por causa da sensação que a opinião pública tem de que, se ele for solto agora, nunca mais será preso. Como a Justiça falha, está sendo substituída por um sentimento generalizado de vingança.
Estado – É esse sentimento que está levando líderes políticos antes intocáveis às cordas, como já ocorreu com Antonio Carlos Magalhães e agora parece estar se repetindo com Jader e Maluf?
Fermando Henrique – Sou absolutamente contra essa mentalidade de querer instituir agora na democracia aquele espírito de perseguição das Comissões Gerais de Inquérito da ditadura militar. Sou a favor de fortalecer as instituições e deixar que elas funcionem. Mas também acho muito positiva a evidência de que a opinião pública repudia métodos antiquados de domínio que produzam vantagens, sejam pessoais, sejam políticas, para alguns em detrimento da maioria. Portanto, considero esse processo todo um avanço da democracia. É uma conquista da sociedade nestes oito anos de governo.
Estado – Essa mentalidade influirá na sucessão?
Fernando Henrique – Não tenha dúvida. A sociedade brasileira hoje é complexa demais para aceitar um candidato que não saiba bem a que veio ou que só disponha de algumas idéias gerais sobre o enorme desafio que vai enfrentar no ambiente de crise generalizada da economia mundial. O melhor candidato será o que aponte um rumo, com confiança e esperança, que não tenha nada a esconder e se disponha a explicar tudo muito bem. Ele não terá de esconder os erros do governo. Erros, por exemplo, como o que ocasionou a crise da escassez de eletricidade, causada por falta de água, mas também por falta de coordenação do governo.
Estado – Quem será esse candidato?
Fernando Henrique – Essa discussão toda sobre o candidato que carrego no bolso do colete é tola. Não tenho candidato nenhum. Nem poderia ter. O presidente influi na escolha do sucessor, mas essa escolha depende de várias circunstâncias, muitas das quais fora do controle. Antes de tudo, é preciso conversar, criar um clima de entendimento e descobrir quais idéias defender e quem melhor pode encarná-las. Uma coisa é certa: o candidato dos pa
rtidos da aliança que resolver competir em populismo com os d
a oposição não vai se dar bem, pois o eleitor sabe muito bem que para defender aquelas idéias os outros são bem melhores do que ele.