Artur da Távola
Crise econômica provoca turbulência política. Crise cambial, geralmente, derruba governo. O exemplo da Argentina é eloqüente. Gritante. A insistência ensandecida na paridade entre peso e dólar, além do fracasso dos sucessivos planos econômicos, colocaram o país em situação falimentar. O povo foi às ruas. Saqueou supermercados, quebrou tudo que encontrou pela frente, parlamentares revogaram os superpoderes do ministro Cavallo. A conseqüência é clara: o país vizinho entrou em convulsão. Transformou-se na mais perfeita imagem do caos.
A agonia dos argentinos é uma lição para os brasileiros. Ajuda a montar uma agenda provável para 2002. O ano que se inicia possui características peculiares. A Copa do Mundo será disputada em duas sedes, Coréia e Japão, a partir de junho. Foi antecipada em quase 30 dias. E realização de eleições gerais em outubro, quando serão renovados legislativos estaduais, Câmara, Senado e escolhido o novo presidente da República. O período será movimentado e complexo. Pleno de emoções.
Será, também, o período de avaliação e teste da recente Lei de Responsabilidade Fiscal. O ajuste fiscal deverá levar a que o Orçamento se torne claramente superavitário nos resultados operacionais. Não se deve esperar muito da Reforma Tributária. O consenso está longe de acontecer. Os conceitos básicos divergem entre si. As proposições são múltiplas e divergentes.
A reformulação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada na Câmara e chegou ao Senado. A alteração é pequena diante da reformulação profunda que se exige para o assunto. Mas provocou protestos. O assunto precisará ser mais bem explicado para a opinião pública. A modificação proposta parece ser bom caminho para oxigenar as relações entre capital e trabalho e abrir novas oportunidades de emprego no mercado brasileiro.
A crise do setor energético marcou o ano de 2001 no Brasil. O problema é antigo. Foi empurrado por medidas protelatórias, insuficientes para solucionar toda a questão. O governo agiu de maneira emergencial. Organizou o racionamento, que foi maravilhosamente entendido pela população. O povo compreendeu e respondeu de maneira positiva. Fez a economia necessária. Mas, se a luz vermelha se apagou no painel das medidas extremas, será impositivo em 2002 reformular o segmento.
Em primeiro lugar, estruturar o chamado mercado aberto de energia. Decidir qual será a fatia do Estado na produção, transporte e distribuição, solucionar os contenciosos com os governos estaduais relutantes com o princípio da privatização, definir a forma de operação das usinas térmicas e principalmente no que se refere a seu insumo básico, o gás. E, tarefa de extrema habilidade, conciliar tudo isso com o equilíbrio fiscal.
A crise na aviação comercial não é novidade. A indústria, no mundo inteiro, foi abalada pelos horrores de setembro. Os problemas já existiam. O armagedon ocorrido em Nova York os tornou mais visíveis. Passageiros sofrem com vôos cancelados e com a obsessiva preocupação com segurança. Amiga minha, que viaja com freqüência, teve nos últimos meses três alicates de unha apreendidos na revista em aeroportos. A comida de bordo, que já era ruim, ficou intragável. E ninguém corta um bife com faca de plástico.
Brincadeiras à parte, será necessário sanear o setor. A crise nesse caso não afeta apenas as transportadoras e o negócio do turismo. Empresas como a Embraer, todos os seus fornecedores e empregados estão sofrendo os efeitos da conjuntura perversa. As demissões no setor estão ocorrendo aos magotes. Centenas, e às vezes milhares, de trabalhadores são demitidos de uma só vez. Mas os desacertos financeiros persistem. A situação permanece ruim. Esse será assunto recorrente na agenda de 2002.
A perspectiva imediata do comércio exterior brasileiro é preocupante. O Itamaraty deverá tentar lançar as bases para o aprofundamento de relações de troca com Índia, China e África do Sul. Será a maneira de fugir à danação que baixou sobre o Mercosul. A operação dessa política não é fácil. Mas a crise argentina não tem data para terminar. O bloco do Cone Sul tenderá a ficar paralisado à espera de que Buenos Aires encontre o caminho para retomar o crescimento econômico.
A Área de Livre Comércio das Américas não começou bem. O governo de Washington pretende com o fast track defender ainda mais seu mercado interno e ter poder de comandar até a política cambial dos países vizinhos. Como está colocada a proposta, a Alca não surge de um acordo entre as partes, mas da imposição de procedimentos e normas do mais forte aos mais fracos. Será necessário negociar muito.
Todos esses problemas vão estar embolados no mesmo período. Para complicar o cenário, haverá a obrigação de acordar de madrugada para torcer pela Seleção brasileira. Os jogos serão realizados às duas, às três ou às quatro horas da manhã. O horário mais favorável será o das oito. Loucura. Nunca, que eu saiba, torcedor algum se colocou com sua cerveja em frente à televisão para torcer junto com os amigos nessa hora imprópria. Vai acordar o filho e os vizinhos. Deve haver confusão. E muito mau humor.
No mais, política. Não é pouco. Em 2002 a nobre atividade terá um único nome: sucessão presidencial. A boa gerência dos assuntos econômicos vai determinar o ambiente em que será escolhido o sucessor do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naturalmente, tudo isso poderá, ou deverá, ocorrer se talibãs, ou grupo assemelhado, não cometerem outro desatino.
Artur da Távola é senador pelo PSDB do Rio de Janeiro e líder do governo no Senado