“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Nem o próprio Rui Barbosa conseguiria imaginar que essa frase, dita há quase 200 anos, se tornaria tão imperecível e tão atual para o Brasil de 2016.
Que saquem todo nosso dinheiro, todo nosso suor. Mas nos deixem a capacidade de refletir, discutir e se indignar, sem vendas e sem amarras, da “governabilidade” da qual somos vítimas. Que também não nos faltem gestores para expor e representar essa insatisfação.
Somos uma página neutra, que recebe e respeita todas as posições e opiniões. Mas, nesse texto, através das palavras acertadas do prefeito Elias Gomes, falamos um pouco também. Falamos sobre o óbvio e o revoltante. O técnico e o indiscutível. O ilegal e o inaceitável.
Talvez em razão do recesso de fim de ano, sempre pedindo um descanso para o corpo e o espírito, um movimento do Governo Federal não teve a atenção merecida, o aprofundamento necessário por parte de atores importantes: analistas políticos, economistas e imprensa, entre outros. Refiro-me à decisão da presidente Dilma de, na virada do ano, sacar recursos do fundo de reserva, o chamado fundo soberano, para pagar dívidas das pedaladas fiscais. Um assunto que não pode ficar na superfície, como ficou. É preciso um debate mais aprofundado. Como militante político e cidadão, não posse me abster de fazer uma provocação a respeito.
Das observações, chamou-me a atenção a interpretação de que foi um ato de esperteza, inteligente, criativo, pois, de ‘uma só tacada’, liquidou as dívidas das pedaladas. Estranho as análises registradas na imprensa. Ora, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a decisão não exime o Governo, não tira suas responsabilidades pelos erros cometidos. As pedaladas surgiram de um erro político e administrativo, temerário, visto que se gastou mais do que se tinha e se praticou um ato de ilegalidade. A União contraiu empréstimos vultosos junto a instituições financeiras que, embora públicas, são sociedades anônimas. Não havia lei autorizativa para permitir esses ‘empréstimos informais’, portanto, foram ilegais.
Depois, o saque de bilhões de reais do fundo soberano para quitação desta dívida é uma questão que precisa ser melhor analisada. Como o nome já deixa a entender, tratam-se de recursos que devem ser usados em situações emergenciais, para aumentar o lastro de credibilidade das finanças do País. Nunca para cobrir malfeitos, para usar uma expressão antes tão usada pela presidente Dilma. É de questionar, também, se, diante de uma conjuntura de escassez de recursos, essas pedaladas não deveriam ser pagas, mesmo que parceladas, com a economia dos cortes no Orçamento. Dessa forma, a União se autofinanciava com a redução do custeio para quitar suas dívidas com os bancos e outras instituições, como o FGTS, dinheiro do trabalhador brasileiro.
Da forma como foi feito, além de não passar a confiança que poderia ser alcançada se a opção fosse a de usar os cortes no Orçamento, ainda deixou evidente que o país segue, claramente, vulnerável. E por que vulnerável? Ora, diante de uma operação desta, ninguém garante que se o Governo continuar gastando, sempre que tiver novo aperto, poderá ir lá e sacar do fundo soberano para pagar outras dívidas e outros gastos oriundos da falta de austeridade fiscal de um Governo que demonstra falta de coragem de fazer a ruptura e cortar da própria carne. É muito cômodo recorrer ao fundo soberano, uma reserva de afirmação da soberania nacional que não poderia ser usada à toa, para cobrir ações de Governo que não necessariamente são do interesse do Estado brasileiro.
E não se tratou de um movimento qualquer. Foram bilhões de reais usados para pagar uma dívida questionável legalmente, já que oriunda de um ato de improbidade administrativa. Surpreende que se veja isso como ‘natural’. Creio, inclusive, que o caminho usado não fortaleceu a credibilidade do Governo junto aos investidores internos e internacionais, pois não se pagou dívidas internas. Se os fornecedores e prestadores de serviços com obras paralisadas créditos a receber fossem os beneficiados, até que se teriam reflexos na economia nacional. Mas o que houve foi o Governo pagando a si próprio, dando um refresco nos bancos públicos e corrigindo momentaneamente um pecado bastante original da gestão petista. Que se reflitam mais sobre isso.
- Elias Gomes (PSDB-PE) é prefeito de Jaboatão dos Guararapes e vice-presidente do PSDB de Pernambuco