FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Brasil tem atravessado desafios importantes nos últimos anos: as turbulências financeiras internacionais, a mudança do regime cambial, a crise de energia, a desaceleração da economia mundial, os reflexos da situação da Argentina. Mas nenhum deles afastou o governo do rumo traçado.
Somos hoje um país alicerçado em estruturas sólidas.
Transformações significativas já aconteceram. Transformações no plano da sociedade, na economia, no sistema produtivo e no Estado.
Ao contrário do que alguns pensam ou dizem, não é de menos reformas e mudanças que o Brasil precisa agora. Para continuar a avançar, é imperativo persistir no caminho das reformas e das transformações.
Pode ter havido erros. Mas estivemos sempre abertos a reconhecê-los e, naturalmente, a corrigi-los.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso ter consciência de algo fundamental: o que está dando certo no País deve continuar. Estamos vivendo uma nova era, e nada do que fizemos foi por acaso. Colocamos em marcha um projeto de país.
Um projeto centrado na modernização econômica e na transformação social.
Estamos construindo um Brasil novo. Um Brasil onde as coisas se tornam mais previsíveis, onde passou a ser possível planejar, onde governo e sociedade trabalham juntos, onde as oportunidades existem, onde o Estado não tolhe o espírito de iniciativa e, sim, cria os marcos regulatórios para a atividade econômica. Enfim, um Brasil onde se pode investir, onde se pode lutar por um emprego, viver com liberdade, e onde cada um é capaz de preparar o dia de amanhã.
A estabilidade monetária que conseguimos com o Real foi apenas o começo.
Avançamos, em seguida, nas privatizações, quebramos os monopólios, lançamos o Brasil em Ação e, depois, o Avança Brasil, definimos os novos modelos de gestão da coisa pública e os programas integrados para a área social. Além disso, o País experimentou, ao longo desses últimos anos, um processo de fortalecimento constante da cidadania.
Sem dúvida, muito ainda precisa ser feito para que esse novo Brasil esteja plenamente consolidado – com sua economia mais forte e mais competitiva, com a obtenção de níveis razoáveis de emprego e de renda, com um Estado mais aparelhado para dedicar-se às questões sociais e com as condições necessárias para enfrentar os desafios do mundo globalizado.
Poderíamos hoje estar crescendo a taxas mais altas, não fossem as dificuldades que afetam a economia internacional, sobretudo nos países ricos. Mesmo assim, devemos crescer em 2002 algo em torno de 3 %, o que não é pouco nas circunstâncias atuais.
Mas, se isso é verdade, se ainda falta para que esse novo Brasil seja um país mais próspero e mais justo, é impossível deixar de reconhecer algumas coisas que estão acontecendo.
Estamos fazendo uma verdadeira revolução na educação brasileira. Quase todas as crianças brasileiras já estão na escola e, em algum tempo, o analfabetismo não existirá mais no Brasil.
Temos obtido, dentro e fora de suas fronteiras, êxitos reconhecidos na política de saúde, como na redução da mortalidade infantil e na questão do acesso aos medicamentos para o combate ao vírus HIV/aids. Afirmamos e defendemos, com sucesso, o princípio de que as patentes farmacêuticas podem e devem ser protegidas, mas não ao custo de vidas humanas. Esta foi uma vitória significativa do País.
Estamos reduzindo o nível de pobreza, com a sensível melhora em praticamente todos os indicadores sociais. Desde o início do Real, milhões de brasileiros ingressaram no mercado de consumo, e lembro que o Censo de 2000 registrou um aumento de 41,9 % na renda média dos brasileiros ao longo dos anos 90.
Construímos a maior rede de proteção social que já se fez no Brasil. São programas de assistência e transferência direta de renda aos mais pobres, como o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação, a Previdência rural, o Seguro-Renda para as vítimas da seca, a erradicação do trabalho infantil, entre outros.
Estamos fazendo a maior reforma agrária da história do capitalismo.
Assentamos mais de 500 mil famílias, e hoje a maior reivindicação feita ao governo nesse setor não é por terra, mas por crédito.
Somos um dos países que mais recebem investimentos diretos estrangeiros em todo o mundo. Hoje, recebemos em média quase US$ 2 bilhões desses investimentos por mês, ao passo que antes do Real quantias dessa ordem ingressavam no País em um ano inteiro.
No campo científico e tecnológico, temos feito avanços importantes. Formamos mais de 6 mil doutores por ano. Criamos vários fundos de apoio à pesquisa.
Cada vez mais, generaliza-se no País o uso das tecnologias de informação.
Ao mesmo tempo, estamos lutando com bastante vigor por nossos interesses econômicos e comerciais no plano internacional. Este é o nosso dia-a-dia no âmbito da OMC, na discussão da Alca, nas negociações com a União Européia.
Isto sem falar nas disputas comerciais freqüentes que levamos a cabo nos mercados dos países desenvolvidos.
Nenhum dos avanços que o Brasil tem alcançado é casual. Fazem parte da política de crescimento sustentado com justiça social que iniciamos com o Plano Real. São avanços concretos, que se complementam uns aos outros, interligando-se em um grande esforço nacional, esforço coerente, que está mudando a face do Brasil, tanto internamente quanto em nossa inserção na economia global.
Se antes o País vivia aos sobressaltos, ao sabor de medidas ilusórias e sob o risco permanente do descrédito internacional, hoje garantimos a estabilidade, a organização das contas públicas, a responsabilidade fiscal e a tarefa de reconstrução do Estado. Foi isso o que permitiu que o governo pudesse cuidar principalmente daquilo que é seu papel e responsabilidade, como a educação e a saúde, deixando à iniciativa privada as tarefas que ela é mais competente para realizar.
Graças a todas essas conquistas, já começamos a pagar a dívida social do Brasil.
O Brasil novo que estamos tornando realidade não pode parar. Não pode dar lugar ao Brasil de estruturas políticas e econômicas arcaicas, ao Brasil das visões retrógradas que a sociedade já superou e não aceita mais.
Para os brasileiros de hoje, a realização do grande destino do País já não é um objetivo distante. Vemos com clareza, no horizonte, o Brasil mais forte e mais justo que sempre lutamos por alcançar.
O projeto em que estamos engajados é o que abre as portas do nosso futuro.
Esse futuro está à nossa vista. Na verdade, já começou. Mas não podemos descansar sobre os louros das conquistas já realizadas. Temos de perseverar, agora e nos próximos anos, para dar continuidade à obra iniciada. Esse trabalho diário é do governo, da sociedade, de cada um de nós.
Publicado em 30/12/2001, Folha de S. Paulo.