PSDB – PE

O lançamento, marcado para amanhã, da candidatura do ministro José Serra põe fim a uma das mais aborrecidas preliminares de que se tem lembrança em matéria de sucessão presidencial.
Durante uma eternidade e meia, factóides foram-se empilhando sobre factóides, dando ao público menos versado nos arcanos do negócio político a impressão de que o escalado para enfrentar, pelo Planalto, o desde sempre favorito Lula da Silva poderia ser outro que não o velho companheiro de Fernando Henrique, o qual o chamou para a Saúde exatamente com essa intenção.
O infeliz leitor de jornal teve ainda de suportar o vaivém de cerebrações preciosistas sobre o momento ideal da apresentação do candidato do governo, como se esse formidável acontecimento tivesse de ser planejado com a meticulosidade da operação que levou o homem à Lua, do contrário ele ¥não decolaria¥. Os avanços da governadora Roseana Sarney nas pesquisas acabaram, já não sem tempo, com a busca bizantina da ocasião perfeita para Serra assumir ostensivamente a candidatura.
A partir de agora, saindo das coxias, o tucano passa a enfrentar no palco iluminado o desafio de provar que não será um bicho-de-sete- cabeças ele conquistar no voto o que conquistaria se o ocupante do cargo de presidente da República fosse escolhido, como alguém já disse, em concurso público de títulos e provas. De fato, é preciso ter passado os últimos 20 anos em profunda hibernação para desconhecer que Serra é o mais preparado dos presidenciáveis da temporada.
O senador e ex-ministro do Planejamento, engenheiro, economista e intelectual, que a maioria dos brasileiros acha que é médico – tanto repercute o seu trabalho na Saúde -, conhece a lógica desse manicômio chamado governo, entende de Brasil e de seus problemas, tem visão de futuro, circula com desenvoltura pelo mundo e faz política, se não desde criancinha, pelo menos desde quando a UNE, da qual foi presidente, era um formidável curso preparatório para a vida pública.
Daí não se segue, porém, que isso seja o quanto baste para dirigir um país onde as instituições ainda dependem mais das pessoas do que o contrário e onde a ¥tchurma¥ do chefe, a composição das equipes ministeriais e os vagares da burocracia costumam ser parte do problema, e não da solução.
Muito menos basta para ganhar um pleito. Sem ilusões tecnocráticas, é preciso acrescentar àquelas condições necessárias para tocar um programa viável de governo três outras, escassas no mercado – sem falar, é claro, na honestidade.
Uma delas é a capacidade de liderança e de diálogo para construir consensos que transbordem do próprio partido ou ideologia (o que exige uma paciência de Jó, ou de Fernando Henrique, com os costumes políticos da terra, além de um mínimo de carisma). Outra é a capacidade de transmitir genuína compaixão pelos injustiçados de um país tão perversamente desigual, e de passar credibilidade quando tiver de explicar por que os problemas custam a ser resolvidos (notórios pontos fracos do atual presidente).
A última condição, mas não a menos importante, é a gana de fazer o que se acha que deve ser feito (¥mais reforma, mais avanço, mais mudança¥, como disse FHC outro dia, criando, sem querer, um atraente slogan eleitoral).
Além de sua finalidade óbvia, campanhas eleitorais também servem para pôr à prova os candidatos nesses quesitos. É verdade que se pode ser bom de palanque e mau de governo – vide Collor – ou mala sem alça na disputa e, depois, um trator no poder – vide Covas. Mas as coisas não são estanques.
A despeito do marquetismo que existe para escancarar as virtudes e esconder os defeitos dos clientes, a campanha é um espaço revelador. Nele, os eleitores podem comparar as antevisões de governo que apelam ao seu imaginário com as aspirações que eles procuram identificar já no desempenho dos diversos candidatos. Tal é a química que, bem feitas as contas, decide quem ganha e quem perde um pleito.
O problema de José Serra, nessa ordem de idéias, talvez seja menos a concorrência do que a marca que lhe pespegaram de ¥difícil¥, ¥frio¥, ¥seco¥, ¥distante¥. (O que não o impediu de se eleger senador em 1994 com o apoio de 6,5 milhões de paulistas.) No mundo político, o seu modo de ser não evoca imediatamente o que em outro contexto se chama graça social.
Comenta um observador, por exemplo, que não ocorreu ao ministro, ao que se saiba, ligar para o governador cearense, Tasso Jereissati, dando-lhe aquele abraço, assim que este anunciou a sua retirada do páreo, em 17 de dezembro.
O gesto afagaria o ego do adversário – e, quem sabe, teria poupado o presidente de assistir, no Alvorada, dois dias depois, à inconcebível troca de desaforos entre Tasso e o serrista Aloysio Nunes Ferreira, ministro da Justiça.
Diz-se também que Serra tem uma aptidão especial para fazer inimigos mais facilmente do que amigos. Como em política o que vale são as versões, isso, quem sabe, impediria o candidato de atrair para si, desde logo, a calorosa adesão ¥natural¥ dos correligionários e do seu entorno. Então a prioridade de Serra – além, obviamente, de anunciar a que vem – é a de desbastar o matagal das opiniões pouco lisonjeiras sobre o seu perfil e comportamento político.
Esses juízos acabam chegando, via imprensa, aos estratos do eleitorado que fazem a cabeça de outros eleitores. O ministro teria muito a ganhar, portanto, se trabalhasse com a premissa de que boa parte das suas alardeadas vicissitudes deriva de uma forma de agir que é criticada, às vezes até demais, por dividir, em vez de somar. Ganhariam, sobretudo, os escaldados eleitores que, não querendo pôr abaixo, mas melhorar ¥isso que está aí¥, consideram o tucano a melhor alternativa à vista – pois, sabendo quanto pode custar um retrocesso, não se animam a ¥ir de Roseana¥.
O brasileiro aprecia o político que agrega, sem virar camaleão, e desconfia daquele de quem se diz que desune. Por isso, não faltarão na campanha tentativas de fazer dos problemas de estilo atribuídos a Serra um tremendo cavalo de batalha. Do mesmo modo, as ainda gritantes carências do Brasil em matéria de saúde pública serão usadas para empobrecer as realizações do ministro nessa área – o seu capital mais valioso para ir à guerra pelo voto.
Numa entrevista ao repórter Ricardo Amaral, do Valor, o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Vellozo Lucas, coordenador do programa de Serra, lembra uma frase do candidato: ¥O que ameaça o Brasil é a inépcia.¥ Eis aí um mote de campanha que seguramente falará de perto à maioria racional do eleitorado, que cobra dos governantes ética e competência para promover o crescimento e combater a iniqüidade social.
A empreitada de Serra é criar um vínculo de empatia com o eleitor para que este, além de associá-lo a essas demandas – como já faz com Lula -, também se sinta seguro para lhe confiar, e não a outro(a), a missão de satisfazê-las.
 
Luiz Weis é jornalista

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