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“A década perdida”, artigo do historiador Marco Antonio Villa

Artigo do historiador Marco Antonio Villa publicado na edição de terça-feira (31) do jornal O Estado de S. Paulo

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 foi re­cebida como um conto de fadas. O País estaria pagan­do uma dívida social. E o recebedor era um operário.

Operário que tinha somente uma década de trabalho fabril, pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica. Vi­rou um burocrata sindical. Mes­mo assim, de 1972 a 2002- entre a entrada na diretoria do Sindi­cato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição presidencial -, portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figu­rino do operário, trabalhador, sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não resolvido.

A posse – parte dos gastos paga pelo esquema do pré-mensalão, de acordo com depoimento de Marcos Valério ao Ministé­rio Público – foi uma consagra­ção. Logo a fantasia cedeu lugar à realidade. A mediocridade da gestão era visível. Como a pro­posta de governo – chamar de projeto seria um exagero – era inexequível, resolveram man­ter a economia no mesmo ru­mo, o que foi reforçado no mo­mento da alta internacional no preço das commodities.

Quando veio a crise interna­cional, no final de 2008, sem ca­pacidade gerencial e criativida­de econômica, abriram o baú da História, procurando encontrar soluções do século20para ques­tões do século 21. O velho Esta­do reapareceu e distribuiu pre- bendas aos seus favoritos, a sem­pre voraz burguesia de rapina, tão brasileira como a jabutica­ba. Evidentemente que só poderia dar errado. Errado se pensar­mos no futuro do País. Quando se esgotou o ciclo de crescimen­to mundial – como em tantas outras vezes nos últimos três séculos-, o governo ficou, como está até hoje, buscando desesperada­mente algum caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014, pois tudo gira em torno da permanência no poder pormais um longo tempo, como profeti­zou recentemente o sentencia­do José Dirceu.

Os bancos e as empresas esta­tais foram usados como instru­mentos de política partidária, em correias de transmissão, pa­ra o que chamou o ministro Cel­so de Mello, do Supremo Tribu­nal Federal, de “projeto crimino­so de poder”, quando do julga­mento do mensalão. Os cargos de direção foram loteados entre as diferentes tendências do Par­tido dos Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio na­cional, construído durante déca­das, em moeda para obter recur­sos partidários epessoais, como ficou demonstrado emvários es­cândalos durante a década.

O PT era considerado uma no­vidade na política brasileira. A “novidade” deuvida nova às oli­garquias. É muito difícil encon­trar nos últimos 50 anos um pe­ríodo tão longo depoderem que os velhos oligarcas tiveram tan­to poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos públi­cos e transformaram seus Esta­dos em domínios familiares per­pétuos. Esse congelamento da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao enfrentamento dos problemas so­ciais tão conhecidos de todos.

Não será tarefa fácil retirar o PT do poder. Foi criado um sóli­do bloco de sustentação que – enquanto a economia permitir – satisfaz o topo e a base da pirâ­mide. Na base, com os progra­mas assistenciais que petrifi­cam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo de satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao grande capi­tal com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser amigo do rei – a rainha é secundária.

A incapacidade da oposição de cumprir o seu papel facilitou em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência política que o PT nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de infle­xão, quando a oposição, em meio ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula atingindo seu nível mais baixo, se omitiu, temendo perturbar a “paz social”. Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já estava derrota­do e bastaria levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo facilmente nas urnas. Como de hábito, a análise estava absolutamente equivocada. E a tragédia que vivemos é, em grande parte, devida a esse grave erro de 2005. Mas, apesar da oposição digna de uma ópera-bufa, os eleitores nunca deram ao PT, nas elei­ções presidenciais, uma vitória no primeiro turno.

O PT não esconde o que dese­ja. Sua direção partidária já orde­nou aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na imprensa e no Poder Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram pelo cami­nho. E até com ameaças diretas, como afeita na mensagem nata­lina – natalina, leitores! – de Gil­berto Carvalho – ex-seminaris­ta, registre-se – de que “o bicho vai pegar”. A tarefa para 2013 é impor na agenda política o con­trole social da mídia e do Judi­ciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a simples amea­ça pode-se transformar em ins­trumento de coação. O PT tem ódio das liberdades democráti­cas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu “projeto histórico”. E eles não vão per­doar jamais que a direção petista de 2002 esteja hoje condena­da à cadeia.

A década petista terminou. E nada melhor para ilustrar o fra­casso do que o crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1%. Foi uma década perdida. Não para os petistas e seus acóli­tos, claro. Estes enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram “chi­ques”, como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradu­ção. Mas o Brasil perdeu.

Poderíamos ter avançado me­lhorando a gestão pública e en­frentado com eficiência os nos­sos velhos problemas sociais, aqueles que os marqueteiros ex­ploram a cada dois anos nos pe­ríodos eleitorais. Quase nada foi feito – basta citar a tragédia do saneamento básico ou os mi­lhões de analfabetos.

Mas se estagnamos, outros países avançaram. E o Brasil continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, “essa coisa inerme e enorme”.

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