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A moralidade, Cuba e o PT

Lula e outros dirigentes do PT têm dito e reiterado que o governo do Rio Grande do Sul é uma vitrine nacional. Talvez isso explique a precipitação da direção nacional, José Dirceu e Marta Suplicy à frente, em isentar o governador Olívio Dutra e a direção estadual do partido de qualquer envolvimento com o financiamento da campanha para o governo do Estado pelo jogo do bicho. De fato, a vitrine corre o risco de estilhaçar-se numa mistura explosiva de imoralidade, ilegalidades possíveis, formação da cúpula da Polícia Militar em Cuba, num Estado controlado pelos setores mais à esquerda do partido.
A política adotada pela direção nacional de ¥apoio incondicional ao governador Olívio Dutra¥ e de averiguação sem concessões da relação entre o financiamento da campanha e o jogo do bicho é, pelo menos, paradoxal, quando não francamente contraditória. A tática consiste em incriminar e expulsar Diógenes de Oliveira do partido, preservando a figura do governador e o próprio PT. Ou seja, a política consiste em nada investigar, criando um bode expiatório e tudo atribuindo a um mero acidente de percurso. Ora, por muito menos o PT foi implacável com outros partidos políticos, averiguando qualquer fita, autêntica ou não. Imaginem se fosse válido o argumento de que PC Farias agiu por conta própria e Collor foi apenas utilizado por uma pessoa próxima. Alguém teria acreditado?
Causa espanto a afirmação de que o PT vai explicar tudo ou outra afirmação do governador Dutra de que tudo se deve à ¥banda podre da polícia¥. Devagar com o andor. Relembremos os fatos.
O escândalo que agora estourou concerne a uma segunda fita – a primeira, que deu origem à investigação pela CPI da Segurança Pública da Assembléia Legislativa gaúcha, até hoje não foi publicada pelos meios de comunicação, circulando livremente entre deputados e pessoas próximas à investigação. O PT não quis investigar essa primeira fita, atribuindo-a a um ressentimento do seu autor. Ora, o autor é nada menos que o ex-tesoureiro do partido Jairo Carneiro, que, abertamente, falou a jornalistas da RBS. Não há nenhuma dúvida também quanto à autenticidade dessa fita. Carneiro relata o financiamento da campanha do PT pelo jogo do bicho e as relações estreitas de Diógenes de Oliveira com o governador Olívio Dutra, que, segundo o ex-tesoureiro, estava a par do financiamento da campanha pela contravenção.
Há também nessa fita contribuições não declaradas ao partido feitas por empresários em troca de favores.
A pessoa designada pelo PT para esclarecer a situação foi o próprio Diógenes de Oliveira. Curioso que uma pessoa de copa e cozinha do governador, seu ex-secretário de Transportes quando prefeito de Porto Alegre, encarregado das contribuições dos empresários via Clube de Seguros da Cidadania, agora descartada, tenha sido o representante do partido. O seu poder, por sinal, era tanto que podia ¥convocar¥ o chefe da polícia, delegado Tubino, à sua residência e falar em nome do governador, no que era acreditado. A conversa entre esses dois protagonistas, na segunda fita, apenas desenvolve e confirma a primeira – aliás, mais rica em informações. Não há nenhuma discordância ou discrepância entre elas. Se há uma investigação séria a ser feita pelo PT, ela passa necessariamente pela análise dessas duas fitas. O que está em jogo é o próprio capital ético justamente amealhado pelo PT nos últimos anos. Se, como alguns dirigentes já defendem, o problema não é ético, mas envolve o projeto político, há aqui uma inflexão das posições do partido. O capital ético pode ser rapidamente desperdiçado.
No âmbito estadual, o PT está cerrando fileiras e partindo para o ataque, como se tudo fosse uma artimanha das oposições, como se a ética pudesse ser barganhada. Em vez de explicações, temos um discurso que se volta para a culpabilização do outro, jamais o reconhecimento dos próprios erros. O corporativismo partidário afirma-se com força, semelhante, aliás, ao do PMDB. Só falta culpar o ¥neoliberalismo¥.
A novidade da segunda fita, além de confirmar a primeira, consiste num trecho em que Diógenes de Oliveira afirma ter ido a Cuba com 30 oficiais da Polícia Militar para um curso completo de formação policial. Destaque-se que membros da cúpula da polícia participaram dessa missão, inclusive o comandante-geral na época. Acrescente-se que Diógenes de Oliveira fez parte da luta armada no Brasil e teria participado de operações como o assassinato do oficial americano Chandler e o ataque ao quartel-general do II Exército.
Num governo dominado pelas correntes mais à esquerda do partido, a percepção que se possa ter dessa situação é inquietante. Cabe, evidentemente, a pergunta do sentido dessa visita a uma ditadura como a cubana, que se caracteriza por violações flagrantes dos direitos humanos. Não foi, certamente, para aprender como defender a democracia que tão longa viagem foi feita.
Acobertar o que está acontecendo no Rio Grande do Sul pode ser um grave erro histórico da ala reformista do PT, propiciando o controle do partido por seus elementos revolucionários.

  
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Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ph.D. pela Universidade de Paris, é autor, entre outras obras, de Política e Liberdade em Hegel e O que é Democracia

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