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“Ainda há razões para sonhar”, por Fernando Henrique Cardoso

FHCCom dificuldades e tropeços o país está encaminhando seus problemas. Quem imaginaria há um ano que cogitaríamos de a inflação atingir em 2017 o centro da meta, isto é, 4,5% ao ano, ou menos ainda? E veríamos o déficit fiscal para 2016 ficar abaixo do projetado e a Reforma da Previdência ser discutida a sério, com chances de ser aprovada, para mantê-la funcionando sem o descontrole das contas públicas?

Os governos petistas jogaram uma nuvem de ilusões no país por uma década e tacharam muito do que era sensato como “neoliberalismo”, uma doença que atacaria os interesses do povo e dos trabalhadores. A evidência dos desastres causados por essas ilusões provocou uma reviravolta. Será que aprendemos? Não sei. Relendo as conclusões de Barbara Tuchman, no livro “A marcha da insensatez”, que se intitulam “Lanterna na proa”, vê-se que o olhar que ilumina as ondas do passado nem sempre evita que a insensatez retorne. Devemos torcer para que as experiências positivas que mostram que o controle da inflação e das contas do Tesouro é pré-requisito para que as políticas públicas, especialmente as que beneficiam os mais pobres, possam perdurar.

Talvez tenhamos aprendido também que manter as contas do governo em ordem não é ser “de direita” ou “de esquerda”, é ser sensato. Manter o controle financeiro e ter a dívida pública ajustada é condição de governabilidade e permite olhar para o futuro. Devem-se evitar gastos (principalmente os permanentes, como os com pessoal) que não tenham receitas presentes ou futuramente certas para cobri-los. Adotar políticas que favoreçam mais o capital do que o trabalho ou vice-versa, depende, aí sim, da orientação política do governo. Sempre considerando que vivemos em um sistema que se chama “capitalista”, gostemos dele ou não, e que não há alternativas no horizonte… E, sem expansão dos investimentos (públicos e privados), tampouco haverá políticas sociais que se mantenham. Tão simples, penoso e difícil quanto isso.

E ainda a racionalidade voltar à condução da Petrobras e às políticas para o setor de petróleo, a começar pelo fim da obrigatoriedade de a empresa investir em poços do pré-sal que eventualmente não a interessem? Ou colocar em pauta a mudança de regras trabalhistas, atendendo a anseios inclusive do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que há muito tempo sabe que, em certas circunstâncias, é melhor negociar e salvar o emprego do que se ater à lei, encalacrar a empresa e perder postos de trabalho?

Voltando ao presente. A Lava-Jato pode vir a estimular uma revolução em nossas práticas. Tomara seja o início de uma mudança cultural. Apontam nessa direção as decisões tomadas pelo Supremo para dar continuidade às investigações, assim como o fracasso das tentativas no Congresso para aprovar anistias a delitos cometidos. Ficou claro que a partir de certo momento o conluio entre governo e empresários tornou sistêmica a corrupção, beneficiando os partidos no governo.

O passo inicial para a correção dos rumos nesta matéria está dado, assim como tiveram início as correções de rumo econômico. A questão agora é saber como o Brasil se tornará um país mais decente e mais igualitário no futuro. As dificuldades são muitas, mas há possibilidades.

A alavanca inicial da retomada do crescimento está no corte da taxa de juros, que já começou. A competitividade conquistada na agricultura, na mineração e no processamento industrial de matérias-primas extraídas desses setores são ativos da economia brasileira. A melhoria dos preços das commodities no mercado internacional dá impulso a esses setores. Com novas regras do jogo no setor de petróleo, mais cedo que tarde virão vultosos investimentos, cuja sustentação pode vir da infraestrutura. Nessa área, as regras para a cooperação público/privado estão se aperfeiçoando. Um país de mais de 200 milhões de habitantes não pode descuidar do mercado interno, que está umbilicalmente ligado a outro tema do qual teremos que nos ocupar: precisamos de mais renda, melhor distribuição e mais igualdade social. Isso abrirá espaço para a retomada industrial, a qual, além do mercado interno, precisará de articulação com o mercado global para aumentar as exportações de manufaturas e receber os fluxos de inovação que aumentam a produtividade.

Tudo isso, obviamente, requer melhor educação para dar ensejo a melhores empregos, questão central para a população. Houve avanço na recente reforma do ensino médio, ainda insuficiente. As tecnologias de comunicação e robotização aumentam exponencialmente a produtividade, mas concentram o capital e diminuem a oferta de empregos. Estes, cada vez requerem maior nível educacional dos trabalhadores. Tudo requer bons governos, os quais dependem de sorte, mas também de reformas na legislação partidária e eleitoral, algumas já avançadas pelo Senado.

E não nos esqueçamos de que é preciso voltar a estimular o espírito empresarial, público e privado. Neste sentido, as consequências não desejadas da Lava-Jato devem ser medidas, sem destruir as empresas. Assim como a Petrobras está se reconstituindo, não devemos deixar que o know-how da engenharia nacional se perca com o desmantelamento das empresas de construção pesada, desde que elas se recuperem moralmente, com novas regras de governança e eventuais fusões, sempre que haja as punições individuais cabíveis. A venda de empresas a estrangeiros na bacia das almas não é o caminho mais saudável para o futuro. Sem o chauvinismo irresponsável que extremou os requisitos de produção local, buscando equilíbrio entre os produtores nacionais e os estrangeiros.

O que não podemos é cruzar os braços e desanimar. Ainda há muito espaço para sonhar com um futuro melhor para os que vivem no Brasil. Há campo para a esperança.

*Artigo assinado pelo presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, no jornal O Globo deste domingo (05/02)

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