* Análise de Fernando Rodrigues publicada na edição desta quarta-feira (05) na Folha de S. Paulo
Com a volta da democracia, o Brasil passou a ter uma rotina política-eleitoral quase imutável: mal acaba uma eleição e já logo começa a outra. Desta vez, houve uma antecipação. O artigo de Fernando Henrique Cardoso sentando a pua em Luiz Inácio Lula da Silva no último fim de semana precipitou uma nota oficial de Dilma Rousseff.
A presidente assim antecipou um pouco o debate da sucessão de 2014 e elegeu com quem pretende dialogar na oposição.
FHC falou em “herança pesada” deixada por Lula. Em sua resposta, Dilma rebateu dizendo ter recebido uma “herança bendita” do padrinho. Foi além. De maneira oblíqua, citou o até hoje obscuro episódio da compra de votos a favor da emenda constitucional da reeleição, em 97.
É errado imaginar que Dilma quis apenas prestar reverência a Lula. Ou só afagar o público interno do PT, uma vez que muitos “petistas de raiz” andam resmungando.
É claro que a nota melhora a temperatura interna no universo lulo-petista. Mas o vigor com que justificou as políticas da administração federal indica um desejo cada vez mais claro de Dilma: disputar mais um mandato de quatro anos no Planalto.
No PSDB, algumas análises venderam a seguinte interpretação: era a presidente sendo subserviente a Lula e se rendendo ao establishment partidário.
Há um pouco de verdade na versão tucana, mas no governo conta-se uma história que também tem traços de verossimilhança. Dilma ruminou desde o domingo se deveria reagir ao artigo de FHC. O texto que acabou sendo divulgado foi modificado várias vezes na segunda.
Quando encontrou o tom, a presidente deu a ordem para que fosse divulgada a nota. Só então Lula soube, por telefone, o teor do texto.
A conveniência da nota para Dilma, do ponto de vista eleitoral, é tentar escolher com quem falar na oposição. Há alguns dias o senador Aécio Neves, potencial candidato a presidente pelo PSDB, se referiu ao mensalão. Atacou o governo e disse que “o PT se apropria das empresas públicas”. Dilma não reagiu.
As críticas de Aécio ou de outros tucanos ficam paradas no ar. Ao responder só a FHC, ela provoca uma situação incômoda para os tucanos.
Nas últimas eleições, o PSDB não defendeu com vigor o legado deixado por FHC no Planalto. Só que agora Dilma o elegeu para ser o porta-voz dos tucanos na oposição.