03 de junho de 2005 (Ano I, Número 14)
“Autoritário”, “intolerante”, “hesitante” – Estas são algumas palavras que as lideranças do próprio PT têm usado para definir o presidente Luís Inácio. Os desentendimentos entre Lula e seu partido vazam para a imprensa há mais de um mês. Desabafos de ministros também vão para os jornais. Como este, de José Dirceu, da Casa Civil: “O PT tem 25 anos de história. Levamos dez anos construindo a vitória do Lula. Foi uma obra coletiva. Não dá para ele decidir tudo sozinho. Não dá mais.”
Culpa da mídia – Irritadiço, segundo indiscrição feita por seus colaboradores, Lula se queixa cada vez mais da imprensa. No entanto, são as lideranças e os ministros petistas que passaram a usar a mídia para tentar se comunicar com Lula e alertá-lo sobre as complicações de um cenário político que ele se recusa a enxergar. O presidente não ouve mais ninguém, não confia mais em alguns de seus principais conselheiros, mas não se anima a substituí-los. Por reagir mal a críticas, seus colaboradores mais próximos se recolheram e evitam dizer a Lula o que pensam.
Desarticulação – Nesse quadro de desconforto generalizado, o ministro Luís Gushiken, da Secretaria de Comunicação, que já foi um dos mais ligados a Lula, tomou duas iniciativas polêmicas. No início de maio, recomendou de público a troca do ministro Aldo Rebelo (PC do B) por um petista no comando da articulação política do governo. Rebelo já havia pedido demissão, Lula se inclinava a aceitá-la, mas a manifestação de Gushiken levou-o a desistir da substituição para não parecer fraco ou que cedia a pressões.
Faca no pescoço – Sem combinar com Lula, Gushiken voltou à carga ao sugerir que todo o ministério apresentasse renúncia coletiva, para forçar o presidente a reorganizar seu governo e fazer, enfim, uma reforma ministerial. O gesto extremo de pôr a faca no pescoço presidencial foi rejeitado pelos ministros petistas.
Idas e vindas – A sucessão de escândalos de corrupção apanhou o Planalto sem um coordenador político de fato. Do Japão, Lula acompanhou a operação frustrada para retirar as assinaturas do requerimento de instalação da CPI dos Correios. Ao voltar, acentuaram-se os sinais contraditórios sobre o enfrentamento da CPI: ora a determinação era para não abafar a comissão de inquérito, ora era para derrubá-la na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob a alegação de que o requerimento foi mal redigido.
Surpresa – Nem Aldo Rebelo nem José Dirceu. O comando da articulação política e da operação-abafa CPI foi entregue por Lula ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que se instalou no Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete presidencial. A revelação do jornal O Estado de S. Paulo confirma que Palocci é o único ministro que Lula ainda ouve.
Isolamento – A Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira, assegura que “Lula e cúpula do PT vivem seu pior momento”. Diz o texto: “Nunca estiveram tão ruins e distantes as relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do PT nos dois anos e cinco meses em que governam o país. Para a direção petista e ministros importantes, Lula assumiu comportamento autoritário. Isolou-se e toma decisões sem levar em conta a opinião do PT.”
A culpa é do PT – Prossegue a reportagem: “Já o presidente atribui ao seu partido a responsabilidade maior pela crise política e ouve de verdade o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho. Irritadiço, Lula também demonstra mais intolerância a críticas e aumentou as queixas da imprensa.”
Solidão do poder – Em seu blog, o jornalista Ricardo Noblat havia feito, no último dia 28, um diagnóstico semelhante: “Alguns presidentes, mais sábios, souberam em alguma medida escapar ao isolamento do poder. Lula não sabe. Confia excessivamente em sua intuição. E nos conselhos de dona Marisa, sua mulher.”