Observador arguto da política e frasista incomparável, o ex-governador Gustavo Krause disse, certa vez, que a radicalização política em Pernambuco é tamanha que, na sua visão, quando Deus fosse presidir o juízo final certamente escolheria a Pracinha do Diário para separar, enfim, os bons dos maus, destinando aos primeiros o céu e aos outros o inferno.
Um estado berço de revoluções libertárias que marcaram época e oriundo de uma colonização arcaica que separava ricos de pobres e negros de brancos – uns morando nas casas grandes, outros confinados nas senzalas – Pernambuco radicalizou até quando, em certo período, foi dominado pela família Cavalcanti e a esquerda – também forte por aqui – disse que estávamos divididos entre “cavalcantis e cavalgados”.
Cruel mas real comparação em se tratando dos costumes pernambucanos.
Esta radicalização, que atravessa séculos, conviveu, em décadas mais recentes, com uma voz apaziguadora, um político de inteligência incomparável e articulador nato que fugia por completo à tradição estadual implantando, entre nós, a política da boa vizinhança entre diferentes e do respeito aos adversários por mais distantes que fossem.
Assim era o deputado federal Sérgio Guerra que morreu precocemente esta quinta-feira aos 66 anos. Filho de um agricultor e também político, Pio Guerra, Sérgio morava em uma cobertura na beira-mar de Piedade, em Jaboatão, cercado por quadros de famosos pintores pernambucanos como João Câmara e Reynaldo e de esculturas de Francisco Brennand mas nunca se afastou dos amigos que foi multiplicando na política, fossem pobres ou ricos.
Chegavam sem bater na porta do 19º andar do prédio onde residia desde ex-presidentes da República, como Fernando Henrique Cardoso e Tancredo Neves – na época da Nova República – até lideranças comunitárias, prefeitos e vereadores dos mais pobres e longínquos municípios e distritos do interior. Todos eram servidos com a mesma água, o mesmo café e a mesma comida. Mesmo doente nunca deixou de receber quem o procurasse.
Na década de 70, conseguiu ser um veemente líder da oposição aos governadores da época do regime militar e, ao mesmo tempo, ser respeitado por todos eles.
No plano nacional agiu da mesma forma chegando a ser presidente nacional do PSDB, protagonizar duros embates com o PT no Congresso e ser respeitado por lideranças nacionais petistas como o próprio ex-presidente Lula. Nos momentos mais duros de discussões no Congresso entre oposição e governo era capaz de ligar para qualquer liderança petista e, sem perder a confiança do seu partido, fazer acordos que viessem a apaziguar o país.
No PSDB ganhou a confiança de todos, de norte a sul, ao ponto de, mesmo procedente do Nordeste, uma região mais favorável aos petistas do que aos tucanos, chegar a presidir nacionalmente a legenda como um nome de consenso entre todas as correntes partidárias.
Até recentemente, era o único, além de Fernando Henrique Cardoso, capaz de sentar à mesma mesa com o senador Aécio Neves e o ex-governador José Serra. Quando lançou a candidatura de Aécio a presidente junto com FHC não ouviu uma crítica de Serra, também desejoso de entrar na disputa. Qualquer um outro não teria recebido tratamento semelhante.
Não é estranho, portanto, que sua morte tenha sido lamentada de morte a sul do país, entre tucanos e líderes governistas. O ex-presidente do PT, José Eduardo Cardoso, chegou a registrar que teve com ele embates históricos mas nunca se sentiu agredido por Sérgio nessas contendas. A presidente Dilma redigiu uma nota de pesar pelo seu falecimento mesmo sendo ele um simples deputado federal dirigente de um órgão de assessoramento partidário, o Instituto Teotônio Vilela.
Os pernambucanos radicais, de um lado ou do outro, certamente têm críticas a fazer a este grande político estadual e brasileiro mas ainda durante muito tempo vão ter muito o que aprender com ele.