PSDB – PE

Cenários do Brasil que começa a existir em 2003

Cinco razões tendem a favorecer a vitória de um candidato comprometido com a continuidade das políticas básicas do governo FHC:

1) Perfil do eleitorado. – O eleitor brasileiro é relativamente conservador em um sentido preciso: aversão a risco e a sobressaltos. Há estudos indicando que a maioria coloca a si própria no centro ou na direita do espectro ideológico e apenas 27% na esquerda. Isso oferece terreno fértil a ser explorado por um candidato capaz de estabelecer forte linha de continuidade com o atual governo. Ao mesmo tempo, pesquisas qualitativas identificam demandas por mudanças parciais, sinalizando que o perfil ideal do candidato deverá combinar a preservação das conquistas do Plano Real e o compromisso com mudanças. Não é à-toa que todos os candidatos estão buscando seu próprio ¥mix¥ de continuidade e mudança, mas aquele originário da base aliada terá maior credibilidade para assegurar renovação sem risco de ruptura.

2) Palanques estaduais. – Os candidatos dependerão muito das alianças nos Estados e por isso precisam conquistar aliados locais com projeção suficiente para impulsioná-los. Isso porque eleições legislativas casadas com as de presidente e de governadores – na ausência de um ativo político como foi o Plano Real – obedecem a uma lógica predominantemente regional.

Nesse aspecto, os partidos originários da base aliada gozam da vantagem de contar com a maioria dos candidatos competitivos a governador.

3) Tempo de televisão. – Pesquisas de voto espontâneo e o padrão observado nas eleições de 1994 e 1998 indicam que a maioria – composta basicamente das classes C, D e E – se decide apenas entre julho e setembro e costuma formar opinião via horário eleitoral gratuito na TV. O chamado ¥palanque eletrônico¥ assume, assim, papel crucial na campanha, pois a TV constitui a principal fonte de informação para essas classes e já está presente em cerca de 90% dos lares. Como a distribuição do tempo é proporcional ao tamanho das bancadas no Congresso, o candidato apoiado por FHC será favorecido, mesmo que a coalizão não inclua o PFL.

4) O papel de FHC como eleitor estratégico. – No Brasil, uma federação com sistema multipartidário, o presidente tende a ser ator decisivo no processo sucessório. Seu apoio é, em princípio, crucial para articular coalizões eleitorais. O papel de FHC nas próximas eleições está consolidado e em trajetória ascendente. A proporção dos eleitores que votariam ou poderiam votar no candidato por ele apoiado chega a 52% (Sensus, março/2002). Sua imagem melhorou sensivelmente, graças ao fim do racionamento, à melhora dos indicadores econômicos e às expectativas de superação de choques externos, como o gerado pela crise Argentina.

5) Dilema do PT. – O PT é o partido de oposição com maior capacidade de viabilizar um candidato, dados o tempo de que dispõe na TV, os palanques estaduais e a estratégia para conquistar o eleitor de centro. Esta última tende, todavia, a gerar contradições entre a imagem ¥light¥ e a posição das alas radicais, que agem como pontos de veto e dificultarão a caminhada do candidato. O fato de não ter havido renovação na liderança do partido constitui um problema adicional.

Restrições para qualquer governante Quem quer que seja o próximo presidente – da situação ou da oposição – o potencial de ruptura ou de reversão das políticas públicas será muito menor do que em qualquer governo anterior. Isso se deve a avanços que inibirão práticas irresponsáveis, a saber:

1) Lei da Responsabilidade Fiscal. – A LRF coroa um conjunto mais abrangente de reformas que deram maior transparência e ¥accountability¥ ao processo orçamentário. Seu poder de inibição de conduta fiscal irresponsável resulta de regras que, entre outras, limitam o endividamento público, fixam parâmetros para gastos salariais e para despesas em período eleitoral e proíbem que um ente da Federação financie outro, pondo fim ao perverso processo de assunção de dívidas de Estados e municípios pela União. Pela primeira vez no Brasil, foram estabelecidas sanções penais e políticas para os casos de irresponsabilidade fiscal.

2) Congresso mais ativo e atuante. – A agenda política do próximo governo estará limitada pelos novos limites à edição de medidas provisórias. Pela emenda constitucional de 2001, essas medidas poderão ser reeditadas apenas uma vez, perdendo validade caso não sejam aprovadas. Vale lembrar que a maioria dos planos econômicos beneficiou-se do uso regular desse instrumento.

3) Capacidade de barganha dos governadores. – Durante boa parte da gestão de FHC, o governo federal melhorou o poder de barganha na sua relação com os governos subnacionais. O fim da inflação gerou um aumento vertiginoso de suas dívidas, o que permitiu ao governo federal reescaloná-las em troca de maior disciplina fiscal e compromissos com a privatização. Hoje, com a melhora da situação fiscal desses governos, a situação se inverteu e as relações entre os entes da Federação tendem a se reequilibrar. Do ponto de vista democrático, esta tendência é positiva, pois permite aos governadores contra-arrestar eventuais iniciativas discricionárias da União.

4) A disciplina dos mercados. – A ampliação do acesso do Brasil aos mercados internacionais de capitais exige compromisso permanente com políticas macroeconômicas responsáveis para preservar a credibilidade do País. Ao mesmo tempo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação do Comitê de Política Monetária e a adoção do regime de metas de inflação geraram inédita transparência nas políticas fiscal e monetária e aumentaram sua previsibilidade. Ações irresponsáveis serão imediatamente percebidas e redundarão em queda de confiança no governo. Assim, além de muito mais expostas ao controle de uma sociedade cada vez mais informada e exigente, tais políticas passaram também a sujeitar-se à disciplina dos mercados, reduzindo o espaço para o populismo. Eventual inconseqüência pressionaria a taxa de câmbio e a inflação, com efeitos negativos nas taxas de juros, nos níveis de renda e emprego, e na popularidade do Presidente. Esse novo e auspicioso quadro estabelece não apenas uma espécie de couraça protetora dos cidadãos, mas deverá contribuir para a contínua melhoria do risco político associado ao Brasil.

Ao lado dessas mudanças institucionais e de ambiente, a mobilidade social vem contribuindo para a ampliação substantiva dos segmentos que compõem a classe média e que adotam seus valores. A ética e a exigência de prestação de contas na esfera pública se tornaram critério de legitimação eleitoral.

Essas dramáticas mudanças nas demandas da sociedade tenderão a desacreditar o estilo tradicional de fazer política e as promessas inconseqüentes de políticas públicas. Políticos da velha ordem poderão manter certa penetração eleitoral, mas seu espaço de manobra será cada vez mais reduzido. Em suma, os próximos governantes terão de legitimar-se perante o eleitor com uma postura responsável em termos fiscais e monetários.

Condições mais difíceis de governabilidade A redução do potencial de ruptura ou de reversão de políticas públicas saudáveis não exime o próximo governo de prosseguir o esforço de mudanças estruturais e institucionais. Isso tende, contudo, a ser mais difícil, a começar pela natureza das reformas pendentes, que são menos propícias ao consenso do que as realizadas na esteira do Plano Real. O êxito do plano o transformou em grande ativo eleitoral e principal fonte de legitimação política de FHC, credenciando-o a articular e cimentar uma aliança eleitoral abrangente. A construção de consenso em torno das reformas beneficiou-se do fato de elas serem vistas como condição para sustentar a estabilidade. Além de ativo eleitoral, a estabilidade contribuiu diretamente para d
efinir a agenda governamental e para reforçar o poder d
o Presidente de determinar essa agenda, criando as condições estruturais que explicam a capacidade de FHC de preservar a coesão da aliança ao longo de seus dois mandatos.

A próxima eleição se distinguirá das duas anteriores pela ausência desse tipo de ativo político-eleitoral. É improvável que surja um fio unificador capaz de garantir ampla base legislativa ao próximo presidente, pois a maioria das reformas pendentes tem mais a ver com o desenvolvimento do que com a estabilidade econômica. A maior complexidade sujeita essas reformas a vetos múltiplos de grupos de interesse, dificultando a construção de consenso em torno delas.

A estratégia reformista de FHC foi relativamente bem-sucedida por ter operado nas esferas onde se situavam as linhas de menor resistência política. Agora, além de ter que lidar com reformas mais difíceis de passar, o próximo presidente tende a se apoiar em coalizões eleitoral e governamental mais restritas. A crise recente entre o PFL e o PSDB pode ser considerada um sintoma dessa situação.

As chances de reformas no próximo governo Esse quadro indica que são pouco realistas as expectativas de reformas amplas em áreas como a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Tais expectativas têm sido alimentadas por candidatos, por líderes empresariais e por analistas pouco familiarizados com as restrições institucionais e políticas que dificultam a realização dessas reformas. O mais provável é a ocorrência de avanços incrementais positivos para a economia, mas não o suficiente para justificar expectativas irrealistas, pois as reformas não dependem apenas de vontade política, como muitos pensam. Sabe-se, ademais, que melhorias institucionais complexas em contexto democrático caracterizam-se por ganhos marginais ao longo do tempo.

No caso da reforma tributária, a dificuldade está na perversa rigidez da despesa pública. As despesas tornadas obrigatórias pela Constituição e outras que na prática são fixas (gastos do Legislativo e do Judiciário, juros e despesas de custeio da máquina administrativa e de apoio mínimo à agricultura, às exportações e à infra-estrutura) somam cerca de 30% do PIB.

As despesas totais já beiram os 40% do PIB.

Segundo a experiência internacional, a carga tributária de um país de renda média como o nosso costuma situar-se entre 15% e 25% do PIB. A nossa carga, de 34% do PIB, somente se tornou possível graças ao recurso a tributos de forte potencial de receita, mas irracionais sob a ótica econômica, como as contribuições em cascata – PIS, Cofins e CPMF – que já representam 40% da arrecadação administrada pela Receita Federal.

O dilema é como conciliar uma reforma capaz de devolver racionalidade imediata ao sistema e manter o equilíbrio macroeconômico. A reforma provocaria queda imediata de receita e elevação do déficit público a níveis desastrosos. As conseqüências negativas seriam maiores do que os benefícios.

Daí a proposta cautelosa de iniciar o processo com a eliminação do efeito cascata do PIS, deixando a Cofins para uma próxima etapa. Já a CPMF tende a ser mais duradoura. Será uma vitória se ela não se tornar permanente.

Importa notar, ademais, que o ICMS, nosso principal tributo (7% do PIB), pertence aos Estados. Sua reforma exigirá negociações tanto no eixo federativo quanto no parlamentar. Enfrentará, ainda, conflitos de interesse entre diferentes Estados em torno da chamada guerra fiscal. Apesar disso, é boa a margem para melhora. São baixos os riscos de perda de arrecadação e os Estados têm interesse na mudança, pois perceberam que todas as partes estão perdendo. Sob liderança do novo Presidente, será possível introduzir três mudanças cruciais: legislação única, alíquotas uniformes para o mesmo produto em todo o País e tributação no destino.

Uma nova reforma previdenciária terá dificuldades ainda maiores. O atual déficit (6% do PIB), o maior do planeta, deriva da herança paternalista e da Constituição de 1988. Os benefícios a servidores públicos, aos trabalhadores rurais e aos idosos sem renda são direitos adquiridos. Muitos desses benefícios constituem privilégios injustificáveis, mas o Legislativo e o Judiciário não estão sensibilizados para a necessidade de revê-los.

Na área trabalhista, também é irrealista esperar que um sistema consolidado ao longo dos últimos 60 anos – entranhado na mente de juízes, políticos, sindicalistas e empresários – possa ser mudado de uma só vez, sem traumas.

Felizmente, começa a se ampliar a percepção das vantagens da reforma para a geração de empregos, via aumento da produtividade e do crescimento É provável que o próximo governo consiga mudanças incrementais positivas na CLT.

Em resumo, em vez de reformas espetaculares, as chances são apenas de melhora na área tributária e de avanços gradativos nas demais áreas.

Conclusões Pelas razões estruturais aqui expostas, é alta a probabilidade de vitória de um candidato comprometido com a continuidade. Qualquer que seja, todavia, o candidato vitorioso, novas condições institucionais e de ambiente restringem severamente tentativas de ruptura, de reversão das políticas públicas ou de adoção de programas populistas.

O espaço de manobra do próximo presidente será muito menor no campo orçamentário, na relação com o Congresso e os governadores, e na área monetária. A política econômica se tornou mais sujeita à disciplina dos mercados e ao controle de uma sociedade que exige mais transparência e previsibilidade.

As condições de governabilidade tenderão a ser comparativamente mais restritivas no próximo governo. É maior a complexidade das reformas pendentes. Assim, deverá reduzir-se a escala e o ritmo das mudanças estruturais e dos avanços institucionais dos últimos anos. Embora não haja risco de paralisia decisória, torna-se necessário rever expectativas excessivamente otimistas quanto a uma nova ofensiva reformista no próximo governo. As reformas deverão ter um caráter gradualista e incremental, sobretudo nos casos da tributária, previdenciária e trabalhista.

Os avanços institucionais e políticos permitem esperar contínua redução do risco político associado ao Brasil. Ao mesmo tempo, as restrições aqui descritas não deixam espaço para a concretização de promessas eleitorais e de visões voluntaristas, segundo as quais seria possível o retorno de taxas elevadas de crescimento da economia brasileira.

 
Maílson da Nóbrega é economista; Lourdes Sola e Christopher Garman são cientistas políticos. Os três integram a equipe de análise política da consultoria Tendências

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