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Descentralização e participação

O saudoso governador Franco Montoro era mestre em formular idéias simples e repeti-las à exaustão. Aos mais desavisados algumas vezes elas soavam ingênuas e utópicas. Assim era com sua obsessão com a tese da ¥descentralização e participação¥ como receita para uma boa administração pública.

Montoro estava à frente de sua época. Nos anos 80 não pôde fazer muito para testar na prática sua orientação. Mesmo assim, com suas ações à frente do governo paulista, propiciou as condições para o boom da economia do interior do estado a partir da década de 80, hoje consolidado.

As cidades são o espaço para construção da cidadania, para o convívio harmonioso e fértil das diferenças. A Constituição de 1988 criou as condições políticas e institucionais para a efetivação do processo de descentralização no Brasil. Em termos político-institucionais, governo federal, governos estaduais e municipais passaram a ser autônomos, soberanos e independentes. A descentralização permite o florescimento de experiências, a delegação de poderes, a multiplicidade de decisões e que cada localidade procure a sua vocação e suas próprias soluções.

No governo Fernando Henrique tivemos determinação política de levar a cabo este processo em toda área social. Na Educação, descentralizamos tudo. As decisões do Ministério da Educação foram dirigidas para dar capacidade de gestão dos recursos – financeiros, organizacionais, humanos – da Educação aos estados e municípios.

O objetivo foi descentralizar a execução de recursos federais, reforçar a autonomia gerencial e a participação social e contribuir para a melhoria da estrutura física e pedagógica das escolas. A começar pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef/MEC) que, ao definir fonte estável de recursos ao financiamento dos gastos, define critérios explícitos para sua aplicação e distribuição entre esferas de governo. Desse modo, gera uma saudável concorrência entre estados e municípios por alunos matriculados, induzindo melhoria da qualidade da educação pública.

Outro aspecto da descentralização na educação são os programas do MEC. Houve um esforço no sentido de descentralizar recursos e poder de decisão relativo aos programas para a ponta do sistema, em alguns casos de modo bem profundo.

O programa da merenda escolar acrescenta recursos automáticos aos cofres municipais. Recursos que não estão sujeitos à negociação política, cujos montantes serão tanto maiores quanto maiores forem os alunos sob sua responsabilidade. Trata-se de um desenho particularmente atraente do ponto de vista do gestor local. O Programa Dinheiro Direto na Escola transfere recursos para o órgão colegiado da própria escola – que opera como unidade executora do programa.

Dessa forma, a gestão de recursos financeiros desloca-se diretamente para a unidade escolar. A educação profissional é cada vez mais local e comunitária, a partir do empurrão inicial do MEC. O Bolsa-Escola, por sua vez, transfere recursos diretamente às mães dos alunos para que elas decidam o que é melhor para a educação de seus filhos.

Do ponto de vista gerencial, um município pode observar novas soluções adotadas por outros, anotar sucessos ou fracassos, e adotar suas próprias práticas, tendo se beneficiado da experiência de outros. Além disso, ao fornecer numerosas arenas para a tomada de decisão, a descentralização envolve muitas pessoas no processo de governo, melhorando a própria qualidade das decisões.

Não basta, entretanto, apenas descentralizar. A sustentabilidade desse processo depende da apropriação dos programas por parte dos beneficiários – um efetivo controle social.

É preciso ressaltar os resultados extremamente positivos no que se refere à ampliação dos níveis de interesse e participação da comunidade na definição de políticas locais e no controle e avaliação dessas políticas. Embora ainda existam muitos obstáculos, limitações e mesmo distorções nesse processo, pode significar a médio e longo prazo uma ruptura com os padrões de participação política e cidadania de um enorme segmento da população brasileira.

Trata-se de apostar na capacidade que essas iniciativas, para perdurarem no tempo e terem efeitos multiplicadores, terão de gerar mais capital social, favorecendo uma perspectiva de parceria entre governo e sociedade. O passo decisivo é o aumento da permeabilidade do Estado às demandas e às soluções da sociedade por meio da criação de espaços de diálogo público que atualizem as fronteiras da cidadania, radicalizando a democracia.

Na educação existe uma série de experiências bem-sucedidas tanto no âmbito estadual como municipal. No Ministério da Educação associamos a cada projeto de descentralização a obrigação da criação de um conselho comunitário de acompanhamento e supervisão dos programas. Inovamos, inclusive, ao levar ao limite permitido pela legislação brasileira o poder de fiscalização efetiva desses conselhos sobre a aplicação dos recursos públicos transferidos pelo governo.

O terreno em que se enraíza o processo é o da heterogeneidade social e regional que caracteriza o país, com as diferentes capacidades técnico-administrativas instaladas e a cultura política de cada região. Aí convivem experiências bem-sucedidas e tentativas frustradas, vitórias e retrocessos. As diferentes trajetórias de cada política, a multiplicidade de casos e as distintas respostas impedem as generalizações.

A descentralização é fundamental, mas a melhoria dos serviços depende, sobretudo, da capacidade de instalar núcleos regionais dinâmicos e produtivos, com razoável capacidade gerencial, dotados de infra-estrutura e de recursos humanos qualificados, juntamente com o esforço de organização financeira e administrativa. De todo modo, para a eficácia e eficiência é decisivo transferir o poder de decisão, isto é, transferir a condição básica de eficiência dos programas cada vez mais para a ponta do sistema.

O processo de descentralização com efetiva participação comunitária se transforma também numa experiência radical de ¥orçamento participativo¥. A partir daí, passam a produzir inovações capazes de prestar serviços de modo qualitativamente melhor.

Hoje há no País uma forte experimentação de políticas no nível local sob formas mais autônomas. Esta inovação, que vem de baixo, sem dúvida acumula aprendizagem institucional significativa, capaz de atuar de forma decisiva para nosso desenvolvimento social. São inovações extremamente importantes e tendem a mudar o perfil da política social brasileira.

Paulo Renato Souza é ministro da Educação

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