Há exatos dois anos e sete meses, o Ministro Martus Tavares me convidou para fazer parte da sua equipe. Era agosto de 99, estávamos ainda atravessando um momento delicado em conseqüência da desvalorização do real. Havia dúvidas quanto à capacidade de adaptação da economia ao regime de câmbio flutuante. Muitos indagavam se as metas do Programa de Estabilidade Fiscal seriam cumpridas.
No Ministério do Planejamento, colocava-se importante desafio: integrar os novos sistemas de Planejamento e Orçamento com as estruturas de gestão da administração pública para a implantação do Avança Brasil.
Após duas horas de conversa, percebi que não se tratava de um convite. Tratava-se, sim, de uma convocação para participar de um momento singular da vida brasileira. Convocação que recebi com muito entusiasmo e sentido de responsabilidade. Estes sentimentos se renovam agora, quando convidado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para assumir o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Faço parte de uma geração que sempre aspirou a viver numa democracia de verdade. Como também sempre quis construir uma economia competitiva, em que a proteção dos cartórios cedesse lugar às práticas empreendedoras e de inovação. Construir um país em que a pobreza e a desigualdade social não fossem uma condenação do destino, mas desafios a serem superados.
Considero que, sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, vivemos a mais intensa experiência democrática de transformação da sociedade brasileira.
Porque democracia verdadeira é muito mais do que o Estado de Direito. É aquela que substitui as velhas práticas de intermediação política das ações sociais — cujo manto fomentou o crescimento de algumas oligarquias no País — por mecanismos de descentralização e transferência direta de renda e serviços à população.
A revolução no ensino básico, a universalização dos serviços de saúde, a constituição de extensa rede de proteção social – baseada em mecanismos como a Bolsa Escola, a Bolsa Alimentação e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – são exemplos de como o Brasil está mudando.
Democracia verdadeira é aquela que substitui o condomínio familiar na administração pública pela profissionalização dos gestores públicos; que estabelece regras claras para as relações entre o interesse público e o interesse privado; que busca a transparência nas ações de governo. (pausa)
A História nos ensina que a democracia deve andar de mãos dadas com a estabilidade econômica e vice-e-versa. Temos as duas neste governo, mas nunca é demais lembrar que nem sempre foi assim.
No passado, a instabilidade econômica serviu de pretexto para seqüestrar a democracia. Alguns acreditavam que uma suspensão temporária da democracia poderia abreviar o caminho para a estabilidade e o desenvolvimento.
No Brasil do Real, a estabilidade econômica ganhou status de contrato social. Da mesma forma que temos orgulho de falar uma só língua no território nacional.
É verdade que ainda existem alguns tentando argumentar que é possível conquistar o desenvolvimento dispensando a estabilidade da moeda. Ou que poderíamos conviver com uma espécie de meia estabilidade.
Admitir esta hipótese equivale a ser meio honesto.
Sabemos que o caminho para o desenvolvimento sustentado e uma sociedade mais justa é longo, difícil e complexo. E que a tentação populista sempre se apresenta na forma de soluções simples. Exemplos:
É a caça aos sonegadores, proposta como saída por aqueles que prometem reduzir os impostos e, ao mesmo tempo, aumentar os investimentos públicos, sem a adoção de outras medidas saneadoras.
É o voluntarismo na política econômica, sugerido por quem acredita que para o País crescer sete por cento ao ano, basta reduzir as taxas de juros e aumentar o crédito para os investimentos.
É a proposta de duplicar ou triplicar o salário mínimo como alternativa para reduzir as desigualdades sociais, sem considerar o comportamento da economia e o déficit da Previdência.
O populismo se vale das utopias que habitam corações e mentes para falsear o real caminho de transformação da sociedade.
Sobre a tentação populista, uma frase que o Ministro Pedro Malan conserva na parede de seu gabinete para mim é definitiva: ¥Para todo problema complexo existe uma solução simples. E está errada! diz a frase.
O caminho para o desenvolvimento exige visão de longo prazo e muito trabalho cotidiano.
E é isso que me proponho a realizar até o final deste governo, dando continuidade ao que já vinha sendo feito pelo ministro Martus Tavares e toda a equipe do Ministério do Planejamento.
Nos últimos anos, muito foi feito nas principais áreas de atuação deste Ministério.
Na área fiscal, construímos um arcabouço institucional único na história brasileira. A Lei de Responsabilidade Fiscal virou referência internacional e código de conduta para os administradores públicos no Brasil. Mesmo nas regiões mais distantes, cada prefeitura busca se qualificar para a implementação da Lei. Os Tribunais de Contas também se mobilizam intensamente para fazer valer as novas exigências. O Ministério do Planejamento está realizando, em parceria com os tribunais, diagnóstico das necessidades de modernização desses órgãos. Até o final deste ano teremos um projeto a ser apresentado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) nesse sentido.
Não nos tem faltado coerência e responsabilidade na elaboração e discussão do Orçamento Geral da União. E assim como preparamos o caminho para o desenvolvimento, com as reformas estruturais, temos nos esforçado para assegurar um ambiente econômico sem sobressaltos aos novos governantes que assumirão em janeiro de 2003, independentemente das preferências partidárias.
Neste sentido, propusemos a prorrogação da CPMF, que garantirá seis meses de arrecadação a este governo e dois anos de arrecadação ao próximo. Tempo para os novos administradores pensarem em alternativas para financiar o gasto social; tempo para aqueles que não gostam desse tributo sugerirem melhores opções.
A propósito dessa discussão, quero reforçar: Não é coerente retardar a votação da CPMF. No curto prazo, as alternativas são de pior qualidade.
A CPMF possui ampla base de tributação, além de constituir instrumento auxiliar para combater a sonegação de outros tributos e as práticas ilegais de ¥lavagem¥ de dinheiro.
As alternativas de arrecadação tributária recaem sobre tributos de base menor, que, portanto, podem exigir maiores alíquotas. As alternativas de corte de despesas são igualmente de elevado custo econômico e social. Cortar adicionalmente um orçamento que já está contingenciado em mais de R$ 12 bilhões é privar o País de investimentos públicos já calibrados com muita seletividade e rigor.
Tenho visto, com espanto, alguns analistas mais apressados afirmarem que há excesso de arrecadação de outros tributos para compensar as perdas com a não aprovação em tempo da CPMF.
Este tipo de avaliação lembra as soluções fáceis para os problemas difíceis.
Tenho certeza de que a prudência, a coerência e a responsabilidade prevalecerão nas discussões no Congresso Nacional.
Como já mencionei, acredito que o caminho para o desenvolvimento sustentável requer responsabilidade e um trabalho cotidiano, mas é preciso combinar tudo isso com ousadia. A ousadia é necessária para criar novos paradigmas e abrir novas fronteiras.
Este governo ousou resgatar a prática do planejamento como instrumento de alocação dos recursos públicos. O Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, previstos na Constituição de 88, ganharam tradu
ção no mundo real. Não se trata de mera alquimia contábil de especialistas.
Os Eixos Nacionais de Integração
e Desenvolvimento, que orientam os planos e orçamentos públicos, identificaram as necessidades de investimentos públicos em infra-estrutura econômica e social, mas também oportunidades de investimentos para o setor privado. Ao longo deste ano, em parceria com o BNDES, iremos atualizar os estudos dos Eixos de Integração e Desenvolvimento, como subsídio para um novo ciclo de elaboração do Plano Plurianual.
O reconhecimento deste instrumento de planejamento transbordou as fronteiras nacionais. O Banco Interamericano de Desenvolvimento, junto com a CAF e o Fonplata, por iniciativa do Brasil e apoio dos demais países membros, está mobilizado para viabilizar a execução dos projetos de integração física da América do Sul.
Construir a integração física da América do Sul é lançar o olhar para além do curto prazo, quando dificuldades macroeconômicas atingem algumas economias. É enxergar além das diferenças regionais, de forma que prevaleça o bem estar social dos povos que habitam o nosso Continente.
Não quero aqui me estender sobre o programa de trabalho deste Ministério, nem sobre as ações do Governo Federal. Importante, na minha opinião, é enfatizar que o Governo tem projeto. Tem agenda. E continuará trabalhando em tempo integral até o último dia do mandato para melhorar os fundamentos da economia, os indicadores sociais, a qualidade de vida dos brasileiros.
Tenho orgulho de fazer parte do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e espero retribuir a confiança em mim depositada. Quero agradecer o apoio e a solidariedade de todos que fazem parte desta equipe de governo.
A tarefa de racionalizar os recursos orçamentários, os recursos humanos e materiais não se constitui exatamente na melhor maneira de fazer amigos. Mas o respeito profissional que marca esta equipe nos fortalece diante dos desafios que se apresentam.
No Ministério do Planejamento, em particular, encontrei um excelente ambiente de trabalho. Tenho a certeza de que a minha indicação para o cargo de Ministro é o reconhecimento da dedicação e do desempenho de cada um dos profissionais desta casa. A propósito, quero anunciar a chegada de um reforço na equipe na pessoa do economista Simão Cirineu, que será o novo secretário-executivo.
Ao ministro Martus Tavares, faço meu um agradecimento que é coletivo. Durante quase oito anos como Chefe da Assessoria Econômica, Secretário-Executivo e Ministro desta pasta deixou como marca a ética e o trabalho competente.
Nos orgulhamos de tê-lo representando o Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Não temos dúvidas quanto ao seu sucesso nesta nova etapa da vida.
O Congresso Nacional é participante ativo do processo de mudança da sociedade brasileira. Nas oportunidades em que debati ou negociei projetos no Congresso, compartilhei do respeito e experiência com diversos representantes, de diferentes partidos.
Registro a presença de muitos amigos capixabas neste momento especial. Fico ainda mais feliz pela presença de meus familiares.
Palavras não bastam para agradecer à minha esposa Lenize e ao meu filho Guilherme. Em nenhuma delas caberia meus sentimentos. Eles sabem disso. Todos que me conhecem também sabem.
Quero encerrar renovando a crença na força deste País; no trabalho de brasileiros que, como eu, acreditam que é possível construir um Brasil melhor; em valores como a ética e a responsabilidade.
Que Deus nos proteja!
Muito Obrigado.