Senhoras e senhores,
As relações entre Brasil e Espanha conhecem hoje o mais intenso momento de sua história contemporânea, apresentando caráter operativo que jamais havia sido alcançado.
Os vínculos históricos, culturais e políticos entre os dois países configuram fator importante no adensamento do relacionamento bilateral. Ambos países passaram a beneficiar-se, na década de 90, de novos vínculos regionais – tais como a Comunidade Ibero-Americana e a aproximação entre o Mercosul e a União Européia – e, sobretudo, econômicos. Basta dizer que a Espanha é hoje o maior investidor europeu no País e o segundo no cômputo geral, abaixo apenas dos Estados Unidos.
Com base nesses fundamentos favoráveis, Brasil e Espanha vêm construindo – por meio de uma participação ativa de seus setores público e privado – uma parceria solidamente ancorada em um excelente patrimônio de convergências e relações institucionais e, em particular, contribuindo para maximizar a presença de cada um dos países no cenário internacional.
No plano governamental, é importante ressaltar que os contatos de alto nível têm sido regulares e produtivos, refletindo a nova etapa das relações bilaterais. As visitas do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, 2000 e 2001, e do Vice-Presidente Marco Maciel, em 1997 e 1999, pelo lado brasileiro, e, pelo lado espanhol, do Presidente José María Aznar, em 1997 e em 1999, e dos Reis de Espanha, em 2000, bem como de expressivo número de ministros e outras altas autoridades, têm proporcionado nível crescente de concertação, permitindo a identificação de amplas áreas de entendimento e de novos campos para a cooperação.
Na esfera diplomática, têm sido freqüentes os contatos entre Chanceleres, com uma média de um encontro ao ano desde 1995. De modo complementar, as reuniões de consultas políticas entre Vice-Ministros (realizadas em Salamanca em 1997, no Rio de Janeiro em 1998, em Marbella em 1999, no Rio de Janeiro em 2000, em Madri em 2001 e novamente no Rio de Janeiro, em maio próximo) vêm constituindo foro que – por sua flexibilidade, informalidade e abrangência – assegura aos temas de interesse comum e de concertação potencial um tratamento que não seria possível em visitas formais.
No campo econômico, a participação de capitais espanhóis no processo de privatização dos setores de telecomunicações e de energia do Brasil -aliada à atuação dos bancos Santander e BBVA- elevou a Espanha à posição de segundo maior investidor estrangeiro no País, logo após os Estados Unidos, com estoque superior a 25 bilhões de dólares. Para se ter uma idéia do significado desses números, basta dizer que em 1995 os investimentos espanhóis no Brasil limitavam-se a tão-somente 300 milhões de dólares.
O crescimento dos investimentos espanhóis no Brasil foi da ordem de 8.000% nos últimos 6 anos. A participação espanhola nas privatizações brasileiras -concentradas nos setores de telecomunicações e energia – supera os 15 bilhões de dólares (15% do total geral e 34% da participação estrangeira).
A despeito da significativa desaceleração da economia mundial, que, acoplada à crise argentina, resultou em uma queda de 40% dos investimentos espanhóis na América Latina em 2001, os números ainda são muito significativos. Do total de quase 23 bilhões de dólares de investimentos externos no período, um terço foi aportado pelos EUA e pela Espanha (respectivamente, 5,2 bilhões de dólares e 2,7 bilhões de dólares).
A aposta feita pelo empresariado espanhol no mercado brasileiro vem se mostrando extremamente recompensadora. As empresas espanholas que investiram no Brasil vêm apresentando excelente desempenho, seus investimentos são de alta rentabilidade e, mercê das muitas afinidades que aproximam nossos países, têm encontrado no Brasil grande receptividade. Nos próximos cinco anos, a julgar pelas previsões da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE), os investimentos espanhóis no Brasil deverão continuar a crescer em ritmo acelerado. A CEOE estima que a Espanha investirá na América Latina cerca de 40 bilhões de dólares até 2006.
No setor comercial, observa-se que o aumento dos investimentos não gerou correntes intensas no comércio bilateral, embora o fluxo comercial total haja registrado crescimento nos últimos três anos, sobretudo em função do incremento das exportações espanholas. Desde 1997, o Brasil exporta para a Espanha cerca de 1 bilhão de dólares (média anual) e importa aproximadamente 1,1 bilhão de dólares.
Em todo esse período, a única alteração digna de nota foi a diversificação da pauta espanhola de exportações – antes concentrada em itens como azeite de oliva – com a incorporação de produtos de alto valor agregado, em especial autopeças, aparelhos eletrônicos e maquinaria (produtos que em geral abastecem a demanda das empresas espanholas no Brasil). Já as exportações brasileiras continuam concentradas em produtos primários como soja, ferro e café. Ressalte-se, também, que, apesar da cooperação com a Gamesa, a Embraer ainda não encontrou na Espanha mercado para seus aviões.
Com vistas à obtenção de um incremento no fluxo comercial entre os dois países, seria importante que as principais empresas espanholas do setor bancário, instaladas no Brasil, conjuntamente com o Banco do Brasil, examinassem canais de incentivo para o financiamento especialmente de pequenas e médias empresas, cujo potencial de parceria com a Espanha permanece aquém do que se poderia imaginar.
Na área da cooperação educacional, verifica-se, igualmente, extraordinário potencial para a intensificação das relações entre os dois países. Protocolo entre a Universidade de Salamanca e o Governo brasileiro, assinado durante a visita do Presidente da República à Espanha em outubro de 2000, permitiu o estabelecimento de um Centro Brasileiro naquela universidade – com estudos de graduação e pós-graduação, além de atividades de divulgação – e também de uma Fundação Hispano Brasileira, ambos já instalados e com diretores escolhidos.
Mais de cem convênios já foram assinados entre universidades dos dois países. Também os processos de equiparação de títulos de pós-graduação recíprocos freqüência têm aumentado de forma significativa.
É igualmente frutífera a cooperação entre Brasil e Espanha na área de ciência e tecnologia. O envolvimento direto dos Ministros Ronaldo Sardenberg e Ana Birulés assegurou o rápido desenvolvimento da cooperação bilateral neste campo, que é extremamente promissora diante da necessidade dos dois países de produzir tecnologias próprias em campos onde ambos detêm uma pesquisa avançada.
Abre-se, ainda, no campo da ciência e tecnologia a possibilidade de uma forma de cooperação madura, fora dos eixos tradicionais da cooperação espanhola, dirigida preferencialmente aos países menores e menos desenvolvidos da América Latina, e na qual o Brasil não cabe, por seu tamanho e avanço próprio nesse campo. Esse novo ímpeto na cooperação científica e tecnológica, verdadeiramente paritária e sobretudo bilateral, começa a abrir novo e importante capítulo nas relações Brasil-Espanha.
No âmbito do relacionamento cultural, merece especial registro a exposição ¥De El Greco a Velázquez¥. a maior mostra de pintura espanhola fora do continente europeu, inaugurada no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro pelos Reis de Espanha em julho de 2000.
Este ano será inaugurado no Museu Guggenheim de Bilbao o módulo da Mostra do Redescobrimento Brasil+500, que constitui um dos mais amplos apanhados sobre cultura brasileira desde as suas origens e em suas mais variadas vertentes.
A Espanha deverá realizar, no Rio de Janeiro, proximamente, uma grande exposição representativa da arte espanhola
no século XVIII, com ênfase, em especial, na obra de Goya. Coordenada pelo
Ministério da Cultura espanhol e pelo Instituto Arte Viva do Brasil, essa mostra deverá constituir acontecimento marcante no calendário cultural brasileiro no ano de 2002.
Senhoras e senhores,
À luz dessa intensa e expressiva agenda bilateral, é, pois, para o Brasil, particularmente auspicioso o fato de ter sido a Espanha o país escolhido para sediar a II Cúpula da América Latina-Caribe e União Européia.
Esperamos que a Cúpula de Madri endosse e ajude a consolidar o objetivo acordado no Rio de Janeiro, em junho de 1999, por ocasião da I Cúpula da América Latina-Caribe e União Européia, no sentido do fortalecimento dos vínculos do entendimento político, econômico e cultural entre as duas regiões, com a adoção de medidas concretas, que dêem forma e conteúdo à parceria estratégica.
A promoção de um relacionamento mais denso entre as duas regiões nos campos político, econômico, cultural, social e de cooperação não decorre unicamente da existência de uma sólida base de princípios e valores comuns ou mesmo de fortes laços históricos e culturais. Deve sobretudo ser o resultado do interesse e objetivo comuns em desenvolver mecanismos de diálogo e cooperação birregionais, que permitam às duas regiões enfrentar os desafios do século XXI.
Na Cúpula de Madri, as duas regiões deverão avaliar os progressos realizados desde o Rio de Janeiro e implementar medidas que irão fortalecer as relações birregionais. Nessa ocasião, serão adotados um “Relatório de Avaliação”, documento que deverá descrever o estado atual das duas regiões e os avanços realizados em diversos campos na implementação dos mandatos da I Reunião de Cúpula ALC-UE; um documento sobre “Valores e Posições Comuns”, que deverá refletir o amplo universo de interesses e compromissos comuns às duas regiões; e, por último, a Declaração Política, documento de maor impacto mediático e de fácil leitura, que deverá relacionar os compromissos birregionais e formular algumas sugestões de ação, permitindo que o cidadão possa se informar sobre o processo das Cúpulas ALC-UE e avaliar seu impacto.
Com o propósito de estimular o diálogo presidencial, serão sugeridos temas da atualidade, divididos em três grandes capítulos, que guardam entre si um elemento comum: a preocupação de promover e fortalecer a dimensão multilateral. Os temas propostos serão: 1) Fortalecimento do Pilar Político: democracia, segurança e multilateralismo; 2) Fortalecimento do Pilar Econômico: reforma do sistema multilateral, integração regional, crescimento e desenvolvimento sustentável; e 3) Fortalecimento do Pilar Educacional, Cultural e Social: equidade social, diversidade cultural e modernização tecnológica.
A necessidade de fortalecer e renovar o sistema multilateral tanto na área política quanto econômica, em meio a um quadro de incerteza e instabilidade, corrobora o compromisso assumido no Rio de Janeiro de estimular diálogo e cooperação mais estreitos nos foros internacionais sobre temas de interesse comum. Na Cúpula de Madri, deve ser criado um mecanismo de fomento ao diálogo político ALC-UE, apoiado nas nossas Representações Permanentes junto ao Sistema das Nações Unidas. Espera-se que essa iniciativa venha a dar corpo e densidade ao diálogo político entre as duas regiões;
A distribuição assimétrica dos benefícios da globalização, a necessidade de promover a democracia, proteger os direitos humanos e consolidar o Estado de Direito, o objetivo de reduzir a pobreza e a exclusão social, aprimorar o sistema de saúde e promover um ensino de qualidade – para referir-me apenas a alguns desafios que nossa região enfrenta – constituem razões suficientes para desenvolver a cooperação birregional, ampliando seu alcance e atualizando seus instrumentos. O objetivo de dar maior conteúdo a essa cooperação irá demandar não só recursos, mas sobretudo criatividade no desenvolvimento de um novo padrão de cooperação. A região está disposta a examinar novos critérios e instrumentos que venham a impulsar uma cooperação realmente birregional;
O tema central da Cúpula de Madri – “Impulsando a Associação Estratégica Birregional para o Século XXI” – captura a idéia motora de que as duas regiões devem renovar esforços e prosseguir no desenvolvimento de relações mais amplas, densas e sobretudo orientadas para resultados. Não se trata mais de somar iniciativas bilaterais, as quais, por mais ricas e variadas que sejam, não irão dar forma e substância a uma associação estratégica de caráter birregional. O futuro dessa associação depende da intensificação dos intercâmbios, do maior conhecimento recíproco e da capacidade das duas regiões de saber traduzir a convergência de posições em ações concretas. A Declaração do Rio de Janeiro e o documento de Valores e Posições Comuns, que serão aprovados na Cúpula de Madri, demonstram que as duas regiões já alcançaram um alto grau de maturidade e entendimento recíproco. Esse é um primeiro passo. Cabe agora seguir adiante.
Senhoras e senhores,
Gostaria de concluir repetindo afirmação que o Presidente Fernando Henrique tem feito a respeito da cooperação com a União Européia. Para o Brasil, é importante que a Europa se disponha a ocupar um papel de liderança no mundo, e não alternativamente concentrar-se exclusivamente na administração do seu espaço regional.
Nossos vínculos com o Continente europeu – vínculos de sangue, de cultura, além de expressivos interesses comuns – corroboram nosso desejo de que a Europa possa desempenhar papel cada vez mais importante no cenário internacional, papel esse que naturalmente lhe cabe e que tradicionalmente lhe tem sido reservado.