Peço desculpas para não nominar cada um dos aqui presentes.
Quando desembarquei, do automóvel, aqui, levei um susto. Vi tanto Poder junto, que quase fui embora. Mas agradeço. Agradeço o fato de todos os Chefes de Poder, notadamente o Supremo Tribunal, dos Tribunais Superiores, aqui presentes, terem vindo a este encontro, que é muito significativo. A presença de Vossas Excelências é um estímulo adicional a todo aquilo que nosso Advogado Geral da União, Dr. Gilmar Mendes, acabou de mencionar. Há um novo espírito na Advocacia Geral da União.
Quero, portanto, também, de início agradecer o convite recebido, as palavras do Dr. Gilmar Mendes, a presença tão numerosa dos senhores e das senhoras e o esforço que têm feito para, uma vez mais, avançarmos no sentido da democracia e da defesa do Estado naquilo que lhe é próprio e correto. É, portanto, com muito prazer que abro este encontro e que saúdo os aqui presentes.
As palavras iniciais de reconhecimento ao Ministro Gilmar Mendes, não é que se impõem, saem com prazer da minha boca, como tenho certeza que saem com prazer de todos aqueles que o conhecem. O Dr. Gilmar Mendes tem um destemor admirável, tem competência e tem desempenhado essa função de uma maneira brilhante, dando continuidade, como ele mesmo disse, ao seu antecessor, o Dr. Geraldo Magela Quintão, que hoje é Ministro da Defesa.
Para um Presidente da República, como eu, jejuno em matéria jurídica, é essencial ter próximo alguém com a competência dos aqui referidos.
Não podem os senhores e as senhoras imaginar as dificuldades com as quais o Presidente se defronta muitas vezes, para saber o que é certo e o que não é certo; o que fazer; o que é correto e o que é incorreto. Sobretudo quando o correto e o incorreto vêm revestidos de uma linguagem, mais ou menos hermética, para os pobres leigos como eu. Isso requer, realmente, que exista, ao lado, alguém que seja honesto, competente e corajoso. São as características que o Dr. Gilmar exibe com naturalidade, com simplicidade. É uma pessoa de acesso fácil, mas de mente complexa, capaz de realmente deslindar onde se encontra o interesse geral no meio de muitas pendências – que são normais – e que, muitas vezes, são apresentadas com igual entusiasmo pelas várias partes. É difícil tomar uma posição, e o Presidente tem que se louvar, como me louvo, e que até hoje tenho me louvado, sem nenhum risco, nos pareceres que me têm sido trazidos pela Advocacia Geral da União.
E quando escrevo ¥aprovo¥, aquilo vira lei. É uma responsabilidade imensa. Uma responsabilidade que só posso exercê-la com tranqüilidade porque sei de que mãos vêm os pareceres que me são trazidos. E sei, também – e ele já se referiu a isso – que não é apenas o Advogado Geral, é todo um corpo de advogados que trabalha. Refiro-me, muito especialmente, ao Dr. Walter Barletta, que quantas vezes substitui o Advogado Geral, e muitos outros que trabalham anonimamente e que fazem com que hoje o Estado tenha uma presença jurídica bem embasada. Agradeço, portanto, imensamente, ao Dr. Gilmar Mendes.
De fato, a sociedade brasileira é a beneficiária do empenho com que a AGU tem se desincumbido do encargo constitucional de representar a União e de prestar essa consultoria jurídica ao Poder Executivo. Os números mencionados pelo Dr. Gilmar, agora, são eloqüentes. Não preciso mais do que vê-los ou ouvi-los, para saber o imenso trabalho que tem sido feito e o quanto que a sociedade brasileira é devedora desse trabalho.
Em sua atuação contenciosa, a Advocacia Geral da União vem tendo um papel essencial na viabilização de políticas de interesse imediato para o desenvolvimento econômico e social do País, para não falar do aprimoramento da gestão pública.
Não posso deixar de recordar, por exemplo, o fato de a AGU ter obtido do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da constitucionalidade da fixação de limites às despesas com pessoal pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso foi um avanço considerável.
Foi um passo fundamental para que a nova legislação pudesse prosperar e se tornar, como já se tornou, um divisor de águas na história da administração pública brasileira.
Outra vitória aconteceu em relação à Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2002. Ela atestou o êxito da Advocacia Geral da União em obter a anuência da nossa Corte Suprema à orientação que passou a prevalecer no tratamento da questão orçamentária neste país, caracterizada pela transparência e pelo equilíbrio entre a despesa e a receita. Fácil de falar e dificílimo de realizar tanta transparência no equilíbrio entre receita e despesa. Hoje, dispomos de instrumentos legais que fazem com que, necessariamente assim seja.
Mas não menos significativo foi o endosso pelo Supremo Tribunal Federal à constitucionalidade da medida provisória que disciplinou a programação de redução do consumo de energia elétrica.
A AGU soube comprovar que a estratégica da União de combate à crise, além de contar com o apoio da população, não se afastou do respeito à Constituição.
Lembro, ainda, a conquista no contencioso sobre a contribuição social do salário-educação, que permitiu a utilização de recursos indispensáveis à promoção do ensino fundamental. Levamos anos para vermos, realmente, assegurado esse mecanismo que é essencial para a promoção do ensino fundamental.
Portanto, a AGU contribui para a realização da meta que é, para mim, a mais cara de todas as que estamos realizando, que é a universalização do acesso à escola. Repito isso sempre. Nasci em uma época em que o Brasil tinha, talvez, mais analfabetos que alfabetizados. É verdade que nasci há muito tempo. Mas, de qualquer maneira, temos hoje a possibilidade de dizer que o analfabetismo morre no Brasil, em questão de uma década, porque temos 97% das crianças nas escolas, e teremos, proximamente, mais do que isso. Nada me deixa mais satisfeito, como antigo professor que sempre fui, do que ver isso. E a AGU contribuiu para que fosse possível a existência de recursos que, hoje, permitem esse acesso mais amplo à escola.
Não há, também, como ignorar o suporte que a AGU deu à campanha do combate ao narcotráfico com a obtenção, junto à Justiça, da garantia de imissão da União na posse de imóveis utilizados em Pernambuco para o cultivo de entorpecentes. Esses imóveis agora serão entregues ao Incra para fins de reforma agrária.
Muitos outros exemplos podem ser mobilizados para demonstrar o quanto a AGU tem sido eficaz na preservação do interesse coletivo. Mas é preciso ter presente que atuação da AGU não se limita a contenciosos. Ela também compreende, como já disse, a assessoria jurídica ao Poder Executivo, que tem sido das mais criteriosas.
A criação, no âmbito da AGU, da Consultoria Geral da União veio exatamente atender os objetivos de reforçar o apoio ao Executivo no controle prévio da legalidade dos atos normativos, bem como na defesa das políticas públicas.
Permito-me voltar ao contexto da crise energética para mostrar a relevância dessa função de assessoramento. A consultoria prestada pela AGU à Câmara de Gestão da Crise de energia elétrica foi essencial para que se firmasse, em curto prazo, o acordo geral do setor elétrico, que permitiu a economia ao consumidor de cerca de 5 bilhões de reais, para não mencionar a redução pela metade do custo tarifário. E isso tudo foi aprovado ontem na Câmara Federal. Espero que, o mais breve possível, o Senado aprove também.
Gostaria de lembrar também a importância da AGU no sentido de recompor a parcela do patrimônio da União, que se viu deteriorada por atos de improbidade administrativa.
Talvez nunca, em nossa História, tenha havido um esforço tão consistente, persistente de combate à corrupção. Às vezes, vejo tanta gente, alguns dos quais não têm nem títulos para falar sobre corrupção, a criticar o governo. Como se o governo não t
ivesse, realmente, se mobilizado, como nun
ca na nossa História, numa cooperação estreita com os vários Poderes, para que houvesse realmente uma nova visão do que seja a probidade administrativa.
Criamos instituições, como a Ouvidoria da Aneel. Depois, vieram as Corregedorias. Tomamos decisões normativas. Abrimos completamente, com toda a transparência, as contas. Onde houver denúncias, elas serão apuradas. Às vezes, até se utilizam as denúncias como se fossem fatos do governo, ao invés de se reconhecer que é o governo quem está agindo e forçando que tudo transcorra com transparência. Mudamos órgãos inteiros, tal era o grau de podridão em muitos deles, para que se criasse um outro espírito.
O governo fez isso sempre com isenção. Nunca procurou nem apontar o dedo para acusar indevidamente, nem obscurecer ou proteger quem quer que fosse. Quem quer que fosse! Sempre recorrendo à lei, sempre recorrendo à Justiça. Em todos os casos, procuramos que prevalecesse sempre a investigação, a lei prevalecesse sobre o arbítrio. Com tranqüilidade. Isso está sendo feito e acredito que o papel da AGU tem sido fundamental também. Não é o caso de eu estar mencionando especificamente situações. Mas no momento em que a História puder registrar com mais isenção o que tem sido feito em matéria de probidade, em matéria de moralidade administrativa, não tenho dúvida nenhuma de que o papel da AGU e do governo será reconhecido.
Foi, por exemplo, graças à atuação da Procuradoria Geral da União que foi possível localizar e recuperar, no exterior, os valores desviados das obras do Fórum do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. E a AGU está atenta à necessidade de desonerar o Poder Judiciário de recursos e ações dispensáveis por outro lado. O Dr. Gilmar Mendes mencionou aqui alguns desses exemplos.
Com essa finalidade, o Advogado Geral tem editado as súmulas administrativas, desde 97, especificando condições em que não cabe a interposição de recursos das decisões judiciais. Quantas vezes eu ouvi reclamações válidas dos Ministros do Supremor Tribunal Federal, sobre a enorme pletora de recursos já perdidos. Não obstante, por táticas protelatórias, a União mantinha esses recursos. Na época da inflação galopante, então, nem se fala. Era um mecanismo de ajuste do Orçamento. Isso nós estamos terminando progressivamente.
Milhares de recursos já deixaram de ser apresentados, acelerando a resolução de contenciosos e aliviando a demanda reconhecidamente elevada sobre os Tribunais Superiores.
A propósito, quero dizer que o Governo Federal tem feito o possível para facilitar e tornar mais ágil o acesso da população ao Poder Judiciário, apoiando iniciativas como, aqui já foram referidos, os Juizados especiais civis e criminais. Essa solução permitiu agilizar a tramitação de um número imenso de processos.
Merece menção igualmente o estabelecimento dos juizados especiais federais, que contribuiu em muito para a democratização do acesso à Justiça.
No âmbito da Justiça trabalhista, o Governo Federal soube concorrer para a consecução de alguns avanços há muito pleiteados pela sociedade brasileira, como o expurgo da representação classista, a instituição do procedimento sumaríssimo e a criação das Comissões de Conciliação Prévia.
Aliás, em matéria de Comissões de Conciliação, devo dizer que o Vice-Presidente da República, Marco Maciel, quando Senador – fomos colegas – foi um dos batalhadores nessa matéria. E conseguimos, realmente, fazer com que hoje exista uma aceitação dessa idéia.
Também quero dizer do meu apreço pelo corpo técnico e pela assessoria, como já mencionei no começo.
Às vésperas de sua primeira década de existência efetiva, a AGU já comprovou o acerto da decisão da Assembléia Nacional Constituinte de criá-la e passa agora por um processo intenso modernização e integração.
O Ministro Nelson Jobim, aqui presente, participou da Assembléia Constituinte, como eu também. O Ministro Humberto Souto também. Não sei se há mais constituintes aqui na mesa. Só nós três. E já é bastante. Metade da mesa. Houve muito debate sobre essas matérias, muita incompreensão. Não são matérias fáceis. Aprovamos a criação da Advocacia Geral da União e a separação da Procuradoria Geral da República como um corpo independente, que velasse pela sociedade, olhasse a lei do ângulo da sociedade e um outro corpo que olhasse do ângulo do estado. Acho que foi certo, por mais que alguns critiquem, e às vezes, por mais que no embalo se critique o que foi feito no conjunto e deu positivo.
Hoje, é indiscutível que não só a AGU presta serviços relevantes, como a Procuradoria Geral da República também os presta. E o equilíbrio necessário – sempre no espirito do ¥cheks and balances¥, que é o que preside o espírito da democracia – mostra que, às vezes, é preciso, aqui e ali, colocar certos contrapesos. Mas, no geral, no fundamental, as decisões foram acertadas. Houve um progresso muito grande nesta idéia de que temos que ter um corpo de pessoas que olhe o Direito, mirando o interesse difuso, o interesse coletivo, o interesse da sociedade, e outro corpo que preste atenção àquilo que existe em função dos interesses do Estado.
Podem se chocar. É da natureza das coisas, mas para isso existe o Judiciário: para interpretar e verificar quem tem razão em cada momento. Mas não se forma uma sociedade democrática sem que existam esses corpos que assegurem o Direito, e que asseguram diferenças e perspectivas. A sociedade não é uma sociedade homogênea. Uma sociedade complexa, avançada, como a brasileira cada vez mais é uma sociedade contraditória, é uma sociedade na qual o conflito é normal. O que não é normal é não existirem regras de soluções de conflitos. Quando não existem as regras de soluções de conflitos, então se impõe quem? O mais forte. Isso é o contrário ao espírito da democracia. A existência desses corpos organizados, que entrem em choque, que vão à lide é a essência do jogo democrático.
Sou um defensor permanente do que foi feito nesse aspecto na Constituição de 88, porque ela assegura direitos e o modo de funcionamento do sistema democrático no seu todo. Com o processo histórico, um ou outro exagero, uma ou outra imperfeição vão sendo corrigidos. Mas o fato é que o espírito geral que presidiu a Constituinte de 88, foi altamente democrático. Hoje está instituído, está corporificado num conjunto de ações e de instituições que garantem o pleno exercício da democracia. Democracia não é só liberdade. Ela supõe a liberdade, mas supõe também os mecanismos que asseguram os direitos individuais, os direitos coletivos e os mecanismos de solução de conflitos dentro de um clima de liberdade.
Esse equilíbrio está sendo alcançado. Hoje, a integração entre os diversos ramos dessa atividade requer, cada dia mais, uma sintonia. E a integração também das unidades da AGU na atuação nos diferentes Estados. O resultado dessa integração será uma Advocacia de Estado ainda mais aparelhada para servir ao bem comum, e a favorecer o respeito à lei, que é a base da democracia, que não pode prosperar, senão com o amparo de normas impessoais, de aplicação geral, definidas e atualizadas segundo o interesse da maioria.
Essa perspectiva da impessoalidade é fundamental. Mas não é incompatível com a visão da solidariedade, sobretudo em um país como o Brasil, que tanto carece de uma mobilização permanente a favor da justiça social.
Daí a necessidade de conjugarmos, no Brasil, as exigências de impessoalidade da sociedade contemporânea com os reclamos de solidariedade que são próprios da vida em comunidade.
O Professor Gilmar Mendes bem sabe da distinção que o pensamento alemão faz entre gesellschaft e gemeinschaft, entre a sociedade amparada no contrato entre vontades individuais e a sociedade plasmada por uma vivência comum.
O que precisamos entre nós é de uma síntese das duas perspectivas
, uma aufhebung se possível, que torne
o Brasil uma nação não apenas moderna nas leis e costumes, mas também afinada com os ideais de Justiça e eqüidade social. É para isso que nós todos, cada um, a seu modo, cada um no seu ângulo, cada um com as suas possibilidades, estamos trabalhando. Quem sabe, com esse nosso esforço, as gerações futuras – quem sabe não, com certeza – viverão num país não apenas democrático, mas mais solidário.
Muito obrigado a todos.