Entrevista José Aníbal (PSDB) e José Dirceu (PT)
BRASÍLIA. Eles passaram os últimos sete anos em campos opostos, um defendendo e outro criticando o presidente Fernando Henrique Cardoso. No balanço do governo tucano, o presidente do PSDB, José Aníbal, e o do PT, José Dirceu, divergem sobre tudo quando se trata de política partidária e de governo. Discursos de palanque à parte, deixam aparecer as convergências nos conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico. Têm também afinidades mais singelas. ¥Oi Zé!¥, diz um. ¥Fala Zé¥, responde o outro. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do principal partido da situação e o do principal partido da oposição analisam erros e acertos de Fernando Henrique.
Diana Fernandes
O Globo: Quais as maiores conquistas do governo nas áreas social, política e econômica nesses sete anos?
JOSÉ ANÍBAL: Na economia, a estabilidade, inflação sob controle e tudo o que daí decorre: organização das contas públicas, responsabilidade fiscal e reestruturação econômica. A estabilidade política e institucional, crucial para o enraizamento da democracia, possibilitou o surgimento de uma sociedade independente, crítica e questionadora. Na área social, os avanços foram inúmeros e agora ainda temos a oportunidade de ampliar essa ação com políticas de inclusão e uma sociedade com igualdade de oportunidade para todos, não no verbo, mas na prática.
JOSÉ DIRCEU: A maior conquista política desse governo foi a reeleição. Na área social foi um fracasso, o governo não tem como mostrar o que fez para reduzir a pobreza. A renda caiu, o nível de emprego também. Somente agora vem com projetos assistencialistas e eleitoreiros de última hora (a chamada rede de proteção social: bolsa-alimentação, vale-remédio). Na questão econômica, o governo perdeu a força porque a estabilidade se confrontou com a estagnação. Houve também uma perda de soberania sobre as decisões econômicas, todas submetidas ao crivo do FMI.
O Globo: E as grandes falhas do governo nessas três áreas?
ANÍBAL: Sempre se pode fazer mais. Poderíamos ter avançado mais nas reformas tributária e previdenciária. Poderíamos ter promovido uma política de comércio exterior mais agressiva – aliás, o que estamos fazendo agora; uma política de juros com taxas menores; e uma maior independência dos recursos externos para financiar nosso balanço de pagamentos. Mas já estão criadas as bases para isso. Na política, nenhum reparo, há total liberdade de imprensa e de organização e manifestação da sociedade. Quanto ao social, para fazer políticas consistentes nessa área precisamos de estabilidade e fundamentos econômicos sólidos. Com isso consolidado, faremos muito mais.
DIRCEU: Politicamente esse governo fortaleceu o fisiologismo e o clientelismo. Na área social não desenvolveu, por exemplo, as estruturas de saneamento básico e habitação. Não fez nada nesse setor. Isso é visível nas periferias das grandes cidades, onde a pobreza é cada vez maior. Do ponto de vista econômico, cito três grandes erros desse governo: a extrema dependência do capital externo; o endividamento do país com juros nas alturas; e a desnacionalização da indústria.
O Globo: Como foi a relação do presidente Fernando Henrique com a oposição nesses sete anos?
ANÍBAL: Foi absolutamente democrática. É um grande equívoco a oposição falar de rolo compressor do governo. O mesmo eu poderia falar de Marta Suplicy, que fez aliança com o PMDB de Quércia para conquistar maioria na Câmara dos Vereadores. No Brasil não se governa sem maioria. E nós construímos uma maioria em torno de um projeto.
DIRCEU: Foi uma relação de prepotência a que foi dispensada pelo presidente Fernando Henrique à oposição. O rolo compressor foi um dos seus principais instrumentos. O presidente sempre procurou desqualificar a oposição. Manteve sua maioria no Congresso a partir da reeleição.
O Globo: E a relação do governo com seus aliados? Fala-se muito em barganhas, troca de favores nas votações de interesse do governo.
ANÍBAL: Não se trata de barganhas, não se forma maioria política em torno de barganhas, mas de projetos. E é natural que disso derivem acordos e negociações políticas, mas sempre em torno de projetos. Daí a estabilidade na relação entre Executivo e Legislativo.
DIRCEU: A relação com os aliados foi na base do fisiologismo, como já disse. Sistemática que ficou mais forte a partir da busca da reeleição. As barganhas da base governista sempre existiram. É nessa base a troca do governo com seus aliados no Congresso.
O Globo: O que avançou mais neste período, as reformas políticas ou as econômicas?
ANÍBAL: Avançaram muito mais as reformas econômicas patrocinadas pelo governo. Mas avançou também a sociedade, a partir da estabilidade política conquistada e do amadurecimento da democracia. Já as reformas políticas avançaram pouco e ficam para o futuro como um desafio. Mas esta não é uma questão exclusiva do governo, do Executivo. É muito mais congressual.
DIRCEU: Avançaram as reformas econômicas neoliberais: a abertura selvagem da economia, a desregulamentação e as privatizações que levaram o país a uma situação de crescimento tímido, de retração do desenvolvimento e a um nível de pobreza altíssimo. De reforma política nada foi feito, só a reeleição.
O Globo: Por que em sete anos a reforma tributária, bandeira da oposição e dos aliados, não foi votada? O governo joga a culpa nos governadores. Faltou vontade política? A carga tributária aumentou muito e já chega a 32% do PIB.
ANÍBAL: Reforma tributária tem que vir com um pacto federativo. Tem que se discutir isso com maturidade e com todos desarmados, de forma a garantir um sistema mais justo, que onere menos a produção e que estabeleça que aqueles que podem mais paguem mais, e os que podem menos paguem menos impostos. O governo não impediu a reforma tributária nem se pode dizer que não se fez por culpa dele. Esse é um diagnóstico fácil demais.
DIRCEU: O governo fez a reforma tributária para essa política econômica que aí está. A reforma que nós queríamos possibilitaria o desenvolvimento do país, promoveria a distribuição de renda, aumentaria as exportações e reduziria a dependência externa. Essa o governo não quis fazer, fez a do seu modelo econômico, com o intuito único de aumentar a carga tributária, ignorando todos os outros princípios.
O Globo: O desgaste da reeleição e os efeitos da crise econômica mundial podem favorecer Lula nas eleições?
ANÍBAL: Para pretender ganhar as eleições, Lula teria que agregar, ampliar, sair do seu círculo de giz – 30% de intenções de votos há mais de dez anos. Não é crise econômica interna ou mundial que vai favorecer Lula, é que a sociedade não vê nele um projeto que possa dar um passo adiante naquilo que já realizamos. Além do mais, o Brasil é um dos países que melhor enfrentam as crises mundiais. O dólar está caindo, o país, ao contrário de muitos outros, terá crescimento positivo.
DIRCEU: O que favorece a oposição e pode favorecer Lula é o esgotamento do modelo atual e o fim de um ciclo político. A maioria dos eleitores quer mudar, isso está claro em todas as pesquisas. Crise econômica, aqui ou no mundo, não favorece necessariamente a oposição. Temos consciência disso e não apostamos no quanto pior, melhor.
O Globo: A imagem do presidente Fernando Henrique Cardoso ficaria melhor perante a história se ele tivesse encerrado seu mandato em 1998?
ANÍBAL: De modo algum. A reeleição e a estabilidade política-ins
titucional, e a consolidação de uma economia com fundamentos só fazem com que o presidente Fernan
do Henrique tenha um lugar de relevo e destaque na História desse país. Vai deixar o governo no final de 2002 muito melhor do que já estava em 1998.
DIRCEU: Fernando Henrique não sairá bem nem teria saído com boa imagem em 1998. Aliás, em 1998, se não fosse ele o candidato, o governo teria perdido a eleição porque a situação não era boa. Como não é agora também. É uma falsa questão essa de dizer que para Fernando Henrique teria sido melhor se seu mandato tivesse terminado em 98. Ele teria saído mal do mesmo jeito.