Tinha tudo para ser um enfadonho chá-de-cadeira no apertado Aeroporto de Congonhas, dentro da cidade de São Paulo. A longa espera por um vôo atrasado para Brasília, no entanto, rendeu ao então deputado Aloysio Nunes Ferreira a idéia de um projeto que deverá revolucionar o setor de comunicação. No aeroporto, Aloysio encontrou o jornalista Alberto Dines, veterano analista da produção jornalística brasileira. Dines sugeriu a Aloysio uma emenda constitucional que acabasse com as restrições para a entrada de capital estrangeiro nas companhias jornalísticas e de radiodifusão. Sugeriu também o fim das limitações para a associação dessas empresas com outras pessoas jurídicas. Assim nasceu a emenda constitucional que tramita agora na Câmara dos Deputados. Relatada pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a emenda deverá começar a ser analisada nas próximas semanas. Hoje, no Ministério da Justiça, Aloysio entende que a alteração constitucional que propôs possibilitará o amadurecimento das empresas de comunicação do país.
Comunicação às portas da maturidade
Ronaldo de Oliveira
Uma conversa na sala de espera de um aeroporto inspirou Aloysio a propor a abertura das empresas de comunicação ao capital estrangeiro
CORREIO BRAZILIENSE – Tramita na Câmara o Projeto de Emenda Constitucional que abre a possibilidade de entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação. O projeto original é do senhor, na época em que era deputado federal. Que vantagens o senhor vê na mudança?
ALOYSIO NUNES FERREIRA – Essa modificação significará um passo importante no rumo da maturidade empresarial das empresas jornalísticas e de radiodifusão. Hoje, elas não dispõem das mesmas condições legais e de organização interna das demais empresas. As restrições impostas pelo artigo 222 da Constituição condenam as empresas a manterem uma estrutura familiar, a dependerem de empréstimos bancários para a sua capitalização. Isso é um fator de fragilidade econômica numa atividade que se torna cada dia mais competitiva. Esse tipo de situação, de minoridade empresarial ao mesmo tempo em que há demanda por capitalização dessas empresas, leva-as a criar gambiarras para se capitalizarem e se desenvolverem empresarialmente. Isso as torna frágeis. Leva às vezes as empresas a conviverem com situações que não são inteiramente regulares. Além disso, o leitor de jornais e de revistas, o ouvinte de rádio ou o telespectador de televisão hoje tem acesso de várias formas aos produtos estrangeiros. De países onde não há esse tipo de restrição. Mas a questão principal não é de conteúdo. Essa mudança vai permitir o fortalecimento empresarial do jornalismo e da radiodifusão, em benefício da criação de uma imprensa forte. Uma imprensa forte tem melhores condições de cumprir o seu papel social. De difundir idéias. De levar a informação. Promover debates. Investigar. O fato é que essas empresas hoje, por causa dessas restrições, são mais fracas que os anunciantes. Eu quero fortalecer as empresas jornalísticas
CORREIO – Quando a Constituição foi redigida, o espírito por trás da idéia era no sentido de respaldar a soberania nacional, de evitar a propagação de idéias externas, contrárias ao interesse do país. Ao se abrir o capital para a participação de empresas estrangeiras, não se corre esse risco?
ALOYSIO – O que são idéias externas no mundo globalizado? Não corremos risco algum. O Brasil tem uma imensa capacidade de pegar idéias externas, degluti-las, assimilá-las, transformá-las e elaborar a partir delas, gerando com isso criações originais. Hoje, ninguém forma opinião apenas lendo os jornais onde há restrições à participação do capital estrangeiro. Ou vendo a TV ou ouvindo o rádio onde essas limitações existem. Ele (o leitor, o ouvinte ou o telespectador) vai ao cinema. Consulta a Internet. Vê TV a cabo onde essas restrições não existem. Ou lê encartes de jornais estrangeiros publicados pela imprensa, veiculados pelos jornais nacionais.
CORREIO – Outro argumento usado contra a modificação diz respeito às pequenas empresas de comunicação. Há quem tema que a entrada de capital estrangeiro possa esmagar os pequenos jornais, as rádios comunitárias. O senhor crê nisso?
ALOYSIO – A mudança abre também a possibilidade de fortalecimento dessas empresas pequenas e médias, do interior. Elas estão abertas a isso. As novas gerações de empresários da comunicação são muito mais abertas a essa inovação que as anteriores, que os fundadores dos veículos. Eles usavam seus jornais muito mais como instrumentos de ação política local. Hoje, há uma mentalidade predominando nessas novas gerações, que estão assumindo o controle dessas empresas, no sentido de torná-las menos instrumentos políticos e mais produtos de informação da sociedade. Para essas novas gerações, essa modificação é uma modernização natural.
CORREIO – As empresas, então, deverão perder a característica de negócios familiares?
ALOYSIO – Deixaremos de ter os empresários que usam seus veículos com o objetivo de fortalecer apenas projetos políticos pessoais. O mais importante, na minha opinião, nessa mudança, nem é a abertura para o capital estrangeiro. O decisivo é permitir que pessoas jurídicas possam ser proprietárias de empresas de comunicação, sem as limitações atuais. Isso permite a criação de holdings, a colocação de ações nas bolsas de valores. Portanto, dá novos mecanismos de gestão e dá novas oportunidades para essas empresas. E despersonaliza os veículos.
CORREIO – Como surgiu a idéia da emenda constitucional? Como o senhor envolveu-se nesse assunto?
ALOYSIO – Foi a partir de uma conversa com o jornalista Alberto Dines. Estávamos no Aeroporto de Congonhas, à espera de um vôo atrasado, há quatro anos. Dines fez, então, uma longa dissertação sobre o que considerava um atraso na regulamentação das empresas jornalísticas, uma situação que impedia a modernização do setor, e que poderia acabar por inviabilizá-lo. Essa é uma das preocupações mais constantes do Dines nos últimos anos. A idéia do Dines, que eu transformei em projeto, representava uma abertura ainda maior do capital do que o que ficou no substitutivo do relator Henrique Eduardo Alves. De qualquer forma, o projeto de Henrique Alves é um enorme avanço. Elaborado a partir de uma conversa madura, um longo tempo de entendimento com os setores da imprensa brasileira.
CORREIO – O senhor considera que a simples mudança poderá significar um ganho de qualidade para jornais, revistas, rádio e TV?
ALOYSIO – Sem dúvida. Uma imprensa forte significa um mercado mais dinâmico para os jornalistas. Qualquer leitor percebe que os jornais estão empobrecendo, reduzindo seus quadros. Os pequenos jornais trabalham cada vez mais com reportagens de agências. Diminui-se o número de repórteres, o número de correspondentes. O colunismo ganhou um espaço muito maior, em detrimento da reportagem, que é bem mais cara. Isso é conseqüência de uma política de barateamento das redações, que decorre das dificuldades provocadas por essas limitações.
O artigo 222 da Constituição, que a emenda busca modificar, estabelece que a propriedade das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. O parágrafo primeiro veda a participação de pessoas jurídicas (outras empresas) no capital social das empresas de comunicação. A única exceção é estabelecida no parágrafo segundo: a participação de pessoas jurídicas pode se dar apenas com capital sem direito a voto e não pode ultrapassar 30% do capital social.
Desde a década de 70, quando assinava no jornal Folha de S.Paulo uma coluna chamada Jornal dos Jornais, o jornalista Alberto Dines ocupa-se em analisar a produção jornalística dos meios de comunicação. Atualmente, Dines edita um site na Internet, o Observatório da Imprensa, e comanda um programa com o mesmo nome na TV Educativa.