Capixaba, 41 anos, Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão entre 1999 e 2002, o economista Guilherme Gomes Dias assumiu a pasta nesta quarta-feira, dia 3 de abril, em substituição a Martus Tavares.
Nessa entrevista, o novo Ministro do Planejamento fala sobre sua formação nas áreas de planejamento e finanças públicas, e do trabalho que desenvolveu ao lado de Martus Tavares. E reitera o compromisso com a responsabilidade fiscal, a modernização da gestão pública, a valorização do servidor, a integração econômica da América do Sul e o crescimento bem planejado do Brasil.
1. Onde o sr. iniciou sua formação profissional?
Se me perguntassem qual das organizações onde já trabalhei aquela que mais me identifico, responderia que é o BNDES. Após o concurso público em 1984, trabalhei inicialmente na área de planejamento, lidando com projeções macroeconômicas e o planejamento estratégico da instituição.
Os anos 80 marcaram a remontagem do sistema de planejamento do BNDES. O banco desenvolveu um trabalho de construção de cenários para a economia brasileira, que ficou muito conhecido. Na época, as estruturas de planejamento do país estavam praticamente desmontadas, uma espécie de falência. Na verdade, a estrutura de planejamento do governo federal só veio a ser remontada no governo Fernando Henrique, a partir da estabilização da economia. Primeiro com o Brasil em Ação, e depois, com o Avança Brasil.
Trabalhei, ainda, no departamento de orçamento e passei quase três anos como superintendente da área financeira internacional do banco. Era início da década de 90, outro momento singular, porque o BNDES reciclou muitos dos antigos créditos problemáticos com o setor público e iniciou um processo de saneamento e reestruturação financeira, em paralelo ao início do Programa Nacional de Desestatização.
Atuei ativamente na montagem inicial e na consolidação da sistemática do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), criado pela Constituição de 1988. Participei do conselho do FAT enquanto fui superintendente do banco, por quase três anos.
2. Como o sr. entrou em contato com o tema das finanças públicas?
Minha formação é macroeconômica, mas no mestrado da UFRJ minhas áreas de concentração foram finanças públicas e economia monetária. Cheguei a trabalhar um ano no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), num convênio com a Cepal, desenvolvendo o modelo de projeções para a economia brasileira, em parceria com Fábio Giambiagi e Márcio Garcia (atualmente chefe de departamento de economia da PUC/Rio), dois dos melhores macroeconomistas da minha geração.
Eu me definiria como uma pessoa com formação macroeconômica mas que acabou se especializando nas áreas de planejamento e finanças públicas. De certo modo, também no Ministério do Planejamento, a convite do ministro Martus, aproveitei tanto a experiência na formação macro, como a vivência de atuar em órgãos federais. O BNDES é uma grande escola.
Em termos de administração pública tive a satisfação de participar de uma experiência municipal muito bem sucedida em Vitória (ES). Foi uma experiência particularmente importante, pois hoje a maior parte dos programas do governo federal são executados de forma absolutamente descentralizada, onde os municípios são parceiros estratégicos. Então, de certo modo, o fato de ter tido essa experiência lá na ponta me ajudou aqui na discussão dos programas do governo federal, onde é preciso ficar mais concentrado na formulação e na mobilização de recursos.
3. Fale um pouco de seu período na Prefeitura de Vitória.
Encontramos uma prefeitura desestruturada do ponto de vista de planejamento, financeiro e gerencial. Naquele período, fizemos um amplo saneamento econômico-financeiro, montamos um sistema de planejamento estratégico, revisamos toda a base tributária. Atualmente, entre as capitais, Vitória é a que apresenta os melhores indicadores econômicos e financeiros. Mas não é só.
Estivemos também à frente de vários projetos na área de captação de recursos e de grandes projetos de urbanização. Cito o projeto ¥Terra¥, de urbanização de morros, que tem participação de várias entidades nacionais e internacionais.
A cidade de Vitória foi uma das primeiras a reformar o sistema de previdência dos servidores públicos e a ter um instituto de previdência municipal equilibrado. Fizemos uma série de mudanças estruturais. Hoje a cidade apresenta, ainda, bons indicadores de prestação de serviços sociais básicos e de qualidade de vida.
4. Defina sua atuação como Secretário Executivo do Planejamento.
A missão do Secretário Executivo é auxiliar o Ministro na supervisão do conjunto das atividades do ministério. Participei da consolidação da nova sistemática de planejamento e orçamento – que hoje é mais transparente e de fato identifica a alocação de recursos por programa e ações -, da negociação para a aprovação e das medidas para a efetiva implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal, do processo de estruturação de novas agências e órgãos da administração pública, das mudanças nos processos de cadastramento de fornecedores e na introdução dos pregões como mecanismo mais eficiente de compras públicas. Enfim, a agenda deste Ministério é longa e os resultados dependem essencialmente do trabalho de toda a equipe, que é muito preparada e dedicada.
Quando cheguei aqui, já encontrei um trabalho em estágio muito avançado no Ministério do Planejamento, tudo andando muito bem, mas participei da consolidação disso. Devo destacar todo o trabalho feito pelo Planejamento no sentido de mudar a sistemática das contas públicas, os esforços na área de gestão, de buscar recompor quadros nas principais carreiras públicas.
Voltamos a ter uma sistemática de concursos periódicos para órgãos importantes na administração federal. Esse ano, por exemplo, foram autorizados concursos para quinze mil profissionais em áreas estratégicas do governo, com todos os gastos previstos no Orçamento. Ou seja, fizemos uma recomposição dos recursos humanos de forma planejada e sistemática.
Nosso trabalho de planejamento se desdobrou e, mais recentemente, abriu-se para uma perspectiva de integração física com a América do Sul, através da implantação de projetos de infra-estrutura. É a proposta do Ministério, do governo brasileiro, encampada pelos outros países e pelo BID.
5. O que o senhor pensa da proposta de integrar a América do Sul?
A tarefa de integrar a América do Sul é desafiadora, até porque o Brasil cresceu voltado para o Atlântico. Os projetos do Avança Brasil já procuram integrar as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste com o resto do país, o que, além do desdobramento natural, promove uma integração com o Mercosul. Queremos estender isso aos demais países: o projeto está sendo montado e acho que vai requerer muito esforço nos próximos anos para se transformar em realidade.
Na verdade, não apenas temos em mente a perspectiva de um mercado comum, do ponto de vista de regras comerciais e acesso a mercados, mas queremos criar uma rede física de infra-estrutura, que permita maior integração a longo prazo, como ocorreu com a União Européia.
6. Qual sua experiência na área fiscal?
Quando cheguei no Planejamento o projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal já estava no Congresso. No entanto, tive oportunidade, junto com o ministro Martus, de participar intensamente das negociações do substitutivo que trouxe o consenso entre a média das opiniões no Congresso Nacional e o Executivo. O substitutivo de fato nasceu com força, porque foi não só fruto de um acordo, de votação, mas da construção de u
m texto que refletisse as aspirações da sociedade quanto a regras claras de conduta e responsa
bilidade fiscal de controle dos gastos.
Venho participando de todo o trabalho de implementação da lei, que tem mobilizado o Ministério do Planejamento, o Ministério da Fazenda, o BNDES e o Banco Central. Temos hoje uma importante parceria com os Tribunais de Contas dos Estados. Com recursos do Programa de Modernização do Setor Público (Ministério do Planejamento/ BID) estamos fazendo um diagnóstico das necessidades de modernização dos Tribunais de Contas, nossos aliados nessa tarefa de fazer a LRF virar realidade.
7. Houve um momento mais difícil no Ministério do Planejamento?
Vivemos, no último acordo com o FMI, negociado em julho/agosto do ano passado, um momento crítico, de forte instabilidade no mercado internacional, a Argentina já demonstrando problemas crescentes e o Brasil ainda enfrentando o racionamento de energia.
Esse acordo foi importante para reverter as expectativas de mercado e garantir um horizonte de equilíbrio no balanço de pagamentos. Cerca de US$ 5 bilhões já foram disponibilizados pelo Fundo e o governo brasileiro ainda não sacou. Sinal de que o acordo, naquele momento, teve realmente caráter preventivo e representou um instrumento para se reconquistar a segurança e reposicionar as expectativas de mercado com relação à economia brasileira.
9. Quais as prioridades do novo Ministro do Planejamento?
Cabe destacar alguns pontos na nossa agenda de trabalho. Na área orçamentária, a LDO que será produzida esse ano se reveste de uma característica muito importante, porque ela vai sinalizar a política fiscal num regime de transição para um futuro governo. Serão definidas metas fiscais para 2003, com indicações para os anos de 2004 e 2005. Teremos a responsabilidade de conter o Orçamento, dando continuidade a programas importantes e ações de governo.
Vamos publicar o chamado Livro Branco do Planejamento, que é uma espécie de registro, uma consolidação da experiência de planejamento, da metodologia que de certo modo revolucionou o planejamento no governo Fernando Henrique. Queremos fazer um grande balanço do resgate dessa experiência e da integração Planejamento/ Orçamento, apontar aperfeiçoamentos e até sugerir novas etapas. Para isso, estamos também ouvindo técnicos dos estados, municípios, setor privado e do governo.
O projeto de integração física de infra-estrutura da América do Sul deve dar passos importantes em 2002. Em julho haverá uma segunda reunião de presidentes sul-americanos no Equador, e a agenda básica do encontro é justamente esse projeto que o governo brasileiro, através do Ministério do Planejamento, está liderando. Já em maio teremos uma reunião preparatória, reunindo ministros de planejamento, para definir a agenda dos chefes de Estado.
Na área de gestão, queremos deixar uma discussão sistematizada do anteprojeto de lei de licitações de bens e serviços, e para isso fizemos uma ampla agenda de consultas públicas por todo o país, reunindo várias entidades. Esse é mais um legado importante, pois o projeto registra uma proposta de modernização, de redução de custos, de desburocratização e transparência na área de compras governamentais.