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Governador tucano defende cautela na discussão de uma reforma da previdência

Em entrevista ao jornal Valor Econômico nesta quarta-feira (16), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, defende cautela e moderação no debate em torno da reforma da previdência. Para o mais jovem governador do Brasil, o governo deveria considerar a votação da proposta apresentada durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) em vez de “começar do zero”.

A capitalização que está no radar da equipe econômica de Bolsonaro é um assunto para um segundo momento, defende o tucano.

“Acho que o importante é o que já foi discutido e aproveitar a oportunidade política de aprovar isso, sem prejuízo de trabalharmos uma. Só aprovar isso já vai dar outro ânimo à economia nacional, dará suporte às contas. Isso gerará novo ambiente e o governo poderá trabalhar com propriedade no regime de capitalização”, diz o governador.

O ponto mais polêmico é a idade mínima, que ainda não foi fechada pela equipe econômica de Paulo Guedes. A regra atual prevê 30 anos de trabalho formal para as mulheres e 35 anos para os homens. Apesar dos representantes do governo não terem adiantado o teor da proposta, já anunciaram que poderá tentar aprovar uma reforma previdenciária mais radical.

Eduardo Leite também falou sobre o atual momento do PSDB. Para ele, a legenda precisa recuperar a conexão com os cidadãos.

“Acho que a maior sintonia que o país precisa buscar é de relação com a sociedade, num ambiente político que se alterou, ser mais um partido das ruas que se conecte mais com o cidadão. Não significa mudança programática. Essa é a questão mais sensível e que precisa ser cuidada”, disse.

Sobre o governo do Estado, Eduardo Leite disse à reportagem que tem como prioridades aprovar na Assembleia Legislativa, ainda no primeiro semestre, um novo plano de recuperação fiscal dos Estados que inclua a privatização da Sulgás, da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), além de um novo plano de carreira de servidores que endureça as progressões de salário e, se possível, a aposentadoria.

As medidas são consideradas essenciais para acabar com o rombo orçamentário projetado para este ano em R$ 4 bilhões, num ajuste que trará déficit zero, segundo Leite, somente ao fim dos quatro anos de seu mandato. O governador tucano ainda pretende vender o excedente acionário do Banrisul, mas sem perda de controle pelo Estado. A medida é para levantar receitas. A abertura de capital da Companhia de Saneamento Riograndense (Corsan) também está nos planos.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais os primeiros passos para o ajuste fiscal do Estado?

Eduardo Leite: O Estado tem um problema fiscal grave, mais de 70% da receita corrente líquida comprometida por folha de pagamento e por juros da dívida, o que nos insere no contexto do regime de recuperação fiscal. A discussão do plano é de ordem técnica, mas subjetiva, porque precisamos ajustar com a equipe da Secretaria do Tesouro Nacional uma política de recuperação fiscal que pare em pé. E aí tem essa discussão sobre quais ativos precisam ser oferecidos para que o regime de recuperação fiscal efetivamente funcione. Temos ativos como a CRM e a Sulgás.

Valor: E por que não o Banrisul?

Leite: Por uma questão de ordem de prioridades. A despesa de pessoal é alta e 60% desse gasto é com aposentados, 40% com ativos, é um dos poucos que se gasta mais com aposentados do que com ativos um déficit de previdência de R$ 11 bilhões. Então as ações vinculadas à folha de pagamentos são as mais urgentes. Todas essas reformas passarão pela Assembleia Legislativa: a venda das três estatais que mencionei e as reformas estruturantes que reduzam o custo do Estado. Paralelamente a isso vamos trabalhar em aumento de receitas, como a nossa companhia de saneamento [Corsan]. Nós pretendemos prepará-la, o que leva um tempo, para abrir seu capital.

Valor: Há estimativa de receita?

Leite: Algo perto de R$ 1 bilhão, mas é estimativa, isso tem que ser trabalhado mais profundamente. No Banrisul existe também excedente acionário do banco controlador, da holding, e também nas subsidiárias. Há uma subsidiária de cartão de crédito, por exemplo. Tem uma série de ações que podem ser levadas ao mercado, sem perder o controle. Não adianta eu privatizar o banco e não resolver que estruturalmente está provocando desequilíbrio no Estado.

Valor: Quais são as reformas estruturais? O senhor vai alterar carreira dos servidores, progressões automáticas?

Leite: Sim, é inevitável. O plano de carreira de servidores do magistério no Estado é 1974. Precisamos fazer reformas na estrutura de carreira para reduzir a precocidade de aposentadorias na Polícia Militar. Temos casos de servidores se aposentando aos 38 anos de idade e isso não se sustenta. Gratificações que se incorporam no salário, licenças-prêmio que ainda existem. Tudo isso precisa ser revisto para que ter um sistema que estimule o servidor e pare em pé do ponto de vista fiscal.

Valor: Quando o projeto de lei será enviado?

Leite: Tenho expectativa que dentro do primeiro quadrimestre já esteja tudo na Assembleia para ser aprovado até o fim do primeiro semestre.

Valor: Há expectativa da redução de gastos?

Leite: Ainda não. Determinei à minha equipe que toda a legislação possível de ser feita de forma infraconstitucional no Estado em relação à previdência e às carreiras dos servidores, que nós façamos essas medidas.

Valor: E o novo plano de adesão à recuperação fiscal, qual o prazo?

Leite: Estamos em negociação com o Tesouro Nacional. Nós hoje estamos sob os efeitos de uma liminar que nos confere o direito de não pagar a dívida com a União, numa condição de insegurança jurídica. A expectativa é de que a gente consiga também dentro do primeiro semestre deste ano aderir. O que determinei à minha equipe é que não precisamos esperar a adesão para aprovar e tomar providências que já constam do plano, como é o caso das privatizações ou das reformas em planos de carreira.

Valor: Qual o déficit do Estado?

Leite: O déficit financeiro projetado para este ano é de R$ 4 bilhões. Temos R$ 1 bilhão de insuficiência entre receitas e despesas do ano, mais os restos a pagar, o salário atrasado e todas as despesas de exercícios anteriores, o que resulta nos R$ 4 bilhões.

Valor: Em quanto tempo o senhor acha que as contas do Estado estarão ajustadas?

Leite: Aprovamos a manutenção das alíquotas majoradas de ICMS por mais dois anos. Nesse período queremos rever o sistema tributário para torná-lo mais inteligente e projetar redução gradual para os anos seguintes. A expectativa é de que no final das contas o ajuste de contas, o chamado déficit zero vá levar os quatro anos de governo, dependendo evidentemente das condições econômicas do Brasil. Quando conversei com o presidente [Jair] Bolsonaro e com o ministro Paulo Guedes, destaquei a eles que o Rio Grande do Sul não é uma ilha que independa das condições do Brasil. Nós temos total interesse no crescimento econômico e para isso entendo que as reformas são muito importantes, a começar pela reforma da previdência. Se não somos ilhas que independam do governo federal, é importante que o governo federal compreenda que não é independente do desempenho dos Estados. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro são importantes na economia nacional e outros Estados também precisam se recuperar. Os Estados vão demandar do governo federal uma política de apoio à recuperação fiscal dos governos estaduais.

Valor: O senhor mencionou a reforma da previdência. Há várias propostas em debate. Qual o senhor considera ideal?

Leite: Eu entendo que o ideal é a gente trabalhar com o que já foi apresentado pelo governo do presidente [Michel] Temer. Boa parte dos deputados e partidos político ao final deste ano estarão se debruçando sobre as eleições municipais do ano que vem. Se não for aproveitada essa janela de oportunidade política, eu diria que especialmente o primeiro semestre de 2019, o ambiente ficará politicamente tumultuado, o que dificulta a aprovação no Congresso. Então eu defendo que não se recomece do zero e que se trabalhe na proposta já trazida pelo governo anterior, que tem bases importantes, como a idade mínima.

Valor: O senhor acha que tem espaço para discutir capitalização?

Leite: A capitalização é um formato que parece o mais adequado. O grande tema é como fazer a transição de sistemas, com que recursos diante de um governo federal e de governos estaduais que estão com grave problema fiscal. Eu defendo que o que possa ser trabalhado como um sistema ideal, ser projetado para a frente, mas não pode prescindir de um processo da transição.

Valor: Mas há espaço para discutir agora ou é melhor deixar para um segundo momento?

Leite: Acho que tem que trabalhar primeiro tempo de serviço e idade mínima para depois entrar na questão da capitalização. Acho que o importante é o que já foi discutido e aproveitar a oportunidade política de aprovar isso, sem prejuízo de trabalharmos uma. Só aprovar isso já vai dar outro ânimo à economia nacional, dará suporte às contas. Isso gerará novo ambiente e o governo poderá trabalhar com propriedade no regime de capitalização.

Valor: Dos grandes partidos, o PSDB é um dos poucos que não se posicionou sobre essa questão de ser da base ou não do governo Bolsonaro. Como o senhor vê isso?

Leite: Acho que não é o caso sobre ser base de apoio. Entendo que o partido precisa apoiar uma agenda para o Brasil, especialmente na área da economia. O que o ministro [da Economia} Paulo Guedes tem falado sobre reformas econômicas, tanto na previdência, como outras em relação à reforma tributária, questões de imposto sobre valor agregado, simplificação, melhor distribuição de recursos, desvinculação das receitas, são agendas que são as minhas e que entendo sejam as do PSDB. Então acho que o PSDB deve apoiar e ajudar a construir e dar suporte político e técnico, com seus quadros, de modo que isso se efetive. O que não significa ser um apoio incondicional de adesão ao governo. Até porque outras pautas nós temos diferenças, especialmente naquelas que dizem respeito a questões culturais, comportamentais, agenda do PSDB como partido social democrata tem uma diferença em relação ao atual governo.

Valor: Seria então uma certa independência, mas com apoio à agenda do governo federal?

Leite: Perfeito. O PSDB tem sua agenda, eu não entendo que uma agenda que não tenha sido a eleita num processo eleitoral necessariamente tenha sido derrotada a ponto de ser abandonada. Nós temos uma agenda, um programa de governo que foi apresentado, continua sendo para mim o melhor programa de governo para o Brasil. A população escolheu outro caminho agora. Então vamos ver os pontos que convergem da nossa agenda com essa que foi aprovada pela população, dar o suporte e naquilo que diverge deixar marcada nossa posição, sem nos afastarmos da nossa agenda também.

Valor: Há um debate sobre necessidade de reestruturação do partido. O senhor concorda com isso e de que forma poderia acontecer?

Leite: Acho que a maior sintonia que o país precisa buscar é de relação com a sociedade, num ambiente político que se alterou, ser mais um partido das ruas que se conecte mais com o cidadão. Não significa mudança programática. Essa é a questão mais sensível e que precisa ser cuidada. Reconhecimento de que o partido tomou distância das ruas e precisa se atualizar nessa relação não significa mudança de conteúdo programático. O PSDB tem reconhecimento ao mercado, à iniciativa privada, às privatizações, defende uma política econômica moderna. Mas tem visão do Estado na vida da sociedade, onde o mercado não vai resolver o assunto considerando que o Brasil é um país de abismo social gigantesco. O Estado tem um papel em promoção social, em redistribuição de renda, que não pode ser negado. E esse programa para mim não pode ser colocado no lixo porque simplesmente o PSDB não foi o escolhido. Temos que manter a defesa do nosso programa e buscar convencer a população dele. O PSDB perdeu a conexão com a sociedade, entre outros fatores, por não discutir os problemas éticos dos seus integrantes. O partido precisa discutir e dar consequência aos desvios de comportamento ético dos membros de seu partido, seja quem for, o tamanho que tiver dentro do partido. O partido perdeu a conexão com a sociedade, entre outros fatores, por não discutir problemas éticos

Valor: Não há necessidade de dar uma guinada centro-direita, no aspecto ideológico?

Leite: O partido foi durante muito tempo acusado de ser o neoliberal no Brasil, o que também era uma acusação injusta. Agora, diante do novo quadro, há a acusação de alguns de que o partido é esquerdista. Acho que a razoabilidade do PSDB não é muro. A posição do PSDB é justamente pragmática, de reconhecimento de um mercado que tem força, que é quem gera riqueza, precisa ter espaço, dar espaço para quem tem capacidade de produção e proteger aqueles que que ainda não têm capacidade.

Valor: O governador Doria falou no nome do Bruno Araújo como próximo presidente nacional do PSDB. É uma boa opção?

Leite: Tenho boa relação com o deputado Bruno Araújo, sem dúvida nenhuma é uma opção. Mas acho que a gente tem que discutir isso bem dentro do partido com todas as forças que foram legitimadas pelas urnas, inclusive governadores, senadores, deputados, novos deputados. Acho que o partido precisa aprimorar a sua governança interna. Não é sobre ter alguém na presidência do partido que politicamente represente um grupo. Temos que ser um partido mais aberto à discussão, à conciliação interna, sem significar que essa conciliação ser acomodação.

Valor: A ex-governadora Yeda [Crusius] comentou o interesse de concorrer à presidência do partido. O senhor chegou a tratar com ela sobre o assunto?

Leite: É uma aspiração legítima, ela tem sua história dentro do partido, tem que ser respeitada. Mas acho que a gente precisa discutir novos caminhos. Não houve ainda uma conversa. Vamos começar a discutir os processos de convenção municipais, convenções estaduais e em seguida a convenção nacional. Agora vai se deflagrar esse processo e pretendo participar identificando de que forma podemos melhorar a governança interna e o compliance. O senador Tasso Jereissati vinha num caminho interessante na presidência interina do partido, quando o senador Aécio [Neves] se afastou. Infelizmente levou uma rasteira quando estava levando adiante um processo autocrítica do partido e até de novas ferramentas de compliance dentro do partido. Isso precisa ser retomado.

Valor: Ele seria um bom nome?

Leite: Ele é seguramente um bom nome, não tive oportunidade ainda de conversar com ele. Não tivemos oportunidade de avançar nisso, mas é algo que eu pretendo tratar agora nas próximas semanas.

Valor: Há quem veja no governador Doria pretensão de se candidatar à presidência em 2022. Como o senhor vê essa possibilidade?

Leite: Acho que é precipitado. Naturalmente o governador de São Paulo é e sempre será uma força grande, dado o tamanho, a economia do Estado. É natural que o governador de São Paulo tenha força política dentro do partido e no cenário nacional. Isso dá automaticamente condição de ser nome para o futuro? Não. É muito precipitado. Tenho certeza de que o próprio governador João Doria tem consciência de que o momento é focar no próprio governo. Quando me perguntam quais meus próximos passos no futuro político, os próximos passos são os que me interessam no governo do Rio Grande do Sul, sem o que nenhum passo projetado poderá ser firmemente dado se eu não tiver governo que respalde. O foco é governar, dar bons resultados. Bons resultados de governo é o que legitimam pretensões políticas, não simplesmente aspiração pessoal.

Valor: Governadores do Norte e Nordeste que apoiaram Fernando Haddad (PT) na corrida presidencial agora parecem estar num bloco diferente dos demais governadores. Como isso afeta a agenda dos Estados junto ao presidente Bolsonaro?

Leite: Os Estados precisam se organizar, como em uma associação, num modelo que os Estados Unidos têm. Uma estrutura que ajude a coordenar e entender a realidade comum para definir uma política conjunta dos Estados com o governo federal. Defendo que se transcenda a questão político partidária.

Reportagem Shirley Loiola com informações do jornal Valor Econômico/Foto: Secom/Palácio Piratini

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