O governo federal fez uma grave opção política ao abandonar a referência da legitimidade para atuar nas brechas da legalidade, onde vale tudo o que não é expressamente proibido.
Com isso, veste com nova roupagem aquele velho “jeitinho” do brasileiro que gosta de levar vantagem em tudo, imagem injustamente alardeada sobre a nossa gente que traduz um comportamento baseado na esperteza e nas artimanhas, quase sempre relacionado à burla das regras e das leis.
O “jeitinho” oficial, estimulado pelo governo, ganha contornos mais nítidos nas transgressões éticas cometidas reiteradamente, no dia a dia.
Quando, e com base em que, o governo decidiu que não precisa prestar contas do que faz aos brasileiros?
A semana passada foi pródiga em exemplos.
A ida a Lisboa não precisaria ter tomado a dimensão que tomou se o governo tivesse se posicionado com transparência e clareza.
A afirmação da presidente, “eu pago a minha conta”, ao tentar tirar o foco do debate e reduzir uma questão ética ao valor de uma despesa de restaurante, só fez piorar a situação.
Por que, afinal, os brasileiros não podem saber onde está a maior autoridade do país e quanto custam suas viagens?
O episódio fez o país passar pelo constrangimento de ver o seu chanceler ser publicamente desmentido e a sua presidente deixar um hotel pela porta dos fundos, remetendo a imagem do Brasil à de uma republiqueta.
Esse, aliás, seria um momento oportuno para que a presidente explicasse por que, em maio passado, decidiu impor sigilo sobre as informações das suas viagens ao exterior que, agora, só poderão ficar públicas após o término do seu mandato.
E por que todas as restrições impostas para a divulgação das condições do financiamento do BNDES a Cuba?
O que há nessa transação que incomoda tanto o PT?
Na prática, a falta de transparência gera efeito contrário: alimenta teorias e suposições e acaba fazendo mais mal ao governo do que a verdade faria.
Na mesma linha, a propaganda virou a alma do governo.
O exemplo da presidente, ao convocar redes oficiais de rádio e TV, de acordo com a sua conveniência eleitoral, parece ter estimulado o ministro da Saúde a também buscar a sua exposição como candidato às custas da máquina pública.
Nos anos anteriores, ele ocupou esse espaço sempre na véspera das campanhas de vacinação para mobilizar a população para o dia seguinte.
Dessa vez, sob o mesmo pretexto, aproveitou seus últimos dias no cargo para anunciar, em janeiro, uma campanha de vacinação que só vai começar em março.
O conjunto da obra é acintoso.
Pode ser que um dia chegue a conta por toda essa arrogância.
E ela não poderá ser paga com cartão corporativo.
*O artigo assinado pelo presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), está publicado no jornal Folha de S. Paulo desta segunda (3)
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