A Prefeitura de São Paulo firmou 108 contratos de emergência em oito meses de governo Marta Suplicy (PT). Somados, os valores comprometidos sem a realização de licitação ou concurso público chegam a R$ 270 milhões.
Levantamento feito pelo Estado em edições do Diário Oficial do Município de 1.º de janeiro a 31 de agosto aponta que 14 pastas da Prefeitura contrataram sem licitação ou concurso. A Secretaria da Saúde aparece em primeiro, com 53 emergências. Em seguida vem a Secretaria do Abastecimento, com 12.
De acordo com o governo petista, a situação deixada pela administração anterior, que cancelou contratos e não renovou outros, obrigou, em muitos casos, a atual gestão a contratar sem licitação. ¥Isso é desculpa¥, rebate o assessor de Comunicação do ex-prefeito Celso Pitta (PTN), Antenor Braido.
A administração cita outros fatores que teriam provocado a série de contratações de emergência. Entre eles estão a transição do modelo de saúde, além de uma série de imprevistos no início do ano, como o incêndio no Almoxarifado Central da Secretaria do Abastecimento.
Apesar dessas explicações, os números chamaram a atenção da Promotoria de Justiça da Cidadania, órgão do Ministério Público Estadual responsável pela investigação de atos de improbidade de administradores públicos. ¥Os dados apontam uma falta de organização da administração em relação ao acompanhamento dos contratos¥, afirma o promotor Sérgio Turra Sobrane, secretário da Promotoria da Cidadania.
Foram 30 contratos sem licitação para compra de materiais, como medicamentos, alimentos para escolas e colchões para desabrigados. Outras 28 emergências foram firmadas para realização de serviços, como os de vigilância. No setor do lixo, cujos contratos são os mais caros da administração municipal, a Prefeitura firmou quatro acordos sem concorrência pública cujos valores, somados, atingem cerca de R$ 190 milhões.
O restante das contratações de empresas sem licitação serviu para a realização de obras de manutenção, reformas e aluguel de equipamentos. Marta ainda autorizou a admissão sem concurso público de 14.800 funcionários, entre fiscais, agentes, professores e médicos e prorrogou contratos de emergência de outros 598.
Lei – As contratações de emergência estão previstas na Lei Federal 8.666/93 em casos de ¥urgência no atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares¥.
Especialistas ouvidos pela reportagem do Estado apontam dois problemas que podem ocorrer nesse tipo de contrato: preço mais alto do que em contratos licitados – a Prefeitura garante os valores diminuíram em relação às administrações anteriores – e favorecimento de empresas, por causa da diminuição de concorrência.
No segundo caso, houve acusações a Marta quando a Prefeitura contratou a Construrban, empresa de lixo de um ex-militante do PT, e outras três doadoras de sua campanha. A administração nega qualquer tipo de favorecimento a aliados.
De acordo com o advogado e consultor de direito administrativo Antônio Carlos Cintra do Amaral, especialista em licitações e contratos, não se pode condenar contratações de emergência sem um estudo minucioso de cada caso. ¥É preciso saber os motivos que resultaram na emergência. Em muitos casos, ela é inevitável, mas em outros pode resultar da inércia ou até mesmo de atitude preconcebida¥, alerta.
Incômodo – O jurista Ives Gandra Martins afirma que o número de contratos sem licitação neste início da gestão é elevado, mas acredita na mudança da situação. ¥Marta assumiu num momento difícil, precisou das emergências, mas terá de concluir as licitações o mais breve possível, senão estará sujeita a dispositivos legais¥, diz o jurista. ¥Isso deve estar incomodando muito a prefeita.¥
De acordo com a Promotoria da Cidadania, mesmo que a Prefeitura gaste menos nos contratos de emergência, pode estar sujeita a cometer violação da Lei 8.666/93 caso a licitação seja dispensada indevidamente. ¥Quando há mudança de governo, o administrador fica numa situação difícil, mas não pode extrapolar nos contratos de emergência¥, afirma Sobrane.
Só em agosto houve 24 emergências
Prefeitura fará pelo menos mais duas contratações sem licitação este ano
Mesmo após seis meses de acompanhamento de contratos e retomada de serviços que haviam sido paralisados, a administração municipal fechou 24 emergências entre 1.º de julho e 31 de agosto. E, em pelo menos dois casos, novos contratos sem concorrência pública devem ser firmados ainda neste ano. O principal argumento dos setores responsáveis pelos acordos é que não houve tempo suficiente para concluir as licitações.
No caso de serviços de coleta de lixo e varrição, por exemplo, o edital da megaconcorrência ainda nem foi lançado – a previsão é de que ele esteja concluído neste mês. Os atuais contratos de emergência do lixo terminam em outubro e o secretário de Serviços e Obras, Jorge Hereda, já afirmou que uma nova contratação sem licitação será inevitável. ¥O edital é um trabalho de fôlego¥, diz o diretor do Departamento de Limpeza Urbana (Limpurb), Marco Fialho.
O secretário da Assistência Social, Evilásio Farias, também pretende fechar novos acordos de emergência até o fim do ano. Segundo ele, as contratações farão parte do projeto da pasta que pretende criar 20 mil vagas nas creches municipais. ¥Nossa idéia é terceirizar os serviços de limpeza, segurança e cozinha até o fim do ano, pois estamos impedidos de contratar pela Lei de Responsabilidade Fiscal¥, diz Farias.
Os novos contratos de emergência da Assistência Social valeriam até o fim do ano, pois em 2002 a pasta já poderia abrir concursos para funcionários.
¥Hoje as creches atendem 70% de sua capacidade por falta de funcionários¥, afirma Farias. ¥Poderemos abrir 10 mil vagas sem construir nenhuma creche sequer.¥
Ao contrário dos casos de Serviços e Obras e da Assistência Social, a Secretaria da Saúde tentará acabar com a situação de emergência da pasta nos próximos meses. A Saúde gasta hoje mensalmente R$ 6,5 milhões com serviços sem licitação. ¥Para cada emergência, há uma licitação em andamento. Não haverá mais contratos sem licitação a partir de agora¥, diz o chefe de gabinete da pasta, Paulo Carrara.
O setor foi o que mais sofreu com a mudança de administração por causa do fim do Plano de Atendimento à Saúde (PAS). A Prefeitura teve de retomar mais de cem unidades básicas de atendimento, além de hospitais, que, durante o PAS, ficaram com cooperativas privadas. ¥A secretaria perdeu o histórico do que era preciso para manter a Saúde funcionando. Não sabíamos quais eram as condições da rede.¥
Merenda – O secretário do Abastecimento, Jilmar Tatto, que chegou a ser criticado por vereadores da base de sustentação do governo na Câmara Municipal por causa das contratações de emergência, usa o mesmo argumento. ¥Não tínhamos no início do ano a dimensão de quantas escolas gostariam de participar do novo programa de alimentação¥, afirma o secretário.
Tatto firmou 12 contratos de emergência, entre eles a terceirização dos serviços de preparo de merenda, que custa R$ 2,5 milhões ao mês. A licitação para o serviço, que vem sendo prestado há um mês, ainda não foi aberta.¥Estamos cercando o edital para não haver nenhuma contestação¥, diz.
O titular da Secretaria de Implementação das Subprefeituras, Arlindo Chinaglia, afirma que a contratação de emergência feita por sua pasta para a operação tapa-buracos foi boa para os cofres públicos. ¥Diminuímos em até 40% o preço dos serviços.¥ (C.C.)
Administração reduziu preços, diz secretário
Perguntas sobre contratos de emergência irritam Rui F
alcão
O secretário municipal de
Governo, Rui Falcão, garante que todos os contratos fechados na gestão Marta Suplicy (PT) estão de acordo com a Lei das Licitações e afirma que a situação de emergência de serviços da administração municipal não o incomoda. Falcão assinou um contrato sem licitação em agosto para a sua pasta. Por R$ 89.400,00, contratou uma empresa para fornecimento de dez peruas, que serão utilizadas por técnicos no levantamento das áreas de risco da cidade. Para o secretário, o contrato sem licitação era ¥mais conveniente ao interesse público.¥
Rui Falcão recebeu a reportagem do Estado em seu gabinete, irritou-se com as perguntas e confundiu-se ao dizer que o edital do lixo já estava à venda – a previsão é que isso aconteça em meados deste mês. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Estado – Por que tantos contratos de emergência?
Rui Falcão – A nossa filosofia é agir dentro da lei, fazer prevalecer o interesse público e ter como praxe as licitações. Nós realizamos emergências basicamente por conta do descalabro das administrações anteriores. Na área de obras públicas tivemos que fazer face aos problemas de bueiros entupidos, cratera nas ruas. Também tivemos emergências em áreas essenciais como o Leve-Leite, que teve o contrato extinto no início da gestão. E você não lança um edital e faz uma licitação em menos de dois, três meses. E tem a área de pessoal. Nós pegamos escolas ocas, com prédio, mas sem efetivo. Para contratar professores, precisamos fazer emergência. A contratação de emergência de pessoal gera de imediato a obrigação legal de fazer concurso público. Na área de saúde a mesma coisa. Teve a transição do PAS para o SUS, então foram feitas contratações de médicos.
Estado – Parte dos contratos foi…
Falcão – Outra coisa. Você não encontra nos contratos de emergência preço superior ou igual aos contratos anteriores. O que mostra que contratamos bem, reduzimos custos em relação à administração anterior. Isso é essencial.
Estado – Há contratos de emergência fechados agora, em agosto. Não houve demora para fazer licitações?
Falcão – Você pega, por exemplo, os contratos de lixo. Eles vêm com emergência há várias gestões, porque há trâmites jurídicos, obstruções.
Estado – Mas o edital do lixo não foi lançado ainda.
Falcão – Claro que foi, já teve audiência pública. Se informe melhor.
Estado – O edital não está à venda.
Falcão – Está encerrada a entrevista.
Estado – Eu tenho mais perguntas.
Falcão – (Irritado) Mas eu não tenho mais o que falar. Eu te dei as informações sobre os contratos de emergência. Você tem uma falha. Já está partindo do pressuposto: ¢o edital de lixo não foi lançado¢. Nós estamos com processo público. Teve audiência pública para lançar o edital do lixo.
Normalmente não se faz nem audiência pública para lançar edital. Estamos fazendo com transparência, você está falando de contratos de emergência e eu estou explicando. Você está adulterando, já está desviando a matéria. Se você quer fazer a matéria sobre isso, você me peça entrevista sobre isso.
Estado – Incomoda a administração ter tantos contratos de emergência?
Falcão – (Ainda irritado) Não, não incomoda, tanto é que eu tratei de todos eles com você e disse que nosso princípio é ter todas contratações por concurso e licitação, suprindo as emergências, como nós estamos fazendo. Não incomoda nada. Emergência é exceção. E todos os governos, muitas vezes, são forçados a fazer emergências.
Estado – Quanto aos contratos fechados após seis meses de governo…
Falcão – Todos os contratos são regulares. Resultaram em redução de preços, atendendo ao interesse público. Não permitindo solução de continuidade de serviços essenciais.
Estado – A Secretaria de Governo contratou por emergência em agosto uma empresa para fornecer dez Kombis. Por que não foi feita a licitação?
Falcão – Porque a gente achou que era mais conveniente ao interesse público, dada a questão envolvida, fazer por emergência e não fazer por carta-convite.
Estado – O modelo licitatório não é mais transparente para o interesse público?
Falcão – Não quando você coteja preços e atende emergência, não há preferência.
Estado – Não existe diferença, nesse caso, entre emergência e licitação?
Falcão – Se você tiver constatação de lesão ao interesse público, você denuncie. (O secretário levanta-se irritado e encerra a entrevista). (C.C.)