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Matérias Financial Times

FHC mantém cabeça fria

O presidente brasileiro continua despreocupado com a ascensão da esquerda e a instabilidade na América Latina

Richard Lapper e Raymond Colitt
Financial Times
Em Brasília

Segundo quaisquer padrões, o presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, enfrenta alguns desafios formidáveis. A coalizão política do governo se desfez e seus adversários de esquerda estão ganhando terreno nas pesquisas de opinião para as próximas eleições, em outubro.

Atualmente parece que os vizinhos latino-americanos do Brasil estão se aprofundando no caos. Ao sul, a economia argentina está se desintegrando; a oeste, a guerra civil na Colômbia se intensifica; e ao norte a Venezuela vem batendo recordes de instabilidade política depois da saga do golpe e contragolpe no último fim de semana.

Mas nada disso perturba a tranqüilidade no Palácio da Alvorada em Brasília, lar do presidente brasileiro nos últimos sete anos. Uma brisa suave percorre os espaçosos corredores do edifício, e FHC surge refrescado depois da natação matinal na piscina olímpica do palácio. ¥Desde que estou no cargo, somente em dois anos não houve crise¥, diz o setuagenário, que se prepara para deixar a política quando completar seu segundo mandato de quatro anos no final de 2002.

Desde a eleição em 1994 Cardoso construiu sua reputação derrotando a inflação crônica e estabelecendo o equilíbrio macroeconômico. Mas seu período no cargo foi afetado por dificuldades que ameaçam manchar o recorde de um dos presidentes mais populares do Brasil nos tempos modernos. As crises financeiras no México, na Ásia, na Rússia e na Argentina perturbaram os mercados brasileiros e mantiveram altas as taxas de juros.

O crescimento econômico foi mais lento que o necessário para enfrentar uma série de problemas sociais prementes. Nos últimos meses, a crise na Argentina levou muitos brasileiros a questionar as reformas voltadas para o mercado. Alguns analistas acreditam que o Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda, tem possibilidade de vencer as eleições e poderia começar a rever as políticas recentes. O golpe militar na Venezuela pode ter sido revertido, mas para muitos ele simplesmente salientou a fraqueza da democracia na região.

Cardoso não concorda com nada disso. Ele diz que a reação ao golpe na Venezuela e o retorno de Chávez ao poder ressaltaram a solidez do compromisso da região com a democracia e o regime constitucional. Ele diz que a América Latina ¥superou a era de golpes de Estado¥ e que o estabelecimento na região de ¥um sistema de liberdades públicas e privadas¥ foi uma das mudanças mais importantes da última década.

Essas convicções ajudam a explicar as recentes diferenças com os Estados Unidos, que na semana passada apressadamente deram as boas-vindas ao governo passageiro que sucedeu a Chávez. Cardoso minimiza as tensões comerciais e diz que ¥não há um verdadeiro choque entre Brasil e Estados Unidos¥. Mas critica a diplomacia do governo Bush, que segundo ele ¥ainda está numa fase de aprendizado em termos de como lidar com a América Latina¥.

Ele também é um firme defensor da globalização e diz que três dos países mais importantes da região -México, Chile e Brasil- extraíram benefícios significativos, principalmente devido a dois fatores: o desenvolvimento de novos laços com a economia internacional e o sucesso dos governos na gestão dos choques externos.

O México uniu-se ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta); o Chile desenvolveu novas exportações, ao identificar nichos de mercados agrícolas; e o Brasil aumentou seu próprio mercado com o desenvolvimento do Mercosul, a união alfandegária sul-americana.

Enquanto isso, os governos de sucesso aprenderam a administrar as pressões externas e a conquistar o apoio público para algumas medidas impopulares, como cortes de gastos ou aumentos de impostos. ¥É besteira dizer que estamos sob as ordens do exterior¥, diz FHC. Para ele, que era um destacado sociólogo e acadêmico brasileiro antes de entrar na política, a política envolve um elemento pedagógico.

¥Quando tivemos nossa batalha contra a inflação, dissemos que explicaríamos passo a passo o que iria acontecer¥, ele disse. O método foi empregado com êxito novamente no ano passado, quando o Brasil conquistou o apoio popular para o racionamento de eletricidade e outras medidas que ajudaram o país a superar uma grave crise energética. ¥É preciso ter força moral para dizer a verdade.¥ O fracasso dos governos em agir com transparência e credibilidade foi um importante fator que contribuiu para as crises venezuelana e argentina. Chávez teve dificuldades para desenvolver uma política econômica popular e de credibilidade. Na Argentina, os sucessivos fracassos dos governos do final dos anos 90 corroeram a crença popular na liderança política.

A crise da Argentina também se aprofundou devido às amplas reformas econômicas liberais introduzidas no início da década de 1990, diz Ferando Henrique. No Brasil e no Chile o processo de reformas foi mais brando. Enquanto a Argentina vendeu virtualmente todas as companhias estatais, o Brasil manteve nas mãos do Estado os principais bancos e empresas de petróleo. ¥Aqui nunca houve qualquer possibilidade de neoliberalismo. Este é um país muito pobre, e o Estado sempre vai ter um papel importante para atenuar as diferenças sociais¥, ele diz. ¥Nós liberalizamos, mas não arrasamos tudo o que existia antes. No Brasil os gastos oficiais na verdade aumentaram como uma porcentagem da produção econômica.¥ Mesmo assim, FHC acredita que as mudanças que ocorreram no Brasil modificaram o terreno em que são travadas as batalhas políticas internas. Isso sustenta sua previsão confiante para a eleição de outubro. Por exemplo, a modernização do setor público, com a introdução da transparência nas contas públicas e o desenvolvimento de um poder judiciário mais independente, desgastou o poder das elites proprietárias de terras. Isso reduziu a influência dos partidos de direita, como o Partido da Frente Liberal (PFL), que recentemente deixou a coalizão de governo.

Ao mesmo tempo, a popularidade da baixa inflação e a crescente sofisticação dos eleitores brasileiros significa que será difícil para um governo do Partido dos Trabalhadores liderar uma virada para a esquerda. Na verdade, o PT teve de desviar sua política para o centro para conquistar apoio.

FHC ainda não está convencido. ¥A posição deles é apenas ganhar a eleição, ou isso realmente indica uma mudança em sua maneira de ver o mundo? Se for apenas o primeiro, o eleitorado não vai acreditar.¥

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Para Fernando Henrique, retorno de Chávez favorece a democracia na região

Raymond Colitt e Richard Lapper
Financial Times
Em Brasília

O regresso de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, ocorrido no final da semana passada após um contragolpe, contribuiu para a consolidação da democracia na América Latina, afirma o presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso.

O Brasil e vários outros países vizinhos questionaram a constitucionalidade do golpe inicial que depôs Chávez e abriu caminho para que uma junta controlada por empresários assumisse brevemente o controle do país. FHC declarou ao Financial Times, em entrevista concedida nesta semana, que a rejeição regional do golpe contra Chávez reforçou a tendência atual de respeito às regras constitucionais na América Latina.

¥Estamos satisfeitos por termos superados coletivamente a era de golpes de estado na região, e quando os acontecimentos na Venezuela assumiram as feições de um golpe militar houve uma reação por parte de todos¥, ele disse. A posição brasileira se contrapõe à posição do governo americano, que na te
rça-feira admitiu ter sido informado antecipadamente do primeiro golpe, mas insistiu em afirmar q
ue não auxiliou as autoridades rebeladas em qualquer aspecto.

A retórica populista e muitas vezes anti-americana de Chávez, bem como sua proximidade com Cuba e Fidel Castro, irritam Washington já há um bom tempo. Apesar da recente onda de tumultos na América Latina, desde a crise econômica argentina até a intensificação da guerrilha colombiana, a região preservou as liberdades públicas e civis elementares, afirmou o presidente brasileiro.

¥A crise não afetou os valores elementares da democracia, da liberdade de expressão e da livre organização da sociedade. Não podemos negar que ocorreram avanços¥. Em toda a região, o maior desafio para a democracia foi a garantia da ética na política – uma tarefa mais árdua na Argentina do que na Venezuela, aponta FHC, que permaneceu no exílio durante a ditadura militar brasileira.

¥Até onde sei, não houve grandes escândalos (de corrupção) na Venezuela. Na Argentina houve, e isto fez com que a legitimidade ficasse bastante prejudicada no país¥. A mídia e a sociedade hoje vigiam mais a conduta dos políticos na América Latina e exigem uma postura mais ética, ele acrescentou.

¥O problema de Chávez não é a falta de legitimidade política – ele reformou o Congresso e a Corte Suprema com apoio popular – mas sim a definição de um rumo viável, um caminho no qual se possa seguir¥, afirmou Fernando Henrique. ¥O risco está na perda deste apoio. O povo quer resultados – melhores salários, crescimento econômico, educação¥, afirmou o presidente brasileiro, que aconselhou Chávez constantemente ao longo dos últimos três anos e telefonou duas vezes para o ex-coronel em meio à crise da última semana.

Logo após o contragolpe ele afirmou que Chávez deveria iniciar um diálogo aberto com a sociedade e considerar a hipótese de uma anistia a seus inimigos. ¥Creio que ele será mais moderado. É o que espero. Seria bom para toda a região¥.

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