Ainda comemorando mais um recorde na produção de grãos – 98 milhões de toneladas -, o Brasil começou a plantar a safra 2001/2002. As perspectivas são ainda mais promissoras.
As medidas tomadas pelo governo federal, que compõem o Plano Agrícola e Pecuário para a próxima safra – acréscimo de 30% nos créditos para custeio e investimento no setor rural, dos quais 80% com juros fixos de 8,75% ao ano, entre outras – nos levam a acreditar que, em julho de 2002, estaremos novamente celebrando mais uma grande produção agrícola – cerca de 100 milhões de toneladas, meta que parecia difícil de ser alcançada em 1995, quando atingimos 81 milhões de toneladas.
Naquela época, comemorávamos mais 39 milhões de toneladas na nossa produção agrícola, obtidos em 20 anos. Hoje, constatamos que acrescentamos, somente nos últimos seis anos, mais 17 milhões de toneladas à produção brasileira.
Mas números recordes de produção são, por si sós, motivo para celebração? É sabido que alcançamos, a cada ano, milhões crescentes de toneladas de alimentos sem aumento significativo na área plantada e utilizando técnicas compatíveis com a sustentabilidade do meio ambiente. Que ampliamos a oferta de grãos, frutas, hortaliças e carnes a preços baixos, contribuindo para que o Brasil possa ter mais segurança alimentar. Que nos firmamos como competidor respeitável diante de um mercado externo mais exigente por qualidade.
Safras recordes são celebradas por isso. Por causa delas, afastamos também, paulatinamente, os fantasmas do desabastecimento e dos altos preços dos produtos – comuns nas décadas de 60, 70 e parte de 80 -, reduzimos nossas importações de alimentos e contribuímos, decisivamente, para a entrada de mais divisas no país.
O que talvez pouco tenhamos mensurado sejam os ganhos na qualidade de vida da população brasileira que decorrem do aumento da produção e da produtividade agrícolas. Impactos do desenvolvimento agrícola sobre a geração de renda, crescimento populacional, arrecadação de impostos e desenvolvimento humano foram avaliados recentemente pelo economista Régis Bonelli, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Seus levantamentos mostram que o crescimento da agropecuária foi decisivo para a inclusão social de parcela considerável da população e, na verdade, antecede e determina o crescimento dos setores de indústria e serviços. Em alguns dos municípios estudados pelo economista, levando-se em conta o período de 1975 a 1996, observa-se que a cada 1% de aumento da renda agropecuária corresponde 1,07% da renda não agropecuária.
Bonelli relaciona crescimento da agropecuária e bem-estar. Recorre, em seu estudo, a indicadores que compõem o Índice de Condições de Vida (ICV), estruturado por metodologia idêntica à utilizada na construção do Índice de Desenvolvimento Humano, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como base empírica dos Relatórios de Desenvolvimento Humano (IDH), responsáveis por monitorar o processo de desenvolvimento mundial nos anos 90.
Às três dimensões associadas ao desenvolvimento humano utilizadas no IDH – renda, educação e longevidade – foram somadas outras duas, dedicadas, segundo o economista, a retratar a situação da infância e das condições habitacionais. O economista corrobora seu pressuposto e conclui que as condições de vida e de inclusão social são positivamente afetadas pela renda do setor agropecuário.
A comparação entre o início da década de 70 e o início da década de 90 indica que crescimento da agropecuária permitiu que mais brasileiros tivessem acesso a melhores condições educacionais. O número de anos de estudo aumentou, assim como a renda familiar per capita. A população viu sua expectativa de vida crescer porque também melhoraram as condições de saúde e de habitação. A mortalidade infantil foi reduzida. O PIB dos municípios cresceu. Municípios do pólo Açu-Mossoró (RN), Rondonópolis (MT), Paragominas (PA) e Dourados (MS), por exemplo, tiveram, no espaço de 20 anos, ganhos relativos consideráveis no seu ICV – mais de 60%.
A maior organização do agronegócio brasileiro, seja ela avaliada pelo aumento da produção e da produtividade ou pela melhoria nos sistemas de processamento e comercialização, resultou, no período de 1975 a 2000, em queda de preços reais (5,25% ao ano) para os consumidores de leite, carne bovina, frango, arroz, feijão, tomate, laranja, batata, açúcar, alface, café, cenoura, mamão, ovo e óleo de soja. Esse fato é confirmado por outro estudo, assinado pelos economistas José Roberto Mendonça de Barros e Juarez Rizzieri. Caiu o preço da cesta básica à medida que subiram os índices de produtividade no setor agrícola.
Preços mais baixos, menor parcela do orçamento doméstico comprometida com item alimentação -isso, associado à estabilidade da moeda, influenciou fortemente o consumo de bens industriais. A revolução no campo transformou radicalmente as cidades. Trabalhadores rurais e urbanos, em particular os de baixa e média renda, estão tendo mais acesso a serviços, públicos ou privados. Exercitam, mais efetivamente, o direito da cidadania. Confirma-se a tese da inclusão social, motivo maior de celebração.
A transformação da realidade brasileira, tão pouco mensurada antes dos estudos desses economistas, tem na sua base um fator incontestável. A pesquisa agropecuária, que se organizou institucionalmente a partir do início dos anos70, gerou tecnologias fundamentais para o aumento da produtividade agrícola. Gerou, consequentemente, renda e emprego.
Acabou com a sazonalidade, diminuiu os custos de produção e enriqueceu a dieta dos brasileiros. Alterou a geografia da agricultura e interiorizou o desenvolvimento. Barreiras (BA) e Rondonópolis (MT), por exemplo, cresceram significativamente ao mesmo tempo em que foi ampliada sua participação na produção brasileira de grãos, possível graças à adoção de tecnologia.
Essa ¢revolução invisível¢, como afirmou Régis Bonelli, traz à tona, novamente, a importância da pesquisa agropecuária para um país que tem o desenvolvimento como prioridade. Pesquisa e geração de tecnologia devem ser encaradas como um dos princípios básicos quando das discussões e definições das estratégias nacionais. O tema foi objeto de especial atenção na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C&T), encerrada semana passada, em Brasília.
O evento marcou a retomada da visão estratégica do setor, para a qual está atento o governo federal que vem investindo e, principalmente, dando à C&T o espaço que ela precisa na agenda política do governo e da sociedade. A agropecuária é um bom exemplo disso. Com o apoio do governo, o setor vem ganhando uma outra dimensão. Mais moderno, está impulsionando a criação de novas ¥civilizações¥ e transformando, para muito melhor, o interior do Brasil. (Alberto Duque Portugal, diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária/Embrapa).