O projeto de segurança alimentar lançado pelo PT é rico de boas intenções e pobre de análise econômica e financeira. Quanto às intenções, não há como criticá-las. O objetivo declarado é oferecer melhores condições de vida a 9,3 milhões de famílias abaixo da linha de pobreza. Seu rendimento per capita, em 1999, era inferior a US$ 1 por dia. Como ajudar essas pessoas? Como passo inicial, garantir sua sobrevivência, utilizando, para isso, ações assistenciais. Em prazo mais longo, educá-las e integrá-las na atividade produtiva, para que possam ganhar a vida com dignidade. Essa diferença os autores do trabalho conhecem. Mas tropeçam, e não vão muito longe, quando tratam de propor um ¥novo modelo de desenvolvimento econômico, que privilegie o crescimento com distribuição de renda¥, etc. A versão integral do Projeto Fome Zero tem 118 páginas. A versão sintética, 26.
Percorrê-las é apenas um gesto de honestidade teimosa, depois das palavras de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do partido, na cerimônia de apresentação do projeto. ¥Primeiro vamos combater a fome¥, propôs, ¥depois vamos exportar.¥ Sua próxima contribuição para a solução dos problemas brasileiros pode ser uma advertência para que as pessoas não misturem leite com manga.
A agricultura brasileira é perfeitamente capaz de exportar e de abastecer o mercado interno. Hoje, nenhuma pessoa razoavelmente informada pode ter dúvidas quanto a isso. A insistência de Lula em relação a esse tema é apenas mais uma prova, desnecessária, de seu baixo grau de informação sobre economia brasileira. Mais uma vez – como na França, onde elogiou o protecionismo europeu -, o presidente de honra do PT mostrou-se desatualizado e fiel a velhas tolices. De novo, deixou de se valer da assessoria dos economistas de seu partido. Ou serão esses economistas incapazes de fornecer-lhe informações corretas?
Quanto a esse ponto, a leitura do projeto causa alguma perplexidade. Os autores do texto sabem, por exemplo, que a fome no Brasil não é causada por falta de produção e muito menos por incapacidade produtiva da agricultura. O problema, reconhecem, é a renda insuficiente de uma parte da população.
¥Existe fome¥, escreveram, ¥não porque faltam alimentos, mas porque falta dinheiro no bolso da população.¥ Apesar disso, incluem a ¥redução da oferta de alimentos¥ no ¥círculo vicioso causador¥ da fome no Brasil. Lógica, certamente, não é o ponto forte dos autores do projeto. Um tropeço parecido com esse ocorre noutra parte do texto, onde se enumeram as ¥dimensões fundamentais¥ da fome. Uma delas, de acordo com a análise, é ¥a incompatibilidade dos preços atuais dos alimentos com o baixo poder aquisitivo da maioria da população¥.
Essa é mais uma tolice. Os alimentos brasileiros estão entre os mais baratos do mundo. Seu custo caiu de forma espetacular, nas últimas duas décadas, e isso está refletido na composição dos índices de preços ao consumidor. É possível encontrar em restaurantes populares, mesmo em São Paulo, refeições de alto valor nutritivo por menos de R$ 3, isto é, a preços equivalentes a pouco mais que US$ 1.
A questão, de fato, é a geração de empregos decentes, para incorporação de maior número de famílias no mercado consumidor. A maioria das famílias pobres, de acordo com o texto, vive em áreas urbanas, tanto nas pequenas e médias cidades do interior quanto em regiões metropolitanas. A solução, portanto, depende principalmente da criação de ocupações não-agrícolas, porque a agropecuária já é capaz de produzir os alimentos. Mas o projeto apenas menciona, de forma superficial, políticas de emprego e renda.
Sobram, do projeto, apenas as propostas de caráter assistencial. Sua execução poderá demandar, segundo os cálculos divulgados, cerca de R$ 20 bilhões anuais. Parte desse dinheiro, segundo o estudo, pode ser remanejada de outros itens do Orçamento. Faltam, no entanto, pormenores concretos para uma boa discussão desse ponto.
Não é de estranhar, de toda forma, que representantes do comércio e até da famigerada bancada ruralista do Congresso tenham recebido com manifestações de simpatia as idéias do PT. São beneficiários presumíveis, afinal, da distribuição de cupons para compra de alimentos, ponto central do projeto.
Os petistas deveriam desconfiar desse apoio.