PSDB – PE

O viés anti-exportador do Partido dos Trabalhadores

O leitor desta coluna talvez estranhe a freqüência com que temos criticado algumas das propostas feitas pelo Partido dos Trabalhadores e atribua isso a uma obsessão. A rigor, porém, há duas fortes razões para essa freqüência. A primeira é um mérito do partido: é o único que até agora expôs um programa integral. A segunda é que Luiz Inácio Lula da Silva tem consistentemente liderado as pesquisas de opinião para Presidente nos últimos dois anos e portanto hoje, no cenário mais provável para 2003, ele seria o Presidente. Sendo assim, opinar sobre as idéias do PT é a melhor forma de dar uma modestíssima colaboração para que o próximo governo seja bem sucedido.
Algo que chama a atenção daqueles que começam a se debruçar sobre as idéias em debate para 2003 é a ambigüidade absoluta com que várias questões-chave para o país são tratadas pelo PT e pelos seus representantes. Já tivemos oportunidade, nestas páginas, de chamar a atenção para algumas delas, relacionadas com as políticas monetária e fiscal. Vamos hoje nos deter na questão externa.
O deputado Aloísio Mercadante tem repetidamente se manifestado sobre o tema da vulnerabilidade da economia brasileira, questionando a política econômica e responsabilizando-a pelo que, na opinião dele, constituiria o ¥calcanhar de Aquiles¥ do Brasil hoje: o elevado déficit em conta corrente. É possível polemizar com ele em relação a alguns pontos, mas o seu ponto de vista de que o país tem que fazer o possível para diminuir o déficit em conta corrente nos parece essencialmente correto.
O problema é que outras lideranças do partido não parecem comungar da mesma opinião. Ter divergências é parte do jogo democrático e o debate interno enriquece um partido. Quando elas afetam o coração das políticas a serem adotadas pelo futuro governo, porém, o risco que se corre é o eleitor não saber em quem está votando, pelo simples fato de que o partido não sabe o que fará, se ganhar as eleições.

 
 
Há uma grande ambigüidade na forma em que várias questões-chave para o país são tratadas pelo PT e pelos seus representantes
 
 
 
Vamos direto ao ponto. Em entrevista ao Globo em 05/08, Lula disse que ¥a única salvação é acreditar no mercado interno. Não é deixar de exportar. Mas a exportação não depende só da gente. Se produzíssemos mais, geraríamos mais empregos, teríamos mais gente para comprar o que produzimos. Só a elite, perversa, acredita que subordinação vai tornar o país grande¥. Esse viés anti-exportador poderia não passar de um mero deslize verbal. Ocorre que poucas semanas depois, ele voltou a se manifestar em termos similares, com sua famosa declaração de que ¥temos que exportar depois que todos os brasileiros comerem. Enquanto faltar comida na mesa dos brasileiros, não dá para exportar¥ (O Globo, 17/10/2001). Noves fora o fato de que teremos que comer aviões, juntando uma declaração com a outra, surgem duas verdades cristalinas: a) o PT não tem um diagnóstico para superar a crise externa do país, ou, dito de outra forma, tem dois diagnósticos diferentes: um, de que a superação da vulnerabilidade externa é prioritária; e outro, de que ¥a prioridade é o mercado interno¥, o que dá razão a um crítico cáustico para quem ¥o problema do PT é que tem excesso de prioridades¥; e b) se quem arbitra em caso de divergência é o Presidente, estabelecido o conflito entre o aumento da absorção doméstica e a necessidade de elevar as exportações, Lula arbitrará em favor da primeira e o Brasil vai exportar ¥o que sobrar¥, para não prejudicar o mercado interno. Combinado com uma piora do superávit primário – que preocupa a qualquer investidor – parece uma receita segura para um estrangulamento externo de grandes proporções. Julgar que as agruras do Brasil são causadas pela ¥perversidade¥ das suas elites, definitivamente, nos parece uma explicação superficial para os problemas do país.
Hoje até o Presidente da República reconhece que no seu primeiro governo tanto o déficit público como o do setor externo foram longe demais. No segundo mandato, o país está fazendo um esforço enorme para corrigir tais desequilíbrios. O atual governo deixará para o próximo o terreno pavimentado para crescer, com um superávit primário de 3,5 % do PIB e a recuperação de saldos comerciais expressivos. Mais de um crítico do PT já mencionou que a primeira conquista poderia ir por água abaixo em 2003, mas julgava-se que pelo menos o déficit em conta corrente diminuiria em um governo Lula. Entretanto, a se julgar pelo claro viés anti-exportador das declarações comentadas, nem sequer isso é seguro.

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Fabio Giambiagi , economista, co-autor de ¥Finanças Públicas – Teoria e prática no Brasil¥ (Ed. Campus), escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

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