Aqueles que criticam a alteração do artigo 618 da CLT, como forma de ataque à modernização da legislação trabalhista, revelam surpreendente desconhecimento do ritual que precede a assinatura de acordo ou convenção coletiva.
A Constituição de 1988 reconhece a validade de ambos e os relaciona entre os instrumentos de aperfeiçoamento das condições de vida dos trabalhadores (artigo 7.º, XXVI). Ao cuidar da organização sindical, exige a participação do sindicato – leia-se sindicato profissional – em negociações coletivas (art. 8.º, VI).
A CLT, por sua vez, ao tratar dessas convenções e acordos, ordena que negociação alguma poderá ter início sem prévia anuência dos empregados interessados ou, se for o caso, de toda a categoria profissional, mediante consulta à assembléia-geral, cuja realização requer a presença de dois terços dos trabalhadores em primeira e de um terço em segunda convocação.
O edital de convocação, divulgado pela imprensa, especificará a ordem do dia da asssembléia e a relação dos presentes será anotada em livros ou listagens, conforme prescreve a Instrução Normativa n.º 4/1993 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Aos trabalhadores compete aprovar, alterar ou rejeitar a pauta formulada pelos proponentes da negociação, reproduzindo-se na ata dos trabalhos, com total fidelidade, aquilo que sucedeu.
Encerrados os entendimentos com sucesso, nova assembléia-geral decidirá pela ratificação ou não do acordado ou convencionado. Havendo aprovação, o documento assinado pelos representantes patronais e sindicais será registrado no órgão competente do Ministério do Trabalho, ao qual compete verificar se as formalidades legais extrínsecas foram observadas. A lei não admite assembléias vazias, tampouco aquelas levadas a efeito em locais que impossibilitam controle de freqüência.
Após o registro, o acordo ou convenção continuará passível de exame, cabendo essa prerrogativa ao Ministério Público do Trabalho, mediante ação anulatória ajuizada na Justiça do Trabalho. A jurisprudência do TST comprova, em centenas dessas ações, o zelo da Procuradoria, impugnando cláusulas que, a seu modo de ver, ferem direitos indisponíveis, conhecendo-se decisões que ora as acolhem, ora as rejeitam, em função das circunstâncias do caso concreto.
Mesmo sabendo que entre nós algumas leis pegam, outras, não e diversas mentem, é impossível desconhecer que a Constituição e a CLT cercam de cuidados os acordos e convenções coletivas, estabelecendo requisitos que impossibilitam sua concretização à revelia dos principais interessados, ou seja, dos trabalhadores.
Neste país de dimensões continentais, gritantes contradições e graves desigualdades, acordos e convenções coletivas deveriam ser utilizados como instrumentos modernos e democráticos destinados a compatibilizar o comando legal genérico com a realidade local, setorial ou exigências momentaneamente ditadas por oscilações da economia. Relembre-se que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) confere destaque à autonomia de organização, à liberdade de filiação e à negociação coletiva, como veículos de contenção do desemprego, do subemprego e do desmanche do mercado de trabalho.
Argumento comumente utilizado contra as negociações coletivas é a fragilidade da estrutura sindical brasileira, cuja debilidade estaria sendo aprofundada pelo desemprego e pelo mercado informal.
Todos reconhecemos que o sindicalismo nacional é grande, mas somente na quantidade de entidades reconhecidas ou registradas no Ministério do Trabalho. Seriam mais de 16 mil. Exceto algumas cuja representação se encontra concentrada em determinadas empresas estatais ou de economia mista, as taxas de sindicalização são reduzidas, raramente superando 20%. A sindicalização, todavia, é diminuta, traduzindo o desinteresse da absoluta maioria. Acrescente-se a histórica dependência das contribuições impostas a filiados e não filiados, além do Imposto Sindical, do qual o governo fica com 20% e é debitado também daqueles que percebem salário mínimo.
A fraqueza dessas agremiações não se resolverá com a repressão às negociações coletivas, tampouco lhes oferecendo amparo do Ministério do Trabalho. Assim como sucedeu com os partidos políticos, que após 1988 evoluíram para a livre organização, também no plano sindical o Estado democrático deve consentir que trabalhadores e empregadores gozem de autonomia, decretando o fim do modelo corporativo-fascista presente desde a Carta Constitucional de 1937.
Desemprego, informalidade e proliferação de ações na Justiça do Trabalho atestam o esgotamento das fórmulas vigentes. Se queremos superar os desafios trazidos pela globalização, pela corrida tecnológica, pela informatização e pela multiplicação de competidores externos, devemos reunir coragem e competência para reformar a legislação trabalhista e o sistema tributário, impedindo que prevaleçam os porta-vozes do atraso.
Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)