- Publicado no jornal O Estado de S. Paulo desta sexta (10/8)
Com as convenções partidárias, encerrou-se a etapa preliminar das eleições de outubro. Os candidatos à Presidência estão definidos e seus vices, escolhidos. A exceção é o candidato do PT, que servirá de espelho fictício à imagem de Lula.
Para quem não quer se submeter à lógica dualista do petismo vs. antipetismo bolsonarista, apresentam-se três hipóteses plausíveis entres os presidenciáveis: Geraldo Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes. Quero, aqui, explicar por que Geraldo Alckmin me parece a melhor opção, seguido de Marina Silva.
Ciro impressiona pela articulação verbal e pela capacidade de expor suas ideias. Pena que estas, além de variarem muito ao longo do tempo, assim como suas filiações partidárias, hoje paguem tributo a um nacionalismo-estatista fora do tempo e do espaço e a um plebiscitarismo perigoso para a democracia representativa. Pena, também, que sua eloquência repetidamente se perca na ofensa e no destempero.
Díspares em muitos aspectos, Geraldo e Marina compartilham características que têm escasseado no Brasil: serenidade, disposição ao diálogo e recusa à demagogia. Num país em que a retórica do nós contra eles se disseminou impulsionada pela esquerda e pela direita e o argumento racional perdeu espaço no debate público, essas qualidades individuais, em si mesmas, não são pouca coisa.
As chapas Alckmin/Ana Amélia e Marina/Eduardo Jorge, com candidatos a presidente e vice à altura dos respectivos cargos, oferecem ao eleitorado duas alternativas qualificadas. Esta última é em princípio mais transformadora do que a primeira, por incorporar com maior ênfase os temas do século 21, a começar pela sustentabilidade ambiental, por não nascer vinculada a forças tradicionais do sistema político e por ser encabeçada por uma mulher de extraordinária biografia.
Se assim é, então por que Geraldo Alckmin? Em breves palavras, porque ele reúne as melhores condições para liderar o imenso esforço necessário para recolocar o País nos trilhos e fazê-lo avançar. Tem de longe a melhor e mais experimentada equipe de assessores econômicos (a de Marina é composta por brilhantes intelectuais e acadêmicos, o que é coisa muito diferente). Além disso, está em condições de manter, pelo tempo que seja conveniente e necessário, quadros do atual governo que estão realizando um excepcional trabalho de reconstrução na área econômica à frente do Banco Central e do Ministério da Fazenda.
Dispõe de um programa de governo com uma agenda amadurecida de reformas que vão à raiz dos problemas que impedem o crescimento sustentado do País (protecionismo, baixa produtividade, alto custo Brasil, etc.). Tal agenda encontra respaldo na sua gestão como governador de São Paulo, onde se destacou pelo equilíbrio das contas, preservação do investimento público, promoção de parcerias com a iniciativa privada na área de infraestrutura e com o terceiro setor na área social, sem descumprimento de contratos ou de obrigações constitucionais em educação e saúde. Em condições muito adversas em seu último mandato, manteve o governo paulista superavitário e investindo, apesar da significativa queda da arrecadação, caso único entre os maiores Estados da Federação.
Seu programa expressa, ainda, o conhecimento técnico e a experiência acumulada na área de segurança pública, com uma bem definida atribuição de papel ao governo federal na coordenação do combate ao crime organizado, sem recorrer a pseudo-soluções que, a pretexto de assegurar a autodefesa dos cidadãos, aumentariam os já intoleráveis níveis de violência na sociedade brasileira.
Sei que a esta altura o leitor deve estar se perguntando se a aliança com o centrão é compatível com a agenda de reformas que Alckmin apresenta ao País. Eis o paradoxo: para fazer reformas “modernizadoras”, que exigem a aprovação de emendas constitucionais e leis complementares, é preciso buscar apoio em partidos que são percebidos, e em boa medida o são, representantes do “atraso” patrimonialista e clientelista. A necessidade desse apoio seria menor se as forças ditas “progressistas” não fossem “atrasadas” também, visto que em geral defensoras do corporativismo e do dirigismo estatal.
Geraldo Alckmin decidiu buscar esse apoio antes das eleições. Marina Silva, se eleita, terá de conquistá-lo depois. O dilema, porém, é inescapável. Pode-se argumentar que um(a) presidente que se eleja sem o apoio das forças do “atraso” esteja em melhores condições para negociar com o Congresso uma vez eleito(a). É possível, mas terá de incorporá-las a seu governo. Se não o fizer, o sonho de um governo dos “melhores” (ilusão que Marina vende ao eleitorado) logo se transformará no pesadelo de um governo inoperante, incapaz de produzir mudanças. No mundo real, a questão é sempre os termos da barganha com as forças do “atraso” (o quanto e onde se cede em troca de quê), equação na qual o capital político do(a) presidente tem peso determinante. Este é alto ao início do mandato e precisa ser renovado constantemente se o(a) presidente quiser manter a direção política do seu bloco de apoio.
Estou convencido de que Alckmin está em melhores condições para realizar com sucesso esse desafiante exercício. É um político de mãos limpas e pés no chão, que já formou e governou amplas coalizões à frente do maior Estado da Federação, experiência que lhe dá a têmpera e tarimba necessárias para ser chefe de Estado, chefe de governo e chefe da administração federal.
Ele só não pode esquecer que na campanha, assim como no governo, a aliança principal é com as forças sociais que desejam para o Brasil uma sociedade aberta e ambientalmente responsável, uma economia de mercado criativa e próspera e um Estado republicano capaz de contribuir decisivamente para que todas as pessoas tenham igualdades reais de oportunidade e garantias razoáveis de uma vida digna.
*SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC. COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP