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“Reformas a cada eleição e escola pública ruim travam o combate à corrupção”, por André Régis

Fotos: Woody Willen/Divulgação

Fala-se muito que no Brasil a corrupção é sistêmica. Se for não venceremos facilmente esse feroz inimigo da democracia. Se a corrupção não for sistêmica teremos mais chance de sucesso. Vale salientar que corrupção sistêmica não está apenas no processo eleitoral dificultando a vida daqueles que pretendem ganhar o voto pela exposição de ideias.  E, de fato, existe uma dificuldade muito grande em se ganhar votos pelas ideias e contra o poder. Isso por uma razão notória. Não há paridade de armas. Conquistar voto através das ideias é um universo cada vez mais relegado e esquecido.

Sendo sistêmica a corrupção não está focada apenas no congresso nacional. Estará também no executivo nos planos federal, estadual, municipal, no ministério público, na magistratura e em todos os lugares. Caso não seja sistêmica, ela pode até estar em todos os lugares, mas em todos os lugares ela encontrará aqueles que a combatem e essa luta estará sempre em curso. Particularmente, acredito que a Lava Jato é o elemento mais visível na luta contra a corrupção. Talvez seja um exemplo para entendermos que a corrupção ainda não chegou ao ponto sistêmico e que o Brasil tenha acordado a tempo de não permitir que esse terrível mal inviabilize a democracia.

Em recente encontro acadêmico apontei que não existe nenhuma relação entre reforma política e corrupção. Apontei que o Brasil, inclusive, faz reformas todos os anos e é um dos países mais instáveis do planeta em termos de regras políticas. Não é apenas o congresso nacional que legisla e altera as leis. Na verdade, em todo ano eleitoral o TSE edita novas regras. Quem milita na atividade política não vai poder saber com antecedência que tipo de campanha poderá fazer porque as regras “ainda não chegaram”. Esse é um ponto que se deve deixar bem claro quando o tema é a reforma política.

O reformismo é constante e as pessoas esquecem isso. Alguns falam que o problema do Brasil é o mandato do presidente porque temos a reeleição e que deveríamos acabar com ela para instituirmos cinco anos de mandato presidencial. Porém quando a constituição foi promulgada, ha apenas trinta anos, tínhamos um mandato presidencial de cinco anos sem reeleição. Mudamos para quatro, depois ponderamos que quatro era pouco. Aumentamos para mais quatro com a reeleição e agora achamos que esse tempo ficou muito longo. Então, se adotarmos mandatos de cinco anos recuaríamos na cronologia da história. Regressaríamos para 1988. E esse detalhe passa despercebido pela população.

O fato é que temos por hábito alterar sistematicamente as regras do nosso processo eleitoral. Às vezes temos propaganda de um jeito e em seguida de outro. Em todas as eleições há sempre um escândalo e por castigo diminuem o tempo de propaganda para todos, restringindo-se cada vez mais a interação com os eleitores.

O colega professor Carlos Neves trouxe um exemplo interessante. Disse que na política brasileira pode acontecer o efeito cigarro. Dificultam tanto as propagandas que só as marcas antigas conseguem sobreviver na lembrança das pessoas. Não há espaço para o novo. No caso do cigarro esse fenômeno é salutar, mas no âmbito político essa dificuldade é um absurdo. Quem está fora e deseja ingressar na cena política vai ter que penar muito para conseguir um lugar ao sol. Há entraves difusos para uma oxigenação na vida publica. As camadas sociais aptas ao exercício de mandatos não podem disputar votos porque as leis consideram-nas inelegíveis. Pessoas estão impedidas ou porque são da magistratura, ou porque pertencem ao ministério público, ou porque são vinculadas a centenas de outras funções relevantes.

São homens e mulheres de valor inequívoco e a necessária coragem, que desejariam mas não podem sair da zona de conforto para encarar uma disputa. Enfrentar o sistema é um desafio difícil. E se a população e os nossos maiores talentos não estiverem dispostos ao sacrifício não teremos a qualidade desejada em nossos parlamentos e não poderemos assegurar um combate efetivo à corrupção.

De acordo a Transparência Internacional, os países menos corruptos do mundo são Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia, Suíça, Noruega, Singapura, Holanda, Canadá, Alemanha. Nenhum deles utiliza um sistema político parecido com o do outro. Em comum, há entre eles modelos parlamentaristas de governo. Mas isso não indica muita coisa do ponto de vista eleitoral. Os países mais corruptos do planeta são a Somália, Sudão, Coreia do Norte, Líbia, Afeganistão, Guiné Bissau e Venezuela. Nessa lista nós estamos na posição setenta e nove. E o melhor lugar que já tivemos nesse ranking foi a 30ª posição, no ano 2000. Desde então só fizemos cair.

Nenhum dos países elencados no grupo dos menos corruptos possui tantas instituições de controle anticorrupção como nós temos no Brasil. Na regra absoluta dos países com menor grau de corrupção há uma coincidência muito significativa: se há menos corrupção há um melhor sistema educacional. Simples assim. Inclusive porque em Singapura e Hong Kong, dois países que antes tinham um sistema educacional sofrível, como também a Coreia do Sul e a Finlândia, em todos os últimos anos eles disputam as primeiras colocações nos testes do PISA.

Quem é educado trabalha e quem trabalha paga tributos, Quem trabalha escolhe o que deseja e vive com dignidade. Não precisa de ajuda, nem da assistência do Estado. Quem trabalha prospera. Para se assegurar o trabalho é preciso que se ofereça educação pública de alta qualidade. Mas isso é sonegado ao brasileiro e principalmente ao filho do pobre. Quando uma criança de família média nasce, aos dois anos ela vai para a escola. Se for filha de alguém com padrão de vida alta, ela vai para uma escola privada de boa qualidade; uma criança filha do pobre vai estudar na escola do seu bairro cujo IDEB é de 3.2 ou 3.3. De onde sairão os médicos, os engenheiros e os advogados? Já sabemos. Há uma injustiça de largada que penaliza os pobres nesse páreo social.

O sistema é injusto porque não permite uma competição mínima. A má qualidade da escola pública aniquila os princípios da democracia que pressupõe igualdade de oportunidades a todos. Porém essa igualdade não existe no contexto em que vivemos. Aliás, temos a convicção de que é preciso transferir o ensino fundamental e básico dos prefeitos para a União. Muitos prefeitos não têm condições de comandar o futuro do Brasil a partir da educação infantil. E, no entanto, a grande revolução se dá na primeira infância. Se a criança passou da primeira infância e não foi educada, o seu déficit é gigante e dificilmente será sanado. Essa é a percepção de uma injustiça que fragiliza a luta contra a corrupção porque os déficits sociais comprometem a formação adequada de uma sociedade capacitada para o trabalho digno e para a escolha de seus representantes junto aos poderes da república

(*) André Régis é vereador do Recife e líder do PSDB. Trecho de apresentação em seminário “Combate à corrupção”, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pernambuco

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