O governo do Rio tem, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), pelo menos R$ 11 milhões parados numa conta destinada ao combate a endemias – doenças como a dengue que, desde o início do ano, já contabiliza mais de 18 mil casos no estado. O Ministério da Saúde, que repassa os recursos mensalmente para o estado, verificou, no fim de 2001, que a Secretaria estadual de Saúde não usou o dinheiro. Uma nova checagem feita na semana passada revelou que a secretaria continuava sem usá-lo e, como mais duas parcelas mensais tinham sido repassadas desde então, o dinheiro parado ainda havia aumentado.
– Acho isso incompreensível diante da situação caótica que o Rio está vivendo – comentou o ministro José Serra.
A crítica provocou reação imediata e um novo embate entre o estado e o ministério. O secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, disse que a acusação é inconsistente:
– O Ministério da Saúde está fazendo guerra de informação. É jogo de empurra.
Segundo a superintendente de Saúde Coletiva do estado, Yolanda Bravin, os R$ 11 milhões têm destinação. Servirão para pagar dívidas e arcar com os custos de produtos e serviços:
– Precisamos seguir os trâmites burocráticos determinados pela legislação para gastar o dinheiro. Temos de obedecer à Lei das Licitações e à Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Funasa informou que enviou em dezembro à Secretaria de Saúde um ofício perguntando as razões pelas quais o estado não havia usado os recursos. Segundo a Funasa, o governo do Rio explicou que os recursos deveriam ser usados em compras que ainda estavam em licitação. Numa planilha em anexo aparecia que a maior parte, R$ 7 milhões, seria usada na compra de seringas para vacinas. Quando os técnicos da Funasa fizeram as contas descobriram que com a quantidade de seringas que poderiam ser compradas com esse dinheiro era possível vacinar toda a população do Rio pelo menos três vezes.
Yolanda Bravin confirmou que parte do dinheiro servirá para pagar seringas já adquiridas pelo estado. Ela alegou que há necessidade de comprar muitas seringas porque o gasto é grande. Até 12 anos, disse a sanitarista, cada criança gasta 12 seringas para tomar todas as vacinas obrigatórias.
Este mês, um outro ofício foi enviado para a secretaria cobrando novas explicações. O que a Funasa quer saber é por que, em meio a uma epidemia de dengue, o estado não adia algumas compras não emergenciais e usa os recursos para melhorar o combate à doença.
Ainda segundo Yolanda, os R$ 11 milhões correspondem a uma parcela de recursos do Plano Pactuado Integrado de Epidemiologia de 2000 e 2001 e não são destinados apenas para combater a dengue, mas também outras doenças. Para a dengue estão previstas, por exemplo, a compra de material para os jovens reservistas da paz, que vão atuar no combate à doença, e para a confecção de cartazes.
Epidemia rompe a barreira dos 18 mil
No novo balanço divulgado ontem pela Secretaria estadual de Saúde, o número de casos notificados de dengue saltou de 12.957 para 18.009 e foi confirmada a sétima morte pela doença: a do aposentado Adilson Magalhães Morais, morador do bairro Mutuá, em São Gonçalo. Oficialmente, o estado contabiliza 262 notificações de dengue hemorrágica, sendo 120 na capital. Municípios que estavam de fora da última lista, como Petrópolis, Bom Jesus de Itabapoana, Búzios, Resende, Itatiaia e Teresópolis, apareceram na nova relação, com uma semana de atraso.
Segundo o estado, do total de casos notificados, 16.030 são da Região Metropolitana, sendo 6.354 do Rio. Há 1.989 notificações de Caxias, 1.924 de Nova Iguaçu, 1.227 de Niterói e 1.014 de São Gonçalo. O boletim cita 125 casos de Petrópolis, 78 de Bom Jesus de Itabapoana, 59 de Búzios, nove de Resende e 16 de Itatiaia.
Das 262 notificações de dengue hemorrágica, 87 são de Caxias, 28 de Mesquita, quatro de São Gonçalo, quatro de Campos, duas de Belford Roxo, duas de Cachoeiras de Macacu, uma de Niterói, uma de São João de Meriti, uma de Itaboraí, uma de Barra do Piraí e uma de Angra.
O secretário de Saúde do município do Rio, Ronaldo Cézar Coelho, já iniciou os entendimentos com a Policlínica Geral do Rio (Centro), a Clínica Nossa Senhora das Graças (Realengo) e o Hospital Geral de Bonsucesso para que atendam vítimas de dengue. Pelo atendimento ambulatorial desses pacientes, a prefeitura pagará entre R$ 36 e R$ 84.
Em visita ao Sambódromo ontem à noite para ver a nova iluminação, o prefeito Cesar Maia procurou minimizar a gravidade da epidemia de dengue na cidade, às vésperas do carnaval e com uma grande freqüência de turistas:
– Esses casos de dengue hemorrágica nos deixa com a luz vermelha sempre acesa. A do tipo normal nos incomoda demais, mas não gera a mesma preocupação. Se a situação saísse desse patamar de 200 para 13 mil casos, teríamos uma enorme preocupação.
Conforme o último boletim divulgado pela prefeitura do Rio, o Caju continua encabeçando a lista de casos de dengue na capital (412 notificações). A Maré vem em segundo lugar, com 387 casos. Logo depois vem a Tijuca (319 notificações), seguida de Bonsucesso (295), Manguinhos (217) e Realengo (202).
São Paulo registrou ontem a primeira morte suspeita por dengue hemorrágica: a supervisora de vendas Eliete de Jesus Sampaio, de 32 anos. Ela morreu segunda-feira no Hospital Santa Cecília, na capital paulista, oito dias após voltar de uma viagem ao Rio. Na casa onde ficou hospedada, na Zona Norte do Rio, um parente tinha suspeita de ter a doença. O resultado do exame que confirmará se Eliete morreu ou não de dengue sairá em 15 dias.
Número de atendimentos quadruplica nas emergências
A epidemia de dengue no Rio fez o número de atendimentos quadruplicar na emergência de alguns hospitais particulares. A direção do Hospital Evangélico, na Tijuca, calcula em 300% o aumento do número de pacientes com suspeita da doença. A média é de 115 casos por dia, desde a segunda quinzena de janeiro.
– Tivemos que reforçar a equipe laboratorial com seis funcionários. Costumávamos liberar o resultado dos hemogramas em 45 minutos. Atualmente, um exame demora, no mínimo, três horas para ficar pronto – disse César Augusto Guimarães, diretor do hospital.
No Hospital Samaritano, em Botafogo, a procura aumentou 40% desde o início do ano.
Pesquisadores do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, já concluíram os testes da vacina contra a dengue do tipo 2. A do tipo 1 está em fase experimental. Em 2001, eles conseguiram financiamento para desenvolver os imunizadores contra os tipos 3 e 4, mas o trabalho só deve ser concluído em 2006. O chefe da equipe, o infectologista Benedito Lopes da Fonseca, explicou que a vacina só vai ser aprovada quando atingir os quatro tipos do vírus simultaneamente. Isso pode demorar, segundo ele, até oito anos.