Ao assumir a pasta da Justiça moveu-me o interesse de dar prosseguimento a muitas das tarefas iniciadas pelos três ministros que me antecederam. Trago a expectativa de, no pouco tempo existente pela frente, lançar algumas sementes e colher frutos do já semeado.
O grande problema enfrentado pelo país diz respeito à segurança e à justiça. Essa profunda crise é fruto do crescimento desordenado e gigantesco das cidades e da desigualdade. O Brasil apresenta intensa desorganização social em cidades como Vitória, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte.
A ausência do Estado nos bolsões de pobreza gera a formação de ¥Estados¥ paralelos, levando à vigência de códigos de conduta ditados pela criminalidade. Em conjunto com o Gabinete Institucional, que já realiza ações de cunho preventivo, promoveremos medidas reorganizadoras da presença do Estado. Acentuo os Centros Integrados de Cidadania, os plantões sociais nas delegacias de polícia, as ouvidorias populares.
A força propulsionadora do governo federal só terá efeito se contar com a efetiva participação da comunidade ao lado das autoridades estaduais, o Executivo, o Judiciário e o Ministério Público.
Os Centros Integrados de Cidadania, CICs, já havendo quatro instalados na cidade de São Paulo, devem se multiplicar no país, pois significam levar a Justiça para perto do povo, permitindo à população pobre que olhe nos olhos da autoridade, que se desveste da pompa e circunstância para ser a mediadora dos conflitos. Juiz, promotor, delegado de polícia, policial militar, defensor público, assistente social e psicólogo devem se instalar em prédio na periferia e com o auxílio das lideranças comunitárias, forjar a solução dos conflitos.
Permite-se, dessa forma, que a população se conscientize de seus direitos e tenha um canal institucional para resolver suas pendências. A mera presença do Judiciário tem extraordinário efeito, e começa a se reinstalar a ordem.
Em tamanho menor, a criação de plantões sociais nas delegacias de polícia é essencial, pois a população pobre diante de qualquer conflito, recorre à delegacia, que não tem vocação, tempo e disposição para ouvir e solucionar problemas de família, de vizinhança, ou da falta de mínimos serviços públicos. Essas questões não encaminhadas viram o delito do dia seguinte, pois são resolvidas com as próprias mãos.
A Ouvidoria Popular, a exemplo do que ocorre em Fortaleza, consiste na formação de ouvidores oriundos da própria comunidade, que, submetidos a um curso para aprender a ouvir, trabalham voluntariamente em um centro organizado pelo Estado, recebendo reclamantes de problemas de toda série, convocando a parte contrária, proporcionando que se entendam, sem impor a solução, apenas viabilizando-a.
Em todas estas atividades, se não houver o binômio Estado-Comunidade, a tarefa não se efetiva, pois a rigidez oficial precisa ser arejada pela generosidade e pelo interesse da comunidade em se sentir parte integrante da instituição estatal. Caberá ao governo federal levar tais programas aos Estados
No campo da aplicação da Justiça Penal, destaco três pontos: a continuidade do programa da Central de Penas Restritivas, incentivando que se criem, nos Estados, Varas Privativas de Penas Alternativas, dando-se efetividade às penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim-de-semana.
A assistência ao egresso é outro ponto a ser atacado, visando à redução da reincidência, pois o encarcerado, ao sair, sofre o choque da liberdade, desacostumado a andar com as próprias pernas e sendo rejeitado pela sociedade. Deve-se evitar o pior, a volta à prisão.
Por último, cumpre modificar a ênfase dada anteriormente à construção de presídios, não mais priorizando o regime fechado, e sim dar maior atenção aos presídios semi-abertos, que podem custar cerca de um terço do valor. Aí reside o grande gargalo do sistema progressivo, que prevê a passagem do fechado para o semi-aberto, impossibilitada, no entanto, pela ausência de estabelecimentos dessa natureza.
Destaco, também, a Comissão criada para avaliar os juizados especiais criminais, instituição importante, mas que não pode se resumir em rapidamente resolver o processo, pois nada pior do que a injustiça célere. Cabe à comissão examinar a repercussão e os resultados até hoje havidos, em especial diante da vulgarização da aplicação da pena de pagamento de cesta básica.
No campo da repressão haverá a formação de forças tarefas permanentes, como centrais de inteligência, unindo as quatro Polícias – Federal, Rodoviária, Civil e Militar – no combate à receptação, em especial a receptação qualificada, que alimenta a criminalidade violenta, bem como relativamente ao crime organizado. Igualmente, é imprescindível a criação de uma central de dados acerca dos mandados de prisão emitidos pelas justiças estaduais, para se concretizar a Justiça e diminuir a impunidade.
Limito-me, por fim, a ressaltar o controle de armas, o combate ao trabalho escravo e a erradicação do trabalho infantil, os dois últimos problemas de relevo político-criminal, que serão enfrentados em conjunto com o Ministério do Trabalho e a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.
Divido, então, com o leitor a minha angústia de pretender lançar estas sementes a virem a crescer ao longo do tempo, para que longe do Ministério possa, daqui a oito meses, assistir o seu florescer.