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Serra: ¢A Petrobras tem uma regalia exagerada¢

Em entrevista que foi ao ar ontem na GloboNews, abrindo a série de conversas da jornalista Miriam Leitão com candidatos a presidente da República, o senador paulista José Serra, pré-candidato do PSDB, criticou a política da Petrobras de seguir os preços do petróleo no mercado internacional, provocando aumentos freqüentes das tarifas de combustível no Brasil. Serra também defendeu uma ¥linha de dureza¥ para o Movimento dos Sem-Terra (MST). Os próximos entrevistados serão Ciro Gomes (PPS), hoje, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amanhã. Os pré-candidatos do PSB, Anthony Garotinho, e do PFL, Roseana Sarney, não aceitaram o convite para participar da série.

O senhor concorda com o reajuste da gasolina pelos preços internacionais, mesmo com a maior parte sendo produzida internamente?

SERRA: Não estou satisfeito com essa forma. A Petrobras é monopolista demais para ter essa regalia. Suponha que você tenha três ou quatro empresas, cada uma produz 80% do petróleo que precisa no Brasil e importa 20%. Subiu o preço lá fora e você reajusta a totalidade, como se o preço doméstico também tivesse aumentado. Você está dando sobrelucro. Mas se você tivesse três ou quatro empresas, você teria concorrência. Como é uma empresa só, é uma regalia exagerada.

O que o governo diz é que não dá para fazer de outra forma. Como resolver o dilema?

SERRA: A Petrobras é monopolista de fato e não de direito, porque ela é dona de toda a infra-estrutura. Então, até que efetivamente tenha condições para a concorrência, você não pode permitir uma situação como essa. Mais ou menos 80% do petróleo que a Petrobras distribui é produzido no Brasil. Subiu o preço 20% porque o Sharon cercou o Arafat. Não tem muito sentido reajustar, inclusive os 80% que são produzidos aqui. Se tivesse concorrência, haveria um reajuste menor para poder ganhar do outro e o consumidor se beneficiaria. A situação de monopólio absoluto é uma fórmula que não adotaria.

O senhor mudaria?

SERRA: Mudaria. No caso de monopólio, temos de atuar de maneira criteriosa, mas firme. Uma coisa é quando tem a concorrência e outra quando tem monopólio, porque os preços não são naturais. Ultimamente, o noticiário tem debatido a compra de uma empresa de chocolates, a Garoto, pela Nestlé. Há obstáculos para essa compra porque se diz que pode formar um monopólio e subir o preço do chocolate. Eu gosto de chocolate e você deve gostar também. O preço tem importância. Mas convenhamos: o preço da gasolina é mais. Você não pode ter dois critérios: contra o aumento do preço do chocolate e a Petrobras reajustando seus preços desta maneira.

A sua aliança é com todo o PMDB, inclusive de Orestes Quércia e Jader Barbalho?

SERRA: O PMDB é um partido bastante heterogêneo. Como, aliás, são os partidos no Brasil. A aliança é com o conjunto do PMDB. O que não significa que regionalmente aconteçam aqui ou acolá problemas.

Por que o senhor acha que o PMDB é melhor que o PFL?

SERRA: Não estou dizendo nem que é melhor e nem que é pior. Pelas circunstâncias políticas, candidaturas etc, resultou nessa convergência, que é bastante positiva. Não só para ganhar eleições como para governar. Não dá para governar o Brasil sem maioria no Congresso. Goste ou não do Congresso, ele é fundamental e resultado de um Brasil heterogêneo. Você tem que montar um sistema de alianças que te permita governar com maiorias.

Se dependesse só do senhor, preferiria governar com o PFL ou com o PT?

SERRA: Não depende só de mim. Temos que primeiro ganhar a eleição e, se ganhar, procurar montar uma boa maioria. Não vou ter preconceitos com relação a nenhuma força política que se disponha a cooperar com o governo e com uma política para levar o Brasil para a frente.

Seu governo estaria à esquerda ou à direita do governo Fernando Henrique?

SERRA: Acho que não dá para classificar desse jeito. Acho difícil hoje dividir o mundo entre esquerda e direita. Será um governo que continuará , mas não será continuísta. Vamos manter o Brasil no rumo que tem estado ao longo do governo Fernando Henrique e vamos avançar em políticas que são de mudança. O Brasil precisa continuar e mudar ao mesmo tempo.

O governador Tasso Jereissati diz que o PFL é melhor aliado do que o PMDB.

SERRA: A aliança com o PFL resultou inexeqüível. Não foi uma ação do PSDB. Não fizemos nada para desfazer a aliança e vamos fazer o possível inclusive para refazer. O PMDB tem, no âmbito do Congresso, cooperado com o governo. E temos um programa. A aliança está baseada num programa escrito. Não conheço programa definitivo do PT.

O senhor propõe a criação de um ministério da Segurança. Pretende revogar a autonomia dos estados?

JOSÉ SERRA: De jeito nenhum. O governo federal deve ajudar mais os estados a fortalecerem a segurança. Até agora, ele tem tido uma ação muito aquém da que poderia.

Por que um ministério?

SERRA: Na verdade, é tirar do Ministério da Justiça os setores que são ligados ã segurança, para poder ter uma concentração maior de prioridade e de esforço. Em geral, o perfil do ministro da Justiça é de um jurista porque toca assuntos dessa natureza. Precisamos, na verdade, ter uma especialização, com uma ênfase muito grande, em um ministério inteiro na área de segurança, para fortalecer o trabalho dos estados e não para substituir.

O senhor está dizendo que o governo ficou aquém do esperado. Onde ele falhou?

SERRA: Deveria ter entrado mais nessa ação da segurança, tido presença mais forte. Mas essa não é a tradição do Brasil. Na verdade, o que proponho é uma transição para um novo modelo no qual o governo federal tenha mais peso, especialmente no que tange a fronteiras, contrabando de armas, contrabando de drogas e treinamento de policiais civis e militares. Inclusive, numa coisa importantíssima: a área de inteligência. Não há um banco nacional de dados sobre segurança, nem sequer sobre impressões digitais.

O senhor acha que o agravamento do problema social gerou o aumento da violência?

SERRA: Não necessariamente. A questão social sempre tem um papel, mas o outro é a impunidade, o desenvolvimento da tecnologia do delito. Não pode se dizer que é só a questão social. Ou mesmo quando for, você não vai conseguir combater a violência enfrentando só a questão social. A violência ganha uma certa autonomia, mesmo que as causas de origem desapareçam ela pode continuar porque você já tem quadrilhas organizadas, já tem uma certa inércia que vai levar à continuidade do crime.

O senhor pretende aumentar os gastos com segurança?

SERRA: Temos que aumentá-los, especialmente na esfera da Polícia Federal. Hoje, deve haver sete, oito mil policiais federais. O Brasil deveria ter uns 25, 30 mil. Se você fizer o aumento na proporção necessária você vai ter um aumento de R$ 1 bilhão a R$ 1,7 bilhão por ano.

Estamos tendo no Rio a pior epidemia de dengue. Será que o Ministério da Saúde poderia ter feito algo?

SERRA: O Ministério da Saúde tem responsabilidade. Inclusive pelo problema que aconteceu.

O ministério errou?

SERRA: Se pudesse olhar para trás, poderia ter atuado de maneira mais agressiva. Não cometeu nenhum erro, mas poderia ter sido mais agressivo.

Poderia ter fiscalizado melhor a aplicação de recursos?

SERRA: Teria gerado um confronto grande com o governo do estado e dos municípios. No Brasil, a ação executiva no combate a endemias é basicamente
estadual e municipal.

Mas não é preferível o confronto do que a doença?

SERRA: Não deixou de
ter um confronto no nível administrativo, de fazer o trabalho, de insistir. Eu mesmo teria de ter tido uma briga pública. Acho que se pudesse o tempo voltar atrás teríamos tido essa briga. É que, às vezes, a população reage muito contra: ¥Olha aí, enquanto eles estão brigando, o problema vai se agravando¥. Sempre tendi a não fazer publicamente essas brigas para não parecer jogo de empurra. De fato, no caso, deveríamos ter feito. Aumentamos os gastos com o dengue sete vezes no Brasil inteiro nos últimos anos. Estamos perto de R$ 1,5 milhão por dia. Fizemos seminários, treinamos. Fiz nove cadeias nacionais de TV, prevenindo sobre as questões. Material educativo, até com empresas privadas. Mas chega um ponto que o estado abdica da coordenação e as prefeituras não contratam, apesar de ter o dinheiro. Ou vão muito lentamente para contratar. Você tenta insistir. No caso do Rio, talvez devesse ter tentado resolver brigando, publicamente.

Os hospitais estão desequipados. Os remédios são muito caros ainda. A população ainda está muito insatisfeita…

SERRA: Ainda há problemas, mas houve avanços consideráveis. No caso dos medicamentos, a introdução dos genéricos, uma batalha árdua, já trouxe um barateamento. No ano passado, pela primeira vez, os remédios caíram em valores absolutos nos índices de preços. Não ficaram só abaixo da inflação, caíram. Ainda falta bastante, mas o genérico deve ter hoje 7% ou 8% do mercado.

O senhor, que enfrentou a indústria farmacêutica e quebrou patentes de remédios importantes, vai respeitar a propriedade intelectual?

SERRA: Sou favorável à existência de patente. O que é patente? Quando você inventa um produto, você registra. Se alguém quiser fabricar aquilo tem que te pagar por isso.

Na educação, o que o senhor acha que o governo não fez corretamente?

SERRA: O governo fez bastante. Inclusive na área do ensino fundamental chegamos a ter todas as crianças na escola. Foi um avanço imenso nos dois governos do presidente Fernando Henrique. Creio que agora o fundamental é investir na qualidade.

E o ensino superior, como o senhor pretende enfrentar esse problema?

SERRA: Não faria o ensino superior pago não. Na prática, o que você pode obter como contribuição é muito pouco e não resolve nem de longe o problema orçamentário das universidades. Ao mesmo tempo, terá um enfrentamento político tão desgastante que você não vai conseguir pensar a universidade e nem fazer mudanças, porque vai consumir toda a sua energia nisso.

Na questão agrária, o governo acha que fez a coisa certa, aumentando o número de assentamentos. Mas mesmo assim não acabou com a agitação no campo.

SERRA: Não há agitação no campo. Os números mostram que essa agitação do ponto de vista nacional diminuiu muito. O MST está aí e vai continuar porque é um movimento político, mas com estratégias, procura replicar outras experiências, inclusive de natureza de insurreição. Mas isso não é um indicador de agitação no campo. Muito pelo contrário. A agricultura brasileira, inclusive, é um dos setores mais bem sucedidos da nossa economia nos últimos anos e vai continuar nesse rumo. É um mérito importante da administração econômica. Não teria havido Plano Real sem desempenho agrícola tão bom.

Mas voltando ao MST. O senhor não acha que foi a partir do movimento que o governo começou a implementar uma política mais ativa sobre a reforma agrária?

SERRA: A ação do MST nas suas etapas iniciais foi um dos fatores de ativação da política governamental. Acho que foi, mas o MST já era um pouco assim, mas se transformou muito mais hoje num fenômeno político do que jamais foi. A prova é que tem tido atritos grandes com o partido que de alguma maneira sempre foi a cobertura do MST na ação política eleitoral, que é o PT.

Como o senhor pretende enfrentar a agitação do MST?

SERRA: Reforma agrária, sim. Mas não em propriedade produtiva, não com invasões, não com chantagens e não com insurreições.

Isso faz parte do continuísmo ou do sem continuísmo. O que o senhor faria diferente?

SERRA: Eu levaria na linha da dureza quando ultrapassasse os limites. Essa invasão da casa dos filhos do presidente Fernando Henrique, que é um lugar que ele freqüenta, é um prédio que freqüentemente é ocupado pelo presidente da República. Se isso não for reprimido adequadamente, não vai ser mais o presidente. Não serão apenas os ricos. Pode ser inclusive gente de condições mais modestas, que não é poderosa. O que aconteceu com os seqüestros? Antes eram só de pessoas ricas, hoje se praticam seqüestros nas periferias das cidades até com padeiros ou prefeitos de cidades pequenas. A tolerância não cabe porque ela acaba engendrando a impunidade.

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