Escrevo no dia em que se completam cinco anos da tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria. Há cinco anos o dia estava esplendoroso como o de hoje. Postei uma mensagem no Twitter celebrando a beleza do dia e saí para passear com a Mel. Eram sete da manhã. Na volta, mensagem de um seguidor alertando que não era um lindo dia, que eu ligasse nas notícias, Santa Maria com mais de 200 mortos. Como, essa estatística é de tsunami! Não era. Era fogo em boate superlotada de jovens celebrando o resultado do vestibular na pujante cidade universitária, aniversários, ou simplesmente a noite de sábado. Passados cinco anos, nada resolvido na responsabilização pela tragédia. Não que isso devolva as vidas, preencha o vazio deixado para os familiares, amigos, professores, qualquer ser humano com sensibilidade, nem diminua a dor das perdas. Mas espera-se que o processo vá respondendo às perguntas levantadas imediatamente enquanto se recolhia os mortos ou socorria as vítimas. Afinal, é para que não se repita. Para isso, somos todos responsáveis.
Incomparável em termos de tragédia, de perda irrecuperável, já que os 242 mortos não são só uma estatística, é cada um o seu próprio infinito, esta semana levanta a questão da responsabilidade depois de ocorrida a crise, a perda. Esta é uma semana decisiva para o estado: votação do Plano de Recuperação Fiscal. Sartori está certo: se tivermos que pagar a dívida o estado vira um caos. Já estamos perto disso. Somos todos responsáveis, porque dívida é erro acumulado por décadas, em vários governos, com o egoísmo da “visão de umbigo”, ou com a miopia grave do “comigo não vai acontecer”, ou com a visão ideológica de que havendo vontade política não há limites para a concessão de benefícios ou estabelecimento ideal de direitos. Dinheiro não é vontade política, não dá em árvore, é o resultado concreto do esforço coletivo. E pelo dinheiro público deve responder quem tem a decisão de arrecadar e de gastar. Dia após dia, durante décadas, a cegueira cívica, muito populismo e corporativismo, a dissintonia entre o todo o macro, e as partes – o indivíduo, a dívida crescia. Que mostrei que o estado era viável já é consenso. Então por que esta situação agora?
A doença da dívida impagável é a mesma: gastar mais do que arrecada. O remédio foi aplicado – déficit zero. Pagava-se tudo o que era contratado, crescíamos. Mas, como no caso da tuberculose, desaparecidos os sintomas se o doente deixa de tomar o remédio a doença volta mais forte, e é preciso remédios mais potentes, efeitos colaterais danosos. A situação atual é que em lugar de seguir a receita que mostrou que era possível pagar as contas, desde salários a hospitais e precatórios passando por novas estradas, os mais fortes pediram aumentos para si impossíveis de serem pagos sem que faltasse a tudo mais com a arrecadação do estado. Pediram, o Executivo (governo) encaminhou, a Assembleia aprovou (por unanimidade), o Judiciário sustentou. Os exemplos pelo mundo mostravam o perigo de aplicar o remédio inverso ao que a doença necessitava.
Na Venezuela, em caos e em crise humanitária hoje, as classes privilegiadas lucraram às custas do povo. Na Grécia aposentados perderam seus direitos conquistados quando ficou claro que era impossível honrá-los. Em Portugal foi uma década de sacrifícios e reformas. No Rio de Janeiro, infelizmente, essa tragédia. Por todo o país, em crescente, estados e prefeituras não conseguem pagar os salários dos servidores do Executivo. Então o atual governo, que não fez diretamente a dívida acumulada nem o déficit herdado, mas que assumiu a responsabilidade de governar, propõe, junto com o Governo Federal, o novo remédio, o PRF. É de sua responsabilidade.
Quem vota – sem salários parcelados – decide. Quem chancela – sem salários parcelados – é o Judiciário. Mas a tragédia que está acontecendo com “o outro”, se não forem tomadas as medidas de enfrentamento da crise, baterá à sua porta ou, pior, entrará sem bater, tirando o que é seu, matando sua esperança e mesmo tirando sua vida. O rompimento da normalidade, ou, a situação de exceção, vai acabar valendo para todos, é questão de tempo se não for consertado. Tem como consertar. Como diz o Juízo no histórico julgamento do dia 24 de janeiro de 2018, não importa quão alto o julgado esteja, a lei estará acima dele. Quando bem interpretada, quando bem aplicada, vale para todos. Hora de consertar. Conserta Rio Grande!
* Yeda Crusius é presidente Nacional do PSDB-Mulher, deputada federal no quarto mandato pelo Rio Grande do Sul, ex-governadora e ex-ministra do Planejamento