PSDB – PE

Um ano sem Mário Covas

O transcurso de um ano da triste e emocionante despedida do governador Mário Covas, ocorrida em 6 de março de 2001 em meio à comoção de todo um país, fez-me lembrar de diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956), na peça ¥Vida de Galileu¥. Na passagem, um deles afirma enfaticamente: ¥Infeliz do país que não tem heróis¥; e o outro rebate: ¥Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis¥.
Os intermitentes casos de corrupção ocorridos nos cinco séculos de história e os problemas que ainda se verificam no cotidiano nacional demonstram que o Brasil – apesar de todos os esforços e avanços hoje verificados na ética e na valorização da cidadania – lamentavelmente, ainda se enquadra no segundo caso.
Portanto, é mais do que necessário perpetuar, conferir visibilidade global e multiplicar o exemplo legado pelo combativo governador em seus anos de impecável vida pública. O estoicismo com que exercitou a política e os cargos públicos, durante sua trajetória, deve estabelecer parâmetros de conduta para o presente e também para o futuro. A capacidade de montar uma verdadeira escola de governo, com fiéis seguidores em termos de parâmetros éticos, é fator de extrema importância e orgulho para a nação, sedenta por bons modelos. Um bom exemplo é o governador Geraldo Alckmin. Afinal, seria muita ingenuidade supor que alguma nação consiga ter pleno êxito em suas metas de desenvolvimento, numa era cujo principal ícone é a consciência ética, sem que o princípio fundamental desta ética esteja fortemente arraigado em todas as instituições, sejam elas públicas ou não.
À humanidade do Século XXI não interessam apenas e tão somente as promessas de facilidades, progresso econômico, tecnologia de ponta e conforto que estão contidas no ideário da sociedade pós-industrial. Ser ético, correto e honesto é essencial. Ser ético, correto e honesto é também o mínimo que homens que exercem cargos públicos – o que vai muito além da política – podem oferecer à sociedade que direta ou indiretamente depositou sua confiança.
A ausência de ética na política e todas as suas conseqüências são ainda mais danosas quando a vítima é um país em desenvolvimento, como o nosso, em que há muito a fazer para garantir o crescimento sustentado da economia e a necessária redução dos problemas sociais. Vivemos um momento crucial no setor social. A sociedade, acuada pelo medo, deposita seus últimos votos de confiança em um governo que luta para restabelecer a ordem e para devolver ao cidadão o verdadeiro conceito de cidadania. Porém, quando se observa nos poderes constituídos a prevalência de interesses pessoais, corporativos ou de grupos, acima das metas de toda a sociedade, macula-se a democracia e se aprofundam as desigualdades, além de se disseminar a descrença de se alcançar uma sociedade justa e segura.
Esta constatação, aliás, não é nova. Rousseau já observava – ¥Concebo na espécie humana duas formas de desigualdade: uma que chamarei de natural (…) e outra que se pode chamar de moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e porque é estabelecida, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens¥.
Pois bem, na democracia moderna, quando recebe o poder pela força do voto, o político deve exercê-lo em nome da maioria, ou seja, pautando-se por inabalável consciência ética. É necessário resistir às tentações inerentes ao poder, repudiar, denunciar e punir os corruptores, para evitar a repetição de vícios milenares denunciados com muita clareza no livro ¥Arqueologia da Ética¥, do psiquiatra Carlos Roberto Aricó: ¥Desde tempos históricos, é freqüente observar-se que os chefes políticos se transformam em proprietários do Estado (…). É oportuno considerarmos que as leis objetivam domesticar as paixões. Desejos, talentos e acaso, aliados a pessoas ambiciosas e covardes, foram os elementos básicos na desigualdade entre os homens¥.
Como o mundo está muito aquém de um ideal harmonioso de conduta adequada, cabe à consciência cívica dos cidadãos depurar, no exercício do voto, o universo dos cargos eletivos. A consciência é filha da informação, da cultura e da educação, pode-se argumentar. É verdade. Exatamente por isso, é grande a responsabilidade que cabe aos formadores de opinião. Em todo ano eleitoral, a mídia tenta reforçar a idéia da responsabilidade inerente ao ato de votar. Porém, o movimento ainda é tímido se levarmos em consideração a responsabilidade e a decorrente conseqüência do mau voto. Atribuir a importância da escolha do candidato ao povo brasileiro é o primeiro passo para a metamorfose social que se espera ver. Professores, intelectuais, jornalistas e todos os profissionais com acesso às mídias, sejam elas dirigidas a públicos específicos de uma organização ou ao conjunto da sociedade, devem partir do pressuposto da ética nas relações sociais, econômicas, trabalhistas e políticas.
Educar é preciso. Difundir esse conceito representa a edificação de uma sólida ponte de acesso visando um futuro muito mais feliz. Futuro em que os brasileiros não mais precisarão socorrer-se da estóica memória de heróis como Covas para encontrar sua identidade como povo e assegurar um mínimo de auto-estima. Assim, mais do que transformar em lágrimas de saudade as águas de março, a Nação deve utilizá-las com sabedoria, irrigando com elas a semente da ética.
Ruy Martins Altenfelder Silva , presidente do Instituto Roberto Simonsen, é secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, e responde também pelo Turismo, no Estado de São Paulo.

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