A tensão vivida pelo Brasil desde a greve dos caminhoneiros escancarou a fragilidade da comunicação do nosso atual governo com a sociedade. Nos faz lembrar que, agora, a indignação do nosso povo não é baseado (apenas) no abastecimento do combustível e na ineficaz malha ferroviária, mas na descrença e na revolta de nossa gente. Uma mágoa que envolve questões muito mais antigas, profundas e complexas, reforçadas pela insensibilidade dos homens públicos e das lideranças políticas, das nossas elites.Não temos uma agenda comum de objetivos. Estão cegos, surdos, falando uma linguagem que é inaudível aos ouvidos da sociedade, perdidos em tiroteios.
Para mudar isso, nossas instituições precisam enfrentar o debate despindo-se da arrogância, corporativismo e fazendo-se colocar-se no lugar dos que são vítimas deste modelo tão desigual e excludente. Discutir a questão da crise econômica, do desemprego, da escassez de recursos e dos impostos que são jogados nas costas do nosso povo de uma maneira simples e ao mesmo tempo revolucionária: mexendo no próprio pirão.
Eu fui cinco vezes prefeito, e, nestes anos de administração, vivi muitos momentos de crise ( como a ditadura de João Figueiredo e o caos econômico do governo Sarney). Em todos esses períodos de aperto, eu usei a teoria da ‘’farinha pouca’’. É pensando nela que eu gostaria de convidar o governo e as nossas autoridades a oferecer um sacrifício à nação. Um esforço que sinalize bandeira branca e inspire confiança no lugar de redenção. Sugiro que, para não colocar a democracia em risco e para não alimentar o desespero que estamos vivendo há tempos ( e não só nesse final de governo melancólico), nossos representantes façam um corte geral de gastos e mostre vontade de arrumar a casa e salvar as pilastras do cupim.
Dá para imaginar? O congresso nacional cortando pelo menos 20% dos seus atuais gastos administrativos? Reduzindo o número de deputados e senadores, deputados estaduais e vereadores? Destinando estes recursos para uma área de investimento urgente, como a saúde? Dá para imaginar o Governo Federal e os governos estaduais e dos 5.600 municípios reduzindo salários, reduzido quantidades de ministérios, secretarias nacionais, estaduais e municipais, de cargos comissionados, de assessorias e de diretorias?
Dá para imaginar nossos representantes cortando na carne, reduzindo a gulosa e faminta máquina pública, o combustível, os veículos, as viagens, as diárias e a as afrontadadoras mordomias? Dá. Eu, quando fui gestor me deparei em diversos momentos de crise, reduzi meu salário, o dos secretários, e dos cargos comissionados, assim como cortei gastos com combustíveis, diárias, propaganda, sem falar na drástica redução do tamanho da máquina, e mesmo na crise ampliamos e melhoramos a qualidade dos serviços essenciais. Não fiz milagres, mas ganhei autoridade para exigir o sacrifício da sociedade, porque medidas como essa são poderosas e emblemáticas.
Portanto, dá para imaginar. Imaginar o poder judiciário, morador afrontoso daqueles prédios suntuosos, cortando despesas e vivendo em cenários menos luxuosos. Dá para imaginar os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que pagam muitas vezes salários escandalosos, inclusive ao arrepio da lei, contando os centavos e fazendo uma ‘’faxina ética’’.
Eu não sei o efeito disso tudo em milhões ou bilhões. Mas sei que tantos cargos e privilégios pesam e influenciam a sobrevivência dos mais de cinco mil municípios do país.
Não podemos lidar com uma crise como a nossa simplesmente fazendo movimentos burocráticos. É preciso uma atitude forte. Uma política com alma, com sentimento de respeito ao povo. É preciso uma mensagem. “Nós ouvimos o seu choro”. A mãe que diminui a carne para pagar a escola do filho em tempos de economia apertada é o exemplo. “Farinha pouca, meu sacrifício primeiro”. Só assim nosso pirão vai encorpar.
*Elias Gomes (PSDB-PE) é ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes