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“O vício da mediocridade”, por José Serra

serraOs tropeços do  modelo de ajuste econômico implantado pelo governo Dilma não surpreendem. Trata-se  de uma frustração anunciada.  Como  eu   disse no Senado no início de março, vaticinando o que viria a acontecer,    estamos diante de um oximoro perfeito: um ajuste desajustado. Os principais objetivos –   promover o equilibrio fiscal, deter a inflação e melhorar as expectativas dos agentes econômicos – não só não foram atingidos como ficaram mais distantes.

O comportamento da inflação derrubou as projeções  e  ela  chegará  perto dos 10% ao longo do ano. Isso era previsível, dado o tamanho dos reajustes dos preços administrados – energia, combustíveis e   transporte – além da resiliente  indexação da economia.

As metas fiscais eram irrealistas e o déficit primário aumentou de 0,6%      a 0,8% do PIB (12 meses) entre dezembro e abril. O déficit nominal  cresceu de 6,2% a 7,5%% do PIB  no mesmo período.   Isso também era previsível, graças, de um lado,    à queda das receitas do governo (perto de 5% real), derivada da recessão, e, do outro, à  aloprada política de juros.

Desde que Dilma se reelegeu, o reajuste acumulado   da  taxa  de juros (SELIC) chegou a 2,75 pontos percentuais. Os aumentos prosseguiram  apesar de  a economia continuar desabando, de não haver pressão de demanda e de a diferença das taxas brasileiras com as do exterior serem imensas (cerca de 0% nos EUA e na Europa). São aumentos fúteis, mas  que,  além de derrubarem os investimentos e a atividade econômica, levando junto empregos e arrecadação,   entram na veia do deficit público:  o custo anualizado  para o Tesouro da elevação dos juros é da ordem de R$ 38 bilhões!

O ônus social e político do ajuste desajustado para o governo Dilma ainda está por se manifestar  plenamente. O desemprego, que saltou de 4,9 para 6,4% entre abril do ano passado e abril deste ano, caminha para 9% até dezembro, segundo projeção do professor J.R.Mendonça de Barros, que estima a queda do PIB de 1,5 a 2% em 2015 e crescimento zero em 2016. Alguém duvida que, como consequência,  a crise política se agravará ainda mais no segundo semestre?

Aliás, se há um terreno onde  o desempenho do governo deixa   a desejar é precisamente o das expectativas, que, no mundo econômico de hoje, funcionam cada vez mais como profecias que se auto-realizam.  A sinalização de caminhos   –  frentes de expansão capazes de puxar a economia –  é essencial para que políticas de ajustes  funcionem melhor. Mas isso é tudo o que o governo não faz. Sem esforço, podemos identificar três frentes possíveis e necessárias: exportações,  infraestrutura e petróleo.

No comércio exterior continuamos  galhardamente aprisionados na Papuda   da União Alfandegária do MercoSul, segundo a qual renunciamos à nossa soberania comercial:  qualquer acordo de livre comércio   com outro país precisa ser aprovado pelos sócios: Argentina, Uruguai, Paraguai e,agora,  Venezuela.

Quanto à Infraestrutura – portos, aeroportos, ferrovias, estradas, hidrovias, energia, que turbinam o custo-Brasil –    tardiamente anunciou-se um plano, dificultado pelos juros elevados,  que afastam parceiros privados,  e  pelos cortes de 36% dos   investimentos federais.. E, para culminar, o toque cucaracha:  o novo anúncio substituiu a alucinação do Trem-bala Rio-SP pela Ferrovia Transperuana, que, supostamente, abriria o caminho do Pacífico para a economia brasileira. Só que sai mais barato exportar a soja  do Brasil Central para a China  via porto  Santos ou Paranaguá do que pela nova ferrovia do Pacífico: 46 dólares a menos por tonelada, segundo Blairo Maggi, meu colega do Senado, ex-governador de Mato Grosso e  grande produtor de soja. Mas projeto-miragem não é inofensivo:  ao contrário, a brincadeira contribui  para tirar a seriedade do anúncio e a credibilidade do governo.

No setor do petróleo, tudo ia bem até o acesso de megalomania que acometeu os  governos petistas em relação à empresa, com  os imensos e desastrosos  investimentos em refinarias (prejuízos de R$80 bilhões),   o loteamento político de cargos estratégicos,   e o arrocho dos preços dos combustíveis (prejuízos de R$60 bilhões) – estratégia oportunista para segurar a inflação. Assim  a dívida líquida da Petrobrás chegou a  R$330 bilhões, equivalentes a 5 vezes   a geração de caixa operacional da empresa. Tanto é assim a atual diretoria da estatal programou  a venda de ativos da ordem de 14 bilhões de dólares!

Em 2010, e como estratégia da eleição presidencial, o regime de concessão para a exploração   do pré-sal foi substituído pelo de partilha, Estabeleceu-se  que a Petrobrás deveria ser o operador único de cada área licitada e financiar pelo menos 30% do investimento necessário. Entre as discussões e definições sobre a mudança de método,   e as dificuldades da Petrobrás para cumprir a nova obrigação  , o Brasil ficou cinco anos sem  leilões (2008-2013), levando a uma semi-estagnação da indústria petrolífera.

Por isso mesmo,   apresentei no Senado projeto que   retira a obrigatoriedade de a Petrobrás ser   a operadora única do pré-sal e de bancar 30% dos custos dos investimentos. Hoje, ela não tem dinheiro nem  capacidade para cumprir esse papel. Garanto que os dirigentes mais responsáveis da empresa apoiam  a  medida, que, por outro lado, permitiria dinamizar a exploração do pré-sal.

Soberania ameaçada? Invasão das transnacionais? Tudo delírio. A Petrobrás detém  reservas equivalentes a  40 vezes   sua produção anual! Mais ainda,    a lei de 2010 permite que o Conselho Nacional de Política Energética entregue à empresa, sem licitação, áreas que considere estratégicas.Meu projeto não mexe nisso nem no regime de partilha.(Ou seja, se aparecer um Kuwait dentro ou fora do pré-sal o CNPE pode imediatamente entregá-lo à Petrobrás).

O propósito é ajudar   a recuperação da Petrobrás e a dinamização da produção nacional de petróleo. Uma contribuição   à melhora das expectativas sobre a economia brasileira, mas o Palácio do Planalto se opõe a ela.

A característica definidora de um governo ruim é não querer melhorar. O governo ruim se intoxica com a própria mediocridade. Vicia-se nela.

 Senador (PSDB-SP). Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 25/06/2015

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