A missão essencial da classe política é colocar de fato como prioridade os interesses do país e da população. Não se trata de uma frase ingênua. Ao contrário, o que os atuais ocupantes de mandatos mais precisam é se reaproximar de seus eleitores, mostrar que, a despeito de todas as dificuldades que o país vive, existe compromisso com o que é melhor para o Brasil. Por isso, se for aprovada a reforma política que se desenha, com soluções esdrúxulas e tomadas de costas para a sociedade, será o mesmo que assinar o divórcio entre eleitores e eleitos e colocar em xeque os rumos do arcabouço institucional do país.
O primeiro ponto a ser fortemente combatido é adotar o chamado distritão. Trata-se de um sistema deplorável mesmo como alternativa de transição para o almejado sistema distrital misto, adotado em países como a Alemanha e discutido agora pela França. Esse modelo combina o maior número de vantagens dos outros sistemas – a eleição de um deputado por distritos pequenos, o que barateia o custo de campanha, e a defesa de bandeiras partidárias no âmbito estadual, permitindo a representação parlamentar das minorias –, assim como minimiza as imperfeições inerentes a qualquer regramento eleitoral.
Mudar o atual sistema para o distritão é jogar por terra o pouco que nos resta de ideologia, coesão partidária e coerência política e reduzir as eleições parlamentares a uma votação de programa de TV. Para o cidadão já descrente com a classe política, será que vai ser tão diferente escolher um deputado ou um vencedor de reality show?
Aí é que está o ponto crítico do distritão e o brutal erro de avaliação de seus defensores. Acreditar que um deputado tem maior chance de reeleição numa disputa personalizada e estritamente majoritária é fechar os olhos à realidade. Um sistema como o proposto seria um convite à radicalização do discurso antipolítico, à chegada de subcelebridades ou de aventureiros financiados sabe-se lá como e por quem, em disputas ainda mais caras que as atuais, já que os candidatos continuarão tendo que percorrer estados inteiros, em vez de se concentrarem em um território menor, como prevê o modelo distrital.
A perspectiva da reforma política deve ser o eleitor, e não o eleito. Deve ser o anseio da sociedade por campanhas mais democráticas, menos perdulárias e dispendiosas, e não a busca de subterfúgios para a manutenção dos que hoje detém o poder. Nesse sentido, a proposta de um fundo bilionário para as campanhas, diante do atual cenário de crise fiscal e ajuste das contas públicas, chega a ser um escárnio.
Melhor seria incentivar doações privadas mediante um sistema mais rígido e rigoroso de controle, com limites claros e austeros tanto em relação a doações quanto aos gastos, coibindo pirotecnias e produções hollywoodianas. Seria um gesto importante evitar o uso de mais dinheiro do contribuinte, cansado de ver seus impostos revertidos em um poder público pouco eficiente, tomado de assalto por interesses corporativistas e pelo patrimonialismo.
A boa política é feita no caminhar entre o ser e o dever-ser, entre a decisão possível, tomada pela ética da responsabilidade, e o objetivo ideal, formado pela ética da convicção. Nem sempre conseguiremos fazer avançar a proposta mais adequada, concessões são feitas para se atingir um degrau mais alto na escada da evolução. O que é reprovável é apostar num tiro no escuro, acreditar em mudanças que não só não resolvem como agravam os problemas existentes. Em vez de renovar os pilares da representatividade e fortalecer a conexão entre eleitores e eleitos, a reforma política tal como se ameaça aprovar abala os mais essenciais fundamentos da democracia.