Quem conhece Porto Alegre sabe da importância que seu porto tem na sua história e nos desejos de toda uma população de deixar de olhar de costas para o seu rio. O porto ainda é fechado, e o centro da cidade, pleno de edifícios, faz que apenas olhemos para o outro lado do rio, a oeste, feito de ilhas pouquíssimo habitadas e recorrentemente inundadas. É inclusive por essa característica que nosso pôr-do-sol é conhecido como um dos mais lindos do mundo. É para além das ilhas que o sol se põe, sem nenhum obstáculo, para apreciação de todos.
Durante nossa gestão no governo do estado do Rio Grande do Sul, sabedora de que a revitalização do porto era um desejo primordial dos gaúchos, busquei imediatamente após a posse implementar um projeto inovador para permitir que o que parecia um sonho, tendo várias tentativas frustradas, pudesse ser implementado. Esse projeto foi inserido nos Programas Estruturantes prioritários na nossa administração como uma de suas principais ações: as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Além de buscar aproximar o rio do povo, de promover o turismo e a economia, havia outra razão para a revitalização: a capital gaúcha foi incluída entre as cidades que sediariam os jogos da Copa de 2014. Tínhamos 7 anos para completar a tão desejada mudança.
Os números que envolviam essa iniciativa eram grandiosos, e o empreendimento – avaliado em cerca de R$ 400 milhões – deveria ser totalmente custeado pela iniciativa privada.
A área em foco possui 181 mil metros quadrados e 3,3 quilômetros de extensão, se estendendo desde o Gasômetro até a altura da Estação Rodoviária, abrangendo a faixa de terra entre a Avenida Mauá e o Guaíba. Com a revitalização do Cais, vários empreendimentos voltados ao turismo, comércio, gastronomia, vida cultural, hotelaria e lazer seriam abrigados, gerando mais de dez mil vagas de emprego diretos e indiretos. Pelo menos duas mil pessoas seriam contratadas só para a construção das obras na orla. Mais de cinco mil novas vagas de estacionamento seriam construídas no centro histórico da capital. O Governo do Rio Grande do Sul esperava arrecadar, em tributos, uma média anual de R$ 18 milhões.
O primeiro e decisivo passo aconteceu já no início do mandato. Em 30 de julho de 2007, ousamos ao utilizar, de forma inédita, o instrumento da “Solicitação para a Manifestação de Interesse”, publicado em vários jornais nacionais e internacionais, para que empresas privadas manifestassem seu interesse em apresentar propostas de revitalização para a área do Cais Mauá. Este instrumento nunca havia sido utilizado no estado e representou uma inovação gerencial extremamente eficiente.
26/08/10 – Instituição e Nomeação da Comissão de Licitação do Projeto de Revitalização do Cais Mauá. Créditos: Antônio Paz
Na mesma data, o Diário Oficial do Estado publicou o Decreto 45.187/07, instituindo a Comissão Técnica de Avaliação e Seleção dos estudos relativos à revitalização do Cais, composto por representantes do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre. Esta Comissão analisou os projetos apresentados por seis consórcios. Três projetos foram aprovados para uma segunda etapa de análise e avaliação.
Em 28 de julho de 2008, foi anunciado que o estudo liderado pela M.Stortti Consultores havia sido escolhido por unanimidade pelo Grupo Técnico de Avaliação. Este estudo serviria de referência para a elaboração das Diretrizes Urbanísticas e para a elaboração do Edital de Licitação da área. Baseado nisso, um grupo de técnicos do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre realizou diversos estudos de viabilidade, mapeamento, modelagem e escolha do Plano de Negócios. E também elaboraram uma proposta para o Plano de Diretrizes Urbanísticas com vistas à ocupação da área.
26/08/10 – Instituição e Nomeação da Comissão de Licitação do Projeto de Revitalização do Cais Mauá. Créditos: Antônio Paz
Em dezembro de 2009, um Projeto de Lei (PL) foi enviado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre à Câmara de Vereadores, definindo as diretrizes para a revitalização do Cais Mauá. Uma audiência pública foi realizada na Câmara de Vereadores da capital e resultou em contribuições das entidades representativas da sociedade civil do Estado. O PL apresentado pelo Executivo foi aprovado na Câmara Municipal de Porto Alegre e virou lei (Lei Complementar n.º 638) em 4 de março de 2010, estabelecendo o regime urbanístico para a orla, com rígidas regras de respeito ao meio ambiente e ao patrimônio histórico.
O projeto de revitalização deveria atender ao conceito de sustentabilidade, com o uso eficiente da energia, de matrizes alternativas; coleta seletiva, reciclagem, reutilização e redução dos resíduos sólidos; conservação, uso racional e reaproveitamento das águas; aproveitamento das condições naturais locais; implantação e análise do entorno. Entre outras exigências, também foram previstos acessos públicos e de ciclovia compatibilizados com o Plano Diretor Cicloviário Integrado. No Cais, ainda deveria ser implantado um centro de educação ambiental e de artesanato, um museu de tecnologia, entre outras instalações que promovessem a criatividade e o empreendedorismo em cultura, esporte e inovação.
O Cais, entretanto, apresentava oportunidades que não deviam esperar pelo projeto. Apenas uma ponte, e com vão móvel, de meados do século passado, permite o tráfego entre Porto Alegre e “o outro lado do rio”, inclusive em direção à fronteira que fazemos com o Uruguai e a Argentina, e também para o sul, até o Super Porto de Rio Grande, pela BR 116 entre Guaíba e Pelotas. Depois de ampla negociação, em 2009 pude inaugurar a nova travessia Porto Alegre-Guaíba, saída do Cais Mauá através de transporte por catamarã. Por todos os registros e depoimentos, essa mudança transformou o próprio município que passou a receber em fins-de-semana até cinco mil visitantes, levando o comércio e a infraestrutura se adequarem para recebê-los. Saindo do porto, o catamarã inaugurou uma nova fase para nosso transporte estadual.
A segunda inovação veio quando, desalojada de seu teatro, que usava para ensaios e apresentações, a Ospa foi por mim acolhida para seus ensaios no próprio Palácio Piratini, enquanto providenciávamos um espaço próprio e digno para a orquestra. O Espaço da Ospa foi a primeira obra de revitalização do Cais Mauá. Em 19 de março de 2010, inauguramos o novo local de ensaios da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa). Localizado no Armazém A3, era uma local amplo, totalmente adaptado, climatizado, com pintura, iluminação e outras melhorias. Assim, pude recuperar a ala dos ensaios feitos no Piratini e dar início à restauração do próprio Palácio, obra que terminamos em um ano, e que restaura também o orgulho dos gaúchos por esse monumento público, que é o seu Palácio de Governo.
Finalizado o projeto, em 28 de junho de 2010 foi publicado o Edital de Licitação internacional para as obras de Revitalização do Cais Mauá. O edital previu, ao final do processo de licitação, a celebração de um contrato de arrendamento da área incluindo a construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação, por meio de operadores especializados, de um complexo empresarial, de cultura, lazer, entretenimento e turismo.
Após a publicação do edital de licitação, os interessados deveriam apresentar propostas em um prazo de 90 dias para a Comissão de Licitação. Quatro consórcios haviam efetuado a visita técnica obrigatória. A concepção do projeto e seus conceitos foram apresentados pelos arquitetos responsáveis, os renomados Jaime Lerner e Fermin Vazquez. O que se viu foi um projeto único de integração da história de Porto Alegre com o que há de mais inovador em relação à arquitetura, urbanismo e preservação ambiental.
Em 23 de dezembro de 2010, assinamos o contrato de arrendamento do Cais Mauá, em Porto Alegre, ao Consórcio Porto Cais Mauá, vencedor da licitação, para o início das obras. O ato ocorreu no pórtico central do Cais com todas as instituições envolvidas no projeto, desde a Prefeitura e as Procuradorias até as autoridades navais e ambientais, nesse que é um marco histórico por significar o início da recuperação do local, sonho aguardado há mais de 30 anos pela população de Porto Alegre e de todos os gaúchos. Dentro da lei, sem custos para o Estado, apoiado pela população. Infelizmente, o que se vê em 2017, quase dez anos depois do seu início, é que a revitalização do Cais Mauá, até hoje não foi executada. Infelizmente. Quem sabe algum dia, e que seja breve, possam realizar esse que voltou a ser um sonho, podendo ser realidade.