O Brasil vive um momento difícil na área fiscal, mas tem a comemorar o fato de que a lei que foi pensada para controlar as contas públicas chega aos 15 anos sendo parte integrante do ordenamento político e econômico do país. Ela criou uma nova cultura, diz o ministro Joaquim Levy. A equipe que a redigiu preparou a economia com mudanças que permitiram que a lei fosse cumprida.
Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), várias providências tiveram que ser tomadas. O governo Fernando Henrique negociou com os estados e os municípios a dívida enorme que eles tinham em mercado. Teve que fechar ou federalizar bancos estaduais e empresas de energia porque essas instituições haviam se transformado em financiadoras de seus controladores. Estados e municípios foram beneficiados com a negociação da dívida porque passaram a pagar juros menores dos que eram cobrados pelos credores.
É bom lembrar isso, porque foi com base na ideia de que o Tesouro cobrava indevidamente que estados e municípios pressionaram para a mudança do indexador, no ano passado. Isso já foi aprovado, e o que se discute é a partir de quando estará em vigor. Ontem, em conversa com a CBN, o ministro Joaquim Levy disse que a alteração do índice de correção das dívidas com a União foi precipitada.
A LRF tem sido ameaçada e ao mesmo tempo tem muito a comemorar. Os indicadores fiscais herdados do primeiro mandato são horrorosos: subiu a dívida bruta, aumentou o déficit nominal, o superávit primário se transformou em déficit. O pior, no entanto, foi o detectado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na relação entre o Tesouro e as instituições financeiras públicas. Os atrasos nos pagamentos aos bancos mostraram que, na prática, eles estavam financiando o governo, o que é proibido.
O ministro Joaquim Levy disse ontem na CBN, quando perguntei sobre o tema, que será preciso esperar o resultado final do julgamento do TCU antes de se pronunciar a respeito. Levy disse que no regime democrático é cada vez mais necessário prestar contas do gasto, informando o motivo de cada despesa e qual é a prioridade da ação do governo. Ele defendeu em entrevista ao GLOBO que haja um sistema de avaliação da qualidade do gasto. Perguntei a ele, ontem, se isso seria através de uma mudança de atitude ou uma nova lei. Ele respondeu que poderia ser as duas coisas.
A complexa questão de como o governo arrecada, gasta, se endivida, escolhe prioridades para usar os recursos do contribuinte para cada área está em plena evolução. Contudo, é importante registrar o quanto já se caminhou. A LRF, para ser aprovada, exigiu um trabalho prévio de limpeza e, ao passar a vigorar, criou constrangimentos para os governos, ainda que, como disse este jornal, não tem havido punição para as autoridades que a descumprem.
Levy tem razão, há uma nova cultura no país. O tema árido das contas públicas é debatido, mobiliza, faz o governo se explicar. Deixou de ser assunto que interessa apenas a meia dúzia de economistas especializados em finanças públicas. Quanto mais o contribuinte exigir, cobrar, fiscalizar, melhor será para a saúde financeira do Estado brasileiro.
Não basta não gastar demais. Como explicou Levy, é preciso pensar numa nova etapa do mesmo esforço de controle das contas, que é o de ter um sistema de avaliação do desempenho em áreas fundamentais para o país, como educação e saúde.
A LRF foi atacada três vezes nos últimos tempos: quando o Congresso permitiu que o governo fechasse o ano sem cumprir a meta que ele mesmo havia proposto e, por isso, o objetivo de superávit primário virou “resultado primário”. No fim do ano passado, a presidente Dilma sancionou a lei que altera o indexador das dívidas. O governo descumpriu a determinação de que o Tesouro não se endivide junto às instituições financeiras estatais.
No meio dessas sombras, a Lei de Responsabilidade Fiscal chega aos 15 anos. Parece viver, no momento, uma coleção de más notícias, mas quem não a respeitou está sendo duramente cobrado e terá que se explicar e corrigir seu rumo. Em vez de se enfraquecer, a lei está ficando mais forte diante dessa tentativa de descumpri-la.
*Coluna publicada no jornal O Globo – 05/05/2015