Segurança jurídica é um propósito que, muitos acreditam, ainda está longe de ser praticado no Brasil. Significa, em linhas gerais, que a lei não vai retroagir, que o que é legal não será quebrado, que as regras definidas serão, de fato, cumpridas. A falta de segurança jurídica é um dos fatores que afugentam investidores e elevam o chamado ‘Custo Brasil’. Projeto de lei do senador Antonio Anastasia (PSDB/MG) que trata do assunto foi aprovado em caráter terminativo nessa quarta-feira (29/03) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. Se não houver recurso para o Plenário, a matéria, que foi relatada pela senadora Simone Tebet (PMDB/MS), seguirá agora para a Câmara dos Deputados.
A proposta (PLS 349/2015) dá maior segurança para investidores, cidadãos, gestores e servidores públicos, como prefeitos, governadores, juízes, membros dos Tribunais de Contas e do Ministério Público. Acrescenta 11 novos artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e foi recomendada por diversos professores e especialistas em Direito Administrativo. O conjunto temático da matéria também foi indicado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), conhecido como “Conselhão”, ao presidente Michel Temer na última reunião do colegiado em 7 de março último.
“Um problema atual do Brasil é a incapacidade de o Estado gerar confiança nas pessoas, nas empresas e no chamado Terceiro Setor. Ou melhoramos nosso ambiente institucional ou o Estado será um inimigo, jamais um parceiro. A orientação geral desse projeto, nesse sentido, é consolidar e melhorar as regulações e os controles públicos existentes e, ao mesmo tempo, proteger pessoas, organizações e servidores contra incertezas, riscos e custos injustos. É uma proposta que vai impactar positivamente em toda sociedade porque, em resumo, busca garantir o bom senso nas decisões e mais eficácia na realização da Justiça, afirma o senador Anastasia.
A proposta e seus impactos
O projeto trata de normas gerais sobre criação, interpretação e aplicação do direito público. Essas normas serão nacionais, valendo para autoridades federais, estaduais, distritais e municipais de quaisquer Poderes e órgãos.
Uma de suas propostas (art. 20) define que o Poder Público não decidirá com base em valores abstratos sem medir as consequências práticas daquela decisão. Assim, será preciso demonstrar a necessidade e adequação da medida imposta, levando-se em conta possíveis alternativas. De uma maneira muito prática, isso poderá evitar que as consequências sejam mais problemáticas que o próprio problema. Foi identificado um problema numa licitação ou em um concurso público? Paralisar a obra ou anular o concurso é sempre o melhor caminho? Tirar o WhatsApp do ar tem mais impacto nas empresas ou nos usuários que nada tem a ver com o caso? São consequências que deverão ser levados em conta quando da tomada de decisão.
Mas depois da decisão tomada, o que virá depois? O Poder Público é responsável por detectar o problema, mas também apresentar a solução. É o que prevê o artigo 21. Se houve a invalidação de um ato ou normal, será preciso indicar as consequências. Por exemplo, o prefeito anula um contrato de prestação de serviço público. Qual a alternativa seguinte a essa anulação? Como o serviço será prestado? Será apresentada uma solução melhor do que a que existia? Essa norma quer garantir que os cidadãos contem sempre com a melhor decisão possível, que tenha a solução para as suas demandas.
Segurança para os gestores
O projeto aprovado também quer dar garantias e segurança para o gestor público empreendedor e preocupado em apresentar resultados concretos para a sociedade. O artigo 22 determina que interpretação das normas sobre gestão pública considerará os obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo. Dessa forma, se uma cidade teve um desastre muito grave e não planejado e o prefeito precisar gastar mais com ações de emergência é possível que naquele ano ele não gaste o mínimo constitucional na educação por causa do dinheiro realocado. Pela norma, analisado todo esse contexto, os órgãos de fiscalização poderiam eximi-lo de penalidades porque, afinal, ele se preocupou verdadeiramente em resolver os problemas emergenciais da comunidade que ele cuida.
Da mesma forma, a transformação desse projeto em Lei permitirá que o Poder Público celebre acordos com particulares no próprio âmbito administrativo, sem ação judicial (art. 26). Nesse ‘compromisso’, cada um poderá abrir mão de algo para que se possa chegar um denominador comum. Algo que resulte em menos burocracia, ganho de tempo e dinheiro para ambos. Na teoria hoje já pode haver tratativas desse tipo, mas a insegurança jurídica (o fato de não estar na norma) faz com que essa solução não seja adotada mais vezes pelo Poder Público.
Também para evitar a judicialização de processos – hoje é o Poder Público o maior litigante na Justiça – foi formulado o artigo 27. Por meio dele, a Administração poderá encontrar solução que amenize as repercussões danosas para terceiros sem necessidade da ação do Judiciário. Se durante o reboque de um carro estacionado em lugar irregular, o serviço de trânsito da prefeitura acabou deixando o carro cair e estragando toda a lataria, a própria prefeitura, reconhecendo o erro, poderá realizar a reparação, mesmo que não acionada na Justiça. Significa menos burocracia, menos morosidade e menos dinheiro gasto com ações no judiciário.
Responsabilidade dos agentes
A proposta garante a responsabilização dos agentes públicos (art. 28). Mas também assegura que eles tenham autonomia e liberdade para possam exercer sua função. Com isso, se um técnico libera uma barragem para funcionamento e depois ela se rompe porque seus cálculos estavam todos errados, ele será responsabilizado. Se, por outro lado, um juiz aceita um pedido de abertura de inquérito contra uma pessoa que foi citada em um depoimento e ao final da investigação ficar claro que o investigado não cometeu nenhum crime, o juiz não será responsabilizado por ter entendido que havia indícios suficientes para abertura do inquérito. Assim, a proposta protege, por exemplo, juízes e membros do Ministério Público que fizerem diferentes interpretações da Lei, já que o Direito não é uma ciência exata.
Prevê ainda o projeto que, antes de editar um ato ou colocar uma proposta de licitação na praça, o Poder Público pode ir à Justiça para que ela confirme o acerto ou corrija possíveis distorções (art. 25). Isso servirá para confirmar a validade do ato, diminuir riscos de uma judicialização posterior, evitar obras paradas e licitações infindáveis.
Participação cidadã
A matéria protege também o cidadão. Mudanças promovidas pelos Governos deverão prever uma transição segura (art. 23), modulando efeitos e prevendo uma alternativa intermediária. Se a regra da previdência, por exemplo, autorizava a aposentadoria aos 50 anos e passa a valer 80 anos (um caso hipotético), é justo que haja uma regra de transição de modo que quem hoje tem 49 anos não tenha que aguardar mais 30 anos enquanto havia a perspectiva de aposentar no próximo ano.
Também prevê que se o cidadão adquiriu um direito diante de determinadas circunstâncias, eles deverão ser respeitados no futuro (art. 24). Mudanças posteriores não poderão considerar inválidas situações que já se confirmaram anteriormente. Isso significa que se uma determinada prefeitura exigiu apenas o CPF para permissão de funcionamento de um serviço por cinco anos, ela não poderá caçá-la depois de dois anos porque não foi apresentado CNPJ. É o velho ditado de que “as regras não mudarão durante o jogo”.
Por fim, o projeto assegura a participação cidadã na tomada de decisões (art. 29). As pessoas poderão participar, por meio de consulta pública, preferencialmente pela internet, antes de o Poder Público editar atos que impactem em suas vidas. Os governos deverão ouvir de verdade a população, analisando cada uma das contribuições de modo transparente. O Contran quer exigir farol acesso de dia, a adoção de determinado extintor de incêndio ou kit de primeiros socorros no carro? Antes deverá conversar com a sociedade por meio dessa consulta. A ANAC quer autorizar a cobrança a mais pela bagagem? Antes deverá consultar a população.
“É um projeto que eu reputo como um dos mais importantes que apresentei até aqui no Senado. O que temos visto nos últimos anos, lamentavelmente, é que as empresas estão deixando de investir no Brasil porque não veem ambiente seguro e regras claras. Não sentem confiança. Da mesma forma, os gestores públicos sentem-se cada vez mais ‘engessados’, com medo de fazer diferente e, depois, uma decisão judicial prejudicá-los, mesmo tendo a maior parte deles o interesse público como norte. Por isso, se aprovada, essa proposta produzirá um efeito muito grande e positivo no dia a dia das pessoas e da administração pública. Vamos fazer o Estado funcionar, garantir novos negócios e gerar novas oportunidades”, afirma o senador Anastasia.