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“Esta reforma trabalhista é um retrocesso histórico”, por Eduardo Amorim

Cinquenta mil operários paralisaram praticamente todas as fábricas de São Paulo exigindo mudanças nas relações de trabalho. São Paulo parada, ruas desertas, comércio de portas fechadas, indústrias com maquinário desligado, escolas sem aula. Foi há exatos 100 anos, em julho de 1917. Eram outros tempos, tempos em que o trabalhador não tinha praticamente direito algum. As jornadas de trabalho eram de no mínimo 12 horas, os salários dos homens eram ridiculamente baixos – e as mulheres e crianças trabalhavam o mesmo que os homens, mas ganhavam ainda menos. Não havia férias, décimo terceiro, adicional noturno. Não havia aposentadoria nem descanso no fim de semana.

Certamente, eram outros tempos. E, de lá para cá, com muita luta, o trabalhador conquistou vários direitos e garantias. No entanto, em muitos sentidos, aquela época não difere tanto da que vivemos hoje. O que não mudou nada de 1917 para cá é o fato de que o trabalhador ainda é o responsável pelo desempenho da instituição onde trabalha e é, em última instância, o responsável pelo desenvolvimento econômico do País. Essencialmente, a relação trabalhista mudou pouco. Desde 1917, pode ter havido redução na jornada de trabalho, pode ter havido a conquista de direitos trabalhistas como férias, décimo terceiro, descanso remunerado, aposentadoria e outros, mas o trabalhador continua na posição mais frágil da relação empregatícia.

Quando falamos, por exemplo, em permitir que o negociado prevaleça sobre o legislado, estamos incorrendo num seriíssimo risco – eu diria que é um risco de quase 100% – de retrocedermos imensamente nas relações de trabalho em nosso País. Se aceitarmos que acordos coletivos ou mesmo acordos individuais possam passar por cima de direitos mínimos estabelecidos em lei, estamos simplesmente entregando os trabalhadores à exploração patronal. É um retrocesso sem tamanho! Pode até ser que isso não ocorra no início – ou seja, nos primeiros meses ou anos após a entrada em vigor da reforma.

Contudo, é praticamente certo que, à medida que a economia for oscilando e as relações de trabalho forem se reajustando, o trabalhador sairá prejudicado, porque sempre será a parte mais fraca nas mesas de negociação. Quando se propõe a universalização da jornada de 12 por 36 horas e uma flexibilização enorme da jornada de trabalho, com formação de banco de horas, na prática, o empregador poderá fazer o empregado trabalhar o quanto quiser sem lhe pagar horas extras. O trabalho intermitente, por exemplo, com toda a flexibilidade que se pretende dar à legislação, pode ser entendido, pura e simplesmente, como a oficialização do “bico”, uma relação extremamente precária de trabalho.

Dessa forma, se entendi bem, estamos tentando fomentar a economia com o aumento da precarização do trabalho. Não é isto o que queremos. O que se propõe: o empregador poderá – ou não – convocar o trabalhador pelo período que quiser. Além disso, poderá lhe atribuir uma jornada amplamente variável. Que conveniente para o empregador! Ele possuirá um negócio em que seus empregados estarão à sua disposição, mas sem serem remunerados por isso. Quando houver demanda, ele os convocará; quando não houver, ele os deixará sem trabalho.

Ora, no mundo laboral, entende-se que o empregado entrega sua força de trabalho ao empregador, que assume o risco do negócio. Da forma como está essa reforma trabalhista, o trabalhador passará a arcar com os riscos, além de vender sua força de trabalho! É completamente desproporcional e injusto! É assim que vamos criar “postos de trabalho”? É assim que vamos aquecer a economia? Outro ponto absurdo dessa reforma é a possibilidade de uma mulher grávida vir a trabalhar em ambiente insalubre, caso haja autorização do médico.

É incrível que sequer estejamos discutindo isso! Mas já que chegamos a esse nível, vejamos: será que não é admissível que algum empregador inescrupuloso pressione uma empregada grávida a obter a tal autorização médica sob ameaça de demiti-la?

Ora, se mulheres são discriminadas em ambiente de trabalho insalubre porque hoje elas têm de ser alocadas em um local seguro quando engravidam, há formas adequadas de combater essa discriminação, como a justiça do trabalho ou mesmo a criação de mecanismos legais mais específicos. No entanto, essa reforma tenta resolver o problema com uma estratégia totalmente invertida e equivocada.

O Senado aprovou uma lei que admitirá risco para a maternidade, a vida e a saúde de recém-nascidos! Que tipo de retrocesso é esse? Recentemente, li um artigo no site da BBC no qual o ex-presidente de um grande banco privado brasileiro defende a reforma trabalhista. Segundo ele, não se trata de retirar direitos dos trabalhadores, mas de flexibilizá-los. Notem bem a sutileza do termo: flexibilização de direitos. Ele acredita que a legislação trabalhista atual não favorece a criação do emprego e não induz em nada a produtividade.

Ora, eu fico pensando aqui comigo: o que esse senhor, do alto da sua carreira executiva num banco privado sabe da vida e das condições reais de trabalho da maioria dos trabalhadores brasileiros? Eis uma pequena citação da fala desse senhor: “Se não criarmos uma legislação trabalhista equilibrada, que dê condições para as empresas aumentarem a produção e gerarem riqueza, enfrentaremos um problema sério. Nunca teremos como resolver nossos problemas sociais”.

Eu fico me perguntando: o que um alto executivo que ficou 23 anos à frente de um dos maiores bancos privados brasileiros tem a dizer sobre “nossos problemas sociais”? Ou sobre produtividade, quando as instituições bancárias agem sempre em favor dos seus próprios interesses, sem pensar nos trabalhadores e nas pequenas empresas, praticando tarifas absurdas e taxas de juros astronômicas, com as quais conseguem gerar lucros bilionários todos os anos, lucros estes que são obtidos às custas do suor e sangue do nosso povo?

Felizmente, muita gente não acredita nessa “flexibilização de direitos”. Aliás, para mim, parece óbvio que há sérias perdas para o trabalhador, perdas de direitos que começaram a ser duramente obtidos com muita luta, como na greve geral de julho de 1917, em São Paulo. Por tudo isso é que, com consciência e coerência, eu disse NÃO à reforma trabalhista que se tenta impor ao trabalhador brasileiro! Uma reforma trabalhista que consiste num retrocesso histórico enorme e que, por isso mesmo, não merece nosso apoio.

(*) é médico e senador da República por Sergipe

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