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“Militares: nem mudos, nem de governo”, por Bruna Furlan

Em artigo publicado neste domingo (04/04) pelo jornal Folha de S.Paulo, a deputada federal Bruna Furlan (PSDB-SP) delineou a histórica relação entre militares e a política. Para a tucana, eles não devem ser mudos: podem e devem se manifestar dentro de suas atribuições e dos limites constitucionais.

Ainda assim, a defesa de interesses setoriais e particulares é incompatível com o seu juramento. “As Forças Armadas fazem parte do Estado e não de governos”, escreveu a parlamentar.

Leia a seguir a íntegra do artigo publicado pela Folha:

A relação entre a República e os militares é debatida em prosa e verso, repleta de contornos. Na França, o Grande Exército (“la Grande Armée”), como era conhecido na época de Napoleão Bonaparte, passou a ser chamado de o Grande Mudo (“la Grande Muette”) quando, ainda no século 19, os republicanos começaram a impor limitações às Forças Armadas a fim de que estivessem subordinadas ao poder civil. Foram proibidas de fazer greve, associar-se e até votar. O voto foi readquirido pelos militares franceses somente no final da Segunda Guerra Mundial.

Na República brasileira houve, de certo modo, a transferência do Poder Moderador de Dom Pedro 2º para as Forças Armadas, colocando-as como destinadas à manutenção das leis no interior ou obrigadas a sustentar as instituições constitucionais, nos termos da Constituição de 1891. Ou, em outro sentido, caberia aos militares a tutela do país. Não à toa os dois primeiros presidentes foram marechais.

Fica claro nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, com intervenções de constituintes como Bernardo Cabral e Fernando Henrique Cardoso, que o atual artigo 142 da Constituição Federal de 1988 deu outra moldura. As Forças são subordinadas ao poder civil. Não podem os militares serem filiados a partidos políticos, sindicalizarem-se e fazerem greve, mas podem votar. E não são mudos. Podem e devem falar a respeito da garantia de suas atribuições, seguir a hierarquia e a disciplina nos limites constitucionais.

Nada impede, igualmente, que militares da reserva busquem mandatos eletivos e ocupem cargos do primeiro escalão político. Todavia, há um detalhe esquecido nesse cuidado na composição dos Poderes. A separação do militar da política não se refere somente ao temor da intervenção armada. Teme-se, de outro lado, que o “militar político” se desvie do interesse geral e passe a defender interesses setoriais e particulares. Este desvio é incompatível com seu juramento. Por definição, o “militar político” já não é mais soldado, mas militante.

As Forças Armadas fazem parte do Estado e não de governos. A única vez em que a palavra pátria aparece na Constituição é para apontar que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica destinam-se à sua defesa (artigo 142). Quão elevada atribuição estatal está jogada nessas instituições, as únicas constitucionalmente vinculadas à pátria! Quanta sabedoria e discrição é preciso para conceber, junto aos demais setores públicos e privados, a estratégia de nossa defesa diante da conjuntura e do futuro?

Passamos por plebiscitos que poderiam culminar em parlamentarismo e/ou monarquia, emendas constitucionais que alteraram tempo de mandatos ou previram reeleição, dois impeachments, vultosas manifestações populares, chacinas ocasionadas pelo crime organizado, tensões internas de toda sorte… E as Forças Armadas mantiveram-se fiéis à Constituição. Foram até mesmo além de funções tradicionais, com a participação em missões humanitárias, como as do Haiti, de elevadíssimo significado e resultados. Igualmente primorosa é a atuação na Operação Acolhida, em relação aos imigrantes venezuelanos.

Nesse sentido, às Forças cabe igualmente implementar os princípios constitucionais que regem nossas relações internacionais, colocando a independência nacional ao lado da prevalência dos direitos humanos, da defesa da paz e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

A pátria não é uma bola de bilhar a chocar-se com outras, é um elemento integrado numa sociedade internacional complexa e interdependente. Ela é solidária e pacífica, a compartilhar valores, e a imaginamos de modo permanente, com um projeto que não é
o mandato de quatro ou oito anos.

Poderiam as Forças serem compostas de mercenários, corpos de milícia, Guarda Nacional, paramilitares. Mas não. Temos a concepção do soldado cívico. Essa figura possui o conteúdo de um todo. Não é o cavaleiro inexistente de Italo Calvino, que ostentava a impecável armadura, mas não havia nada dentro.

*Bruna Furlan é Deputada Federal (SP), vice-presidente nacional do partido, presidente da Comissão Mista das Atividades de Inteligência do Congresso e da comissão especial que criou a Lei Geral de Proteção de Dados.

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