Já há muitas décadas, o futebol é um dos principais elementos da identidade brasileira. Mais do que 22 homens correndo atrás de uma bola, mais do que um simples esporte, no Brasil, o futebol faz parte de um contexto político e social.
Quando os ingleses trouxeram o esporte para o Brasil, este era um esporte da elite. O jornalista Mário Filho tratou o assunto em 1947, com o livro O Negro no Futebol Brasileiro, que mostra que a inserção do negro no esporte foi lenta e dolorosa. Havia espaço apenas para brancos.
Conforme relatos do autor, em 1921, o então presidente Epitácio Pessoa recomendou que o Brasil não levasse jogadores negros à Argentina, onde se realizaria o Sul-Americano daquele ano. Era preciso, segundo ele, projetar no exterior uma outra imagem, composta “pelo melhor de nossa sociedade”.
Muitas vezes, a autoestima do povo brasileiro se confundiu com o sucesso da seleção brasileira. Tantas vezes campeã, as pessoas gostavam de se sentir representadas por uma equipe de sucesso, que esbanjava talento e eficiência.
Entretanto, a técnica apurada de alguns jogadores foi quebrando, pouco a pouco, o estigma de que apenas brancos deviam jogar futebol. Friedenreich, do Paulistano (SP), fez um gol contra o Uruguai, e tornou-se o primeiro ídolo negro do país.
Mário Filho também aborda a inovação do clube Vasco da Gama, oriundo da segunda divisão, que tornou-se campeão carioca da primeira divisão utilizando um time formado por brancos, negros e mulatos. Entretanto, o autor lembra um comentário de um dirigente vascaíno da época: “Entre um preto e um branco, os dois jogando a mesma coisa, o Vasco fica com o branco. O preto é para a necessidade, para ajudar o Vasco a vencer.”
A declaração é forte, e fica difícil evitar a tristeza. O tempo passou, e uma feliz coincidência fez com que o maior atleta da história do esporte fosse brasileiro e…negro!
Foi Pelé quem deu ainda mais força à paixão do brasileiro por futebol. Tricampeão mundial, mais de mil gols marcados, chega a ser, para muitos, o maior atleta de todos os tempos. No futebol, poucos não o reconhecem como o maior jogador de futebol da história.
Após vários anos, inúmeras conquistas do futebol brasileiro e a consolidação do país como o principal gerador de grandes atletas, chegou-se a pensar que estávamos livres do racismo, que esta era uma prática realizada apenas em outras localidades. O Brasil se via como um exemplo para o resto do mundo.
Entretanto, recentemente os casos de racismo envolvendo futebol têm aumentado. E se vemos o esporte como um reflexo de nossa sociedade, podemos concluir que nossa sociedade está longe de se livrar deste mal.
Conforme levantamento do globoesporte.com, ocorreram ao menos 14 acusações de racismo em estádios brasileiros desde fevereiro do ano passado. Nem todos os casos ganharam a mesma repercussão como o de Arouca e árbitro Márcio Chagas da Silva. Uns por realmente faltar atenção da mídia, outros preferem não se manifestar, com medo de represálias.
A punição ao Clube Esportivo, devido as ofensas direcionadas ao árbitro, em março, pode ter dado um exemplo para contribuir com a extinção deste mal. O clube perdeu nove pontos, seis mandos de campo e terá de arcar com uma multa de R$ 30 mil, o que culminará com o rebaixamento da equipe.
A punição saiu na quinta, mesmo dia em que o jogador Marino, do São Bernardo, foi chamado de macaco no Estádio Durival de Britto, em Curitiba.
Fica difícil compreender o porquê de estarmos revivendo o tema com tanta força no esporte em pleno 2014. Todos nós pensamos que estávamos mais avançados nesta questão, mas os fatos mostram que não.
Sendo o esporte um espelho da sociedade, estamos bem longe de nos livrar do racismo. Talvez, isso tenha a ver com o fato dos nossos últimos governantes não terem se atentado à causa. Optaram por um desenvolvimento que não é sustentável, que não tem a educação como prioridade.
Só espero, realmente, que nós não nos acostumemos com tantos atos racistas em nosso cotidiano. Isso não pode ser visto como algo normal, apesar de estar sendo rotineiro. Não suportaria ver filhos meus sendo vítimas deste tipo de ofensa, e vou lutar com toda minha força para que este mal seja superado.
*Juvenal Araújo é presidente do Secretariado da Militância Negra do PSDB – Tucanafro Brasil